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Mulheres, Hollywood e expectativas: uma conversa sobre o Oscar 2020

Ainda que não seja o que gostaríamos, o Oscar é o maior prêmio cinematográfico da nossa era. E isso significa muitas coisas mas, dentre elas, a de maior significado é que os vencedores de cada ano ditam as regras do jogo artístico durante um bom tempo, o que nos traz aqui, novamente, para debatermos: haverá diversidade em Hollywood algum dia? Pensamos que sim, na cerimônia do ano passado, quando houve um bom número de indicações de filmes feitos por pessoas negras e não-brancas. Mas, ao olharmos para a lista de concorrentes à estatueta deste ano, enxergamos um grande retrocesso da Academia. A 92ª edição do Oscar acontecerá no dia 9 de fevereiro e nos reunimos para conversar sobre a premiação, bem como os indicados do ano, esperanças e decepções.

MIA: O Oscar foi adiantado este ano e já está batendo na nossa porta, no dia 9 de fevereiro. Imagino que todas estejamos correndo na maratona para assistir todos os filmes indicados que estão estreando por agora ou que havíamos deixado passar… Mas, apesar da correria, acredito que algumas coisas nos saltam aos olhos, como a falta de mulheres indicadas em categorias fora daquelas destinadas ao gênero, entre outros conservadorismos que voltaram à mesa após uma cerimônia com muita representatividade, no ano passado. Considerando isso, o que vocês esperam deste Oscar?

JÉSSICA: Espero que o Quentin Tarantino não vença, posso dizer isso?

MIA: PODE! Também espero.

CAROL: Sinceramente, espero poucas coisas. Estou preparada para o pior, mas torço para que pelo menos Joaquin Phoenix não leve Melhor Ator e que Adoráveis Mulheres vença em pelo menos Melhor Roteiro Adaptado. Mas pelo jeito, até isso é pedir muito. E, nossa, sim! Ver o Tarantino perder seria algo que me daria um pouco de forças para continuar.

JÉSSICA: De resto, eu não espero nada. Acho que foram tantos anos de Oscar que, quando chega a hora, a gente só deseja que acabe logo. Não sei alguém também sente isso…

MIA: Amiga, esse é um sentimento cada vez mais presente em mim quando penso em Oscar. Mas, ainda assim, queria muito que Adoráveis Mulheres vencesse como Melhor Filme, ou Parasita, apesar de saber que isso provavelmente não vai acontecer.

ANA LUÍZA: Minhas expectativas são bem baixas. Várias coisas acabaram decepcionando bastante (Tarantino na direção, Noah Baumbach e Greta Gerwig totalmente esnobados, Ford vs. Ferrari recebendo uma indicação a Melhor Filme, o que até agora não consegui entender, etc.), o que acabou me deixando muito desanimada. Parece que os poucos avanços que tinham sido feitos nos últimos anos foram completamente ignorados e as coisas só voltaram a ser como sempre foram?

JÉSSICA: Seria muito importante se Adoráveis Mulheres ou Parasita vencessem, mas acho que a Academia vai novamente fechar os olhos para o valor de ambos os filmes, até porque Parasita não foi indicado às categorias de Ator e Atriz, o que foi um absurdo.

oscar 2020

ANA LUÍZA: Acho que Parasita tem uma chance real na categoria de Melhor Filme em Língua Estrangeira, embora tenham outros nomes grandes concorrendo junto. Por outro lado, acho bem difícil que a Academia, conservadora como é, vá dar o prêmio de Melhor Filme para um estrangeiro. Tampouco para um filme centralizado na história de mulheres. É absolutamente ridículo, mas acho que as chances são mínimas, pra não dizer inexistentes.

MIA: São praticamente inexistentes mesmo. Quer dizer, fontes de dentro da Academia confirmaram que os votantes nem ao menos viram todos os filmes pré-candidatos à indicação. Muitos se recusaram a ver Adoráveis Mulheres, por exemplo, que só furou a bolha, ainda que um pouco, por ser a adaptação de um clássico muito amado nos EUA.

CAROL: Quando penso que ano passado fomos abençoados com uma premiação que tinha Spike Lee, Homem-Aranha no Aranhaverso, Pantera Negra, etc, fico triste. Não sei como rolou toda essa regressão.

JÉSSICA: É, dado o histórico do Oscar não dá para a gente crer que isso aconteça, mas é como a Carol disse, a gente veio de alguns anos atrás com filmes muito bacanas e diversos, mas depois de Green Book, as coisas começaram a regredir e decair, ou será que foi uma falsa sensação de representatividade?

CAROL: Meu sonho era que Parasita levasse Melhor Filme e Dor e Glória levasse Melhor Filme Estrangeiro, mas isso é praticamente impossível também. Acho que com Parasita vai rolar a mesma coisa que rolou com Roma: vai levar um monte para casa, mas aí no final perde o principal prêmio da noite porque os velhos da Academia não curtem legenda.

MIA: Os avanços parecem ter sido ignorados mesmo. 2019 foi um ano de grandes filmes dirigidos por mulheres e, de alguma maneira, parece que o pessoal da Academia conseguiu enfiar um FILME DE CARRO, TARANTINO E CORINGA em tudo só pra não dar espaço para outras narrativas, especialmente de minorias.

ANA LUÍZA: Acho que foi bem isso. A vitória de Green Book parece ter marcado esse retrocesso. Foi exatamente o que aconteceu com Roma, como a Carol bem lembrou, e não vejo como não acontecer de novo.

JÉSSICA: Dor e Glória ter passado despercebido (ou quase) neste ano foi uma das coisas mais absurdas que aconteceram pra mim. Tudo bem que ele foi indicado, mas senti um buzz muito inferior ao que filme realmente merecia.

CAROL: Sinceramente eu estou em um momento que fico: beleza Tarantino e Scorsese, mas Coringa? Não dá, não entra na minha cabeça. Dor e Glória é melhor que pelo menos 50% dos indicados a Melhor Filme.

ANA LUÍZA:  O que não é muito difícil, né.

JÉSSICA: Coringa junto com Scorsese é uma distopia muito da tensa.

MIA: CORINGA COM SCORSESE, não dá pra crer!

ANA LUÍZA: Eu gostei bastante de Coringa, o que é uma opinião controversa. Mas não dá pra fugir do fato de que ele é um filme MUITO problemático, que a maneira como a equipe em geral lidou com essas questões foi ridícula (a afirmação do Todd Phillips de que o filme não era político e Joaquin Phoenix saindo de entrevistas e coletivas de imprensa porque não queria responder questões delicadas foram atitudes bem ridículas; se você quer fazer um filme controverso, que pelo menos tenha colhões de assumir isso depois), e uma eventual vitória na categoria de Melhor Filme seria um endosso a esse tipo de coisa que a gente realmente não precisa e não precisa especialmente agora.

JÉSSICA: Que péssima atitude! A obra é feita, desperta controvérsias, e depois você sai fora para não responder? Acho que até invalida o motivo de as pessoas rodarem filmes?

CAROL: Eu amo que o Scorsese outro dia soltou um “sem tempo irmão” pra Coringa.

JÉSSICA: deve ter pensado: que cópia dos meus filmes é essa?

MIA: Sim, um dos meus momentos favoritos da award season!

CAROL: Um dos meus favoritos também, perfeito!

MIA: Confesso que passei a gostar mais do Scorsese depois disso. Não que eu não goste do cinema dele, quer dizer, o cara entende o que faz e faz sempre o melhor possível. Mas os filmes dele, em geral, não são pra mim. Porém, só por falar isso de Coringa (Todd Philips lixo humano), já me lavou a alma.

JÉSSICA: Gostei demais de O Irlandês, dialogou muito comigo, mas eu amo filmes de máfia, o universo que o Scorsese criou neste sentido é fantástico, e acho que o filme é além daquela trama dos senhores da máfia e do sindicato. Pra mim, representa o fim de uma era, o fim de um cinema, talvez por isso tenha me emocionado tanto. O Scorsese não tinha tido dificuldades para financiar o filme?

CAROL: Teve muitas! Acho que é por isso que ele tem tanta birra do cinema blockbuster atual. O que, sinceramente, não tiro o mérito dele. Mas no geral gostei de O Irlandês também, mesmo não sendo meu tipo de filme.

ANA LUÍZA: Gosto bastante do Scorsese, e O Irlandês foi um filme que me surpreendeu positivamente. O que me incomoda, de maneira geral, é que nomes continuam tendo um peso muito grande em Hollywood. Se ele merece as indicações que recebeu pelo filme, a gente não pode dizer o mesmo de todo mundo que está no mesmo barco.

MIA: Li uma entrevista com um pessoal da Academia dizendo que atores e diretores carregam marcas. Então, mesmo que Jordan Peele faça um filme excelente, ele não tem a marca de um Vencedor do Oscar de Melhor Filme (por ser negro? por ser de terror? questões), e isso pega forte nesse aspecto, infelizmente.

ANA LUÍZA:  Sem dúvida. Mas ele nunca vai ter se não se dispuserem a dar espaço pra ele e, mais do que isso até, dar o prêmio a ele. Como Corra! não recebeu como Melhor Filme é algo que me escapa até hoje.

CAROL: Quando eu saí da cabine de Coringa, sai achando o filme ok. Mas, toda vez que penso nele, descubro outra coisa de que não gosto e agora detesto bastante o filme. Eu sei que é uma posição radical, mas não consigo mais sabe? Não consigo conceber.

MIA: Acho Coringa um filme bem copia e cola de outros clássicos do cinema. Ele é visualmente bonito e tal, tem uma fotografia bacana, mas é meio que isso porque o roteiro tem diversas falhas, é extremamente problemático e irresponsável. Tenho diversas questões com esse filme mas, em geral, é isto: pra mim, ele não merece as indicações que levou.

ANA LUÍZA: Ele é problemático, de fato. Mas eu gostaria de ver mais filmes que referenciassem esses clássicos; apesar de gostar de muita coisa que vem surgindo agora, não sei, acho importante a gente não esquecer daquilo que passou, não esquecer as referências e aquilo que transformou o cinema no que ele é agora. Não que Coringa seja necessariamente uma homenagem bem sucedida nesse sentido, mas não acho que o maior problema seja o fato de utilizar grandes clássicos como referência óbvia. É o que o filme realmente representa, sobre o discurso que ele alimenta e como ele chega nesse momento específico. Eu lembro que muita gente pensou que Jackie vinha num momento meio ruim quando ele foi lançado, mas hoje me parece uma coisa tão pequena perto do que estamos vendo agora.

MIA: Filmes que resgatam o passado e fazem homenagens a clássicos geralmente me deixam feliz, mas não senti, em Coringa uma homenagem. Me pareceu mais falta de criatividade e controle narrativo. Não sei se me faço entender. Nesse sentido, acho que Era Uma Vez… em Hollywood é mais bem-sucedido.

ANA LUÍZA: Era Uma Vez… em Hollywood é uma homenagem por inteiro, ele pega um sentimento nostálgico e se apoia nele; Coringa não tem isso. São propostas diferentes, e apesar de achar a direção do Todd bem ruim, é um ponto que é importante levar em consideração. Por outro lado, ambos são filmes que me parecem totalmente deslocados ali e não acho que nenhum dos diretores merecesse a indicação na categoria de Direção.

JÉSSICA: Eu acho que você homenagear uma obra é um movimento válido, desde que o filme não vire um pastiche de várias obras e fique vazio. Sinto que isso aconteceu ao Coringa: na ânsia das homenagens, ele se perdeu demais.

CAROL: Eu acho que ele é realmente bonito em si, mas o roteiro é tão vazio. Tenta falar tanta coisa e ao mesmo tempo não fala nada. E, sinceramente? Adam Driver merecia muito mais do que Joaquin Phoenix. Ele tem uma atuação mais completa, na minha opinião. Assim como o Antonio Banderas, em Dor e Glória.

JÉSSICA: É, isso é verdade. Inclusive, ontem li uma reportagem bem interessante sobre a média de idade dos atores e atrizes indicadas. A dos homens chega a 61 anos de idade versus a das mulheres, com quase 30. O que isso quer dizer?

CAROL: Sim! E nessa discussão ainda entra o fato de que histórias de mulheres, sobre mulheres, ainda são consideras inferiores, enquanto o topo da hierarquia ainda é história de homens violentos.

MIA: Phoenix já fez papéis incríveis, onde eu realmente acho que ele teria merecido um Oscar mas, pra mim, Coringa não é um deles. Ficar magérrimo e se machucar durante o filme deveria ser motivo de reprovação, não para prêmios. Tipo, isso é grave, o mal-estar dos atores não deveria ser glorificado.

CAROL: Também acho. Não entendo por que ele nem sequer concorreu quando fez We Were Never Really Here e agora concorre com o Coringa.

JÉSSICA: E como este ano Nós foi esquecido em todas as categorias possíveis, é algo que reflete muito bem as políticas internas da Academia. Do tipo: bom, você já foi indicado, preencheu uma certa “cota” por ser negro, por seu filme ser de terror, agora vamos esquecer seu próximo filme. Esse ostracismo é tão típico da indústria, né?

CAROL: A Lupita Nyong’o mesmo… concorreu e ganhou quando fez uma escrava, mas agora que faz uma mulher que é bem-sucedida, amada e com uma família, eles nem sequer consideraram. É sempre preencher uma cota, como a Cynthia Erivo esse ano (sem querer desmerecer o trabalho dela, que é perfeito).

MIA: Lupita merecia outro Oscar. Ela fez algo genial em tela. Mas mulheres negras só parecem ser premiadas quando interpretam escravas, né? A Academia é racista demais, eles nem disfarçam.

CAROL: Sim!

JÉSSICA: Com certeza, Carol! Isso mostra como a Academia só tolera pessoas não-branca quando a narrativa versa sobre o sofrimento delas. No caso da Lupita em Nós, ela era mãe e esposa, uma pessoa bem-sucedida, então talvez não servisse? Detalhe interessante: quando assisti no cinema, as pessoas riram muito. Fiquei pensando: se fosse uma família branca, vocês iam rir? Acho que não.

ANA LUÍZA: É absurdo. Jamais vou entender como ela não foi indicada depois de um trabalho tão complexo e que ele consegue fazer com louvor. Lupita é uma das melhores atrizes dessa geração; é preconceituoso e limitante que ela só seja reconhecida quando está no papel de escrava ou, pelo menos, de uma mulher que sofra muito. Viola Davis ganhou dessa maneira. Regina King idem. São papéis fortíssimos, mas ainda são mulheres que sofrem profundamente, como se essa fosse a única possibilidade para mulheres negras. Será que algum dia vamos vê-las ganhar por um filme onde elas possam ser pessoas felizes e bem-sucedidas?

MIA: E, para além do racismo, tem a questão do terror. 2019 foi um grande ano pra o terror e, no entanto, indicaram Florence Pugh por sua atuação em Adoráveis Mulheres e não em Midsommar. Adoráveis Mulheres é um cristal e a Amy da Pugh é realmente incrível, mas o que ela fez como Dani em Midsommar foi bem mais difícil e bem executado. Merecia uma indicação por isso.

ANA LUÍZA: Gosto que a Florence pelo menos tenha sido indicada pela Amy que, depois da Jo, é a melhor personagem de Adoráveis Mulheres. O que ela e a Greta fazem juntas é maravilhoso e acho que foi ótimo por tirar um pouco do peso que a personagem carrega no livro, de ser sempre tão odiada (embora eu tenha um carinho bem grande por ela e ela seja minha favorita no livro também). Mas me parece injusto considerando o que ela faz em Midsommar. A Lupita, por outro lado, nem isso conseguiu, o que também diz muito sobre quem a Academia está disposta a reconhecer e premiar.

CAROL: A atuação da Lupita me lembra muito a da Florence Pugh em Midsommar também. É um papel que exige MUITO, e nenhuma delas alienou os colegas de trabalho para fazê-lo, como certos palhaços.

ANA LUÍZA: São dois pesos e duas medidas que ninguém nem tem a decência de tentar disfarçar.

MIA: Pois é. Queria aqui levantar o ponto de Joaquin Phoenix babaca sendo recompensado por isso enquanto uma mulher, se for apenas séria ou antipática, é tida por pessoa indesejável.

CAROL: Ele é EXTREMAMENTE babaca. Ele sendo rude com o jornalista que fez uma pergunta sobre o filme, sendo que é o trabalho dele responder, assim como é do jornalista perguntar… Me tira do sério. E aplaudem. Acho que é mal de Coringa.

ANA LUÍZA: A partir do momento que você faz um trabalho, acho que o mínimo é falar sobre ele abertamente. É muito curioso, pra não dizer outra coisa, que mulheres sejam mal vistas quando não respondem perguntas que não têm nada a ver com o trabalho delas, enquanto homens se recusam a responder sobre o próprio trabalho e… viram o quê, mitos?

MIA: Vamos lembrar do que aconteceu com Brie Larson por causa da falta de sorrisos da Capitã Marvel, né. E, sobre as indicações racistas: Scarlett Johansson indicada por dois papéis…

CAROL: Essa é a minha opinião controversa. Eu adoro a Scarlett como atriz em si, acho ela muito boa! Não acho que ela precisava ter DUAS indicações, mas no geral curto ela. E me chateia que ela seja uma pessoa de caráter duvidoso.

JÉSSICA: Nem vou comentar que não precisava disso, tantas mulheres esquecidas, a própria Lupita de quem já falamos, que é difícil engolir isso. Inclusive, é muito triste perceber que a atriz mais velha é uma só, a Renée Zellweger, pela atuação em Judy. Além de mulheres não-brancas, a Academia não gosta de mulheres mais velhas.

MIA: Tenho a mesma opinião que tu, Carol. Curto o trabalho dela, adoro ela em História de um Casamento e Jojo Rabbit. Mas como pessoa… complicado.

CAROL: Gosto dela até em Vingadores, sabe. No último acho que ela tem a melhor atuação. De longe. E ela em Jojo Rabbit… é uma sensibilidade absurda. No geral, ainda prefiro ela indicada por Jojo Rabbit do que a Margot Robbie por O Escândalo, que é um filme terrível de ruim.

MIA: Sim, sendo que a Renée nem é velha, convenhamos. E tem a Kathy Bates também, mas parece que nem fizeram campanha pra o filme dela. O Escândalo não deveria ter sido indicado pra nada, me desculpem. A Scarjo em Jojo Rabbit está realmente perfeita.

ANA LUÍZA: Jojo Rabbit é um filme tão lindo e tão sensível. Ela realmente está perfeita.

JÉSSICA: A Kathy, sinceramente, eu soube ontem que estava indicada? Pra vocês verem como a campanha para o filme dela foi mequetrefe.

CAROL: Não devia mesmo. O jeito como a câmera foca no corpo dela em alguns momentos de O Escândalo é vergonhoso, ridículo.

MIA: Esse filme me deixou indignada em tantos momentos… Margot Robbie mostrando a calcinha. Qual foi a necessidade daquela cena focada no que o agressor via? Que desserviço.

CAROL: A Charlize Theron merecia mais pelo seu papel naquela comédia romântica casal improvável do que nesse. Sério, não gostei nem da maquiagem.

ANA LUÍZA: Ela [Scarlett] realmente é uma pessoa controversa. Acho complicado algumas declarações que ela dá e algumas atitudes, embora também seja toda uma discussão bem complicada. E também gosto bastante dela nos filmes, é uma atriz excelente. Não sei se ambas as indicações me incomodam tanto quanto outros nomes que concorrem nas categorias. Eu sabia da Kathy e o filme me pareceu bem interessante, mas é um daqueles que vai passar batido mesmo. O que sempre acontece, paciência.

CAROL: Essa historia toda é bem esquisita, né? O próprio Adam Sandler foi ignorado pelo filme e ela com uma indicação. Eu acho ótimo, adoro ela. Mas no geral fico meio confusa com a logística em si.

JÉSSICA: Pra mim o descaso com as atrizes mais velhas é evidente, e a média de idade deste ano é a maior prova disso. É muito difícil, porque depois entregam um honorário e acham que está tudo bem?

CAROL: Eu sempre lembro da Isabella Rossellini falando que não existem papéis para mulheres mais velhas, e que é impossível trabalhar depois de certa idade. Imagina só ganhar prêmios.

ANA LUÍZA: É muito evidente. E uma coisa puxa a outra. Se elas não encontram trabalho, então como vão ser premiadas por alguma coisa?

JÉSSICA: Pois é, é uma realidade bem triste. Inclusive, a Isabella deu uma sumida, o que é uma pena, ela é uma atriz excelente. Podia estar recebendo mais papéis.

CAROL: Sim, eu adoro ela!

MIA: Isabella fazendo ponta em série de comédia é triste demais.

ANA LUÍZA: Último filme que fiquei sabendo que a Isabella fez parte foi Vita & Virginia, mas num papel menor.

JÉSSICA: Voltando a O Escândalo, ele me parece aquele filme feito pura e simplesmente para lacrar? E o pior foi que a campanha no Brasil dele foi tão forte, até camisetas venderam.

ANA LUÍZA: É a mesma impressão que me dá.

JÉSSICA: É, foi uma iniciativa da produtora do filme. A camiseta era algo como: “Não vou me calar”, algo assim.

ANA LUÍZA: Eu não dou conta, sério.

MIA: Sim, foi pra ir na onda de tudo que tá saindo do #MeToo. Mas ele erra em tanta coisa. Tentam dizer que as mulheres merecem respeito apesar de serem péssimas pessoas. Tipo, que diabos estão fazendo? É o filme feminista mais anti-feminista que existe.

ANA LUÍZA: Disse tudo, Mia.

JÉSSICA: Não dou conta desse vazio, sabe? É muito revoltante pegar uma pauta tão séria quanto o assédio para rodar um filme desses.

CAROL: Eu acho que foi feito mais ou menos pra isso mesmo. Eles tentaram mostrar a ambiguidade do caso, e a personalidade das mulheres da Fox News e acabou saindo MUITO errado. É um filme muito, muito difícil porque o que aquelas mulheres sofreram é um absurdo e sou a favor de todo mundo ter a oportunidade de contar sua história, ter voz e denunciar. Ao mesmo tempo, eles tentam mostrar que elas faziam parte do esquema ridículo da Fox News e saiu… muito errado? Não sei se alguém sentiu isso também.

MIA: É bem isso. Foi um filme que me decepcionou muito. E acho que o grande culpado foi a falta de mulheres por trás das telas. Não tem como fazer um filme sobre assédio sexual sem ter mulheres na direção, no roteiro… Ainda que os homens conheçam a narrativa, dificilmente saberão como conduzir, de forma delicada e séria, um filme desses. O Escândalo é cômico e moralista, coisas que certamente não deveria ser.

ANA LUÍZA: É um tema bem complexo e talvez nas mãos de outra pessoa, preferencialmente uma mulher, essa ambiguidade tivesse sido melhor trabalhada. Porque é claro que ela existe. Mas como entender essas nuances quando se é homem, quando o assédio não é uma realidade pra você?

CAROL: Exatamente. Eles estavam falando de um esquema de abuso comandado por homens, com apenas homens atrás das câmeras. Tenho respeito por todas as atrizes envolvidas, mas aquilo não deveria ter sido aprovado nunca.

JÉSSICA: Pois é. E aí, a gente volta a discussão para o olhar masculino e o feminino no cinema. Infelizmente, existe uma diferença gritante nesses olhares, e O Escândalo é um bom exemplo. Azul é a Cor Mais Quente versus Retrato de Uma Jovem em Chamas são mais gritantes ainda.

ANA LUÍZA: Nessas horas fica muito claro o aspecto monetário que envolvem esses filmes. Ele existe em todos, claro, mas alguns se aproveitam tão notoriamente de determinados temas pra vender que acabam evidenciando isso com mais força. O Escândalo é um desses.

MIA: Cada vez que alguém coloca Azul é a Cor Mais Quente como referência pra filme sobre lésbicas, uma fada comete suicídio.

JÉSSICA: Eu me lembro da minha namorada comentando comigo que, no trabalho dela, os homens adoram esse filme. E aí, ela disse: “É justamente pelos motivos que vocês amam este filme que eu odeio.” São filmes que povoam imaginários e reforça estereótipos.

ANA LUÍZA: Exatamente.

CAROL: Eu já ouvi homens falando que foram procurar o filme só por causa das cenas de sexo. Sem contar todo o abuso que as duas atrizes sofreram do diretor… E Retrato de Uma Jovem em Chamas não foi indicado a nada! Acho que é um dos meus filmes preferidos de 2019, o filme teve um ótimo desempenho nos festivais de cinema, mas mesmo assim acabou ignorado no Oscar. O que a diretora faz com a relação das duas protagonistas é incrível.

ANA LUÍZA: Por que será, né.

JÉSSICA: É uma pena o filme ter sido esquecido, também foi um dos favoritos do ano! Até achei que a França fosse indicar, mas tomei bonito no nariz. Ainda não vi Les Miserábles, mas a proposta parece bem bacana.

MIA: É que já tem um filme de mulher pra preencher cota, né.

ANA LUÍZA: Fora que eles não gostam de assistir filme legendado, então mesmo que tivesse sido indicado, não sei se seria selecionado. Um filme com legendas, feito por uma mulher e protagonizado por mulheres, quais as chances?

JÉSSICA: Uma coisa interessante, já que estamos falando da questão financeira, é como a indicação de Parasita vai além da qualidade do filme. A Coreia do Sul investe muito em cinema, o Festival de Busan é um dos maiores do mundo, então acho que reflete toda essa política pública deles. Seria muito bacana se o Brasil tivesse os mesmos investimentos. É o discurso do Bong Joon-ho dando de chinelo na cara dos idiotas!

CAROL: Falar em Brasil e Oscar me deixa bem triste também porque sinceramente? Eu gostei tanto de A Vida Invisível que acho que merecia uma indicação total. E a falta de investimento, assim como reconhecimento dos próprios brasileiros, é bem amarga.

ANA LUÍZA: Me parece muito o tipo de filme que vai pra festivais e recebe prêmios, mas nessas horas a gente percebe como o modus operandi da Academia é um só, e na hora da escolha, nome, sexo e língua acabam pesando. A categoria de Língua Estrangeira, aliás, é bem o tipo de categoria que pode ser lida como um prêmio consolação, mas se a gente fosse pensar de maneira geral, são pouquíssimos os filmes que saem de lá para estrelar as categorias principais. Dá pra pensar da mesma maneira em relação às categorias de atuação feminina: estariam as mulheres indicadas se concorressem amplamente com homens?

JÉSSICA: Também acho que A Vida Invisível merecia uma indicação, Carol. Foi estranho ter ficado de fora, pra mim, pois a campanha parecia ir de vento em popa? Até porque um filme como Bacurau nem poderia ser indicado por conta do teor político, acho que os gringos norte-americanos não iam aguentar.

CAROL: Essa é uma discussão interessante. Eu trabalho como crítica de cinema faz mais ou menos quatro anos e acho que o que mais escuto dos meus colegas homens é que a solução para acabar com a desigualdade na questão de mulheres diretoras no Oscar é colocar uma categoria apenas para elas. Mas estou longe de concordar com isso. E sim, se elas concorressem amplamente com homens na atuação iria acontecer o mesmo problema!

ANA LUÍZA: O cinema brasileiro tem um problema muita grande. É terrível quando a gente vê que as pessoas ainda tomam como referências filmes de comédia pastelão, que são o que levam as pessoas ao cinema, quando muito, pra ver um filme brasileiro, mas nós temos pessoas muito talentosas no país, fazendo filmes incríveis; o difícil mesmo é ter reconhecimento e investimento. E é um clubinho muito fechado. Os auxílios do governo ajudaram muita gente, mas em geral ajudaram gente grande, impedindo que pessoas mais novas, uma nova leva de diretoras e roteiristas, conseguissem dar esse passo, produzir os próprios filmes, mostrar o que existe por aqui. As produtoras também são locais muito fechados, a grande maioria não se disponibiliza a pegar roteiros que não das pessoas com quem eles já trabalham e não estão muito dispostos a arriscar. É muito complicado. Na faculdade de cinema a gente vê gente talentosa o tempo inteiro, mas muitas acabam perdendo fôlego e largando a profissão porque é muito difícil ser estreante e conseguir apoio; e agora isso só tem ficado ainda mais difícil. Eu gostaria muito que qualquer um deles tivesse sido indicado. Mesmo que sejam filmes grandes, com atores do grande escalão, diretores renomados, etc. Porque o Brasil ainda tem essa carência. Quanto tempo faz que um filme nosso foi indicado pela última vez? É uma pergunta séria, porque eu realmente não sei dizer. Uns cinco anos, pelo menos? Provavelmente mais? É bastante tempo pra um país que, aos trancos e barrancos, produz filmes o tempo inteiro. Mas a gente não valoriza arte, não temos esse costume.

CAROL: Eu achei que a campanha para A Vida Invisivel concorrer seria massiva, mas acabou meio fraca mesmo. Não sei o que aconteceu, porque ele tinha tudo para ir muito bem no Oscar. O cinema brasileiro é um dos meus favoritos, e acho que a gente tem uma identidade tão forte e bonita, mas ninguém sabe administrar isso. É bem bizarro.

JÉSSICA: Essa questão me lembra vagamente a do vagão rosa, no Rio de Janeiro. O vagão está lá para as mulheres poderem pegá-lo em determinados horários e os homens não podem entrar neles. No entanto, isso não resolve o problema, no caso, o assédio. É uma medida tapa-buraco para um problema estrutural. Acho que acontece o mesmo com a ideia de criar uma categoria apenas para mulheres. Não vai resolver algo que é estrutural?

CAROL: Exatamente! É uma discussão muito profunda e tem que chegar na raiz do problema, ou se não nada vai mudar.

ANA LUÍZA: Exatamente. É bem essa a questão. E é uma discussão realmente profunda e muito complexa, mas definitivamente é uma solução temporária, porque é claro que ela não está resolvendo absolutamente nada. Só que ninguém também parece muito disposto a entender o que acontece e tentar promover mudanças reais.

CAROL: Eu acho que existe muito da síndrome do underdog. Mesmo que tenha coisas incríveis sendo produzidas aqui, vai sempre rolar de acharem inferior.

JÉSSICA: A maior dificuldade que sinto em relação ao cinema brasileiro é os filmes circularem, o que vem da falta e investimentos, pois acaba que as salas de cinema não estão dispostas a abrir mão de um filme muito mais rentável para colocar um filme brasileiro de um diretor ou diretora que ninguém conhece. Nos últimos dias, estava acontecendo o Festival de Cinema de Tiradentes, e acompanhei a cobertura de algumas críticas de que gosto, e eu só ficava pensando: “Será que vou conseguir assistir a esses filmes?” É muito difícil a questão do cinema brasileiro, porque talvez ele resvale na cultura brasileira de um modo geral, como ela ainda é mal vista e tudo mais. Quando ela é exportada, só daí ganha o valor devido.

ANA LUÍZA: Sem dúvida. Fora isso, tem um problema de as pessoas acharem que o Brasil só faz dois gêneros: a comédia e o drama baseado em fatos, o que também não é verdade. Mas nós precisamos de algum modo de mostrar o que existe e infelizmente festivais não são a melhor saída, porque apesar de a maioria ter preços muito acessíveis ao público, eles não são acessíveis pra todo mundo, muitas vezes não estão na periferia e sim nos grandes centros, o que impõe um outro tipo de problema. Ainda, tem a questão da divulgação, que acaba ficando muito restrita aos círculos de quem já acompanha esse tipo de evento ou que realmente busca por isso.

JÉSSICA: Sim, amiga, é verdade. O Festival do Rio é um grande exemplo: muitos filmes e debates, mas não chega à periferia, ingressos caríssimos, acaba que é sempre o mesmo público a frequentar. Por isso, acho que o tema da redação do ENEM, no ano passado, foi tão importante. Precisamos pensar em políticas públicas que democratizem o acesso ao cinema, que o valorizem, assim não vamos ter um gap tão grande, quem sabe, entre uma indicação brasileira no Oscar e outra.

ANA LUÍZA: Exatamente. O Festival de Brasília tem tentado se movimentar em favor disso, levando sessões dos filmes para lugares mais afastados, e já temos até alguns festivais independentes que acontecem exclusivamente na periferia. Mas, ao mesmo tempo, não é o suficiente, porque a divulgação dessas coisas continua fraca e eu me pergunto se as pessoas realmente estão indo até lá. Foi importante demais a temática e a dificuldade que muitos estudantes tiveram em escrever a respeito é sintomático. Mostra muito claramente em que lugar nós estamos nesse sentido.

CAROL: Inclusive, nem falamos de 1917 ainda e a eterna obsessão por filmes de guerra.

JÉSSICA: Não vi o 1917, mas a obsessão por filmes de guerra é real demais.

ANA LUÍZA: Eu sou a pessoa que ama filmes de guerra, desculpa!

JÉSSICA: Pelas imagens que vi, ele me lembrou demais Nada de Novo no Front, alguém viu?

CAROL: No geral eu não sou fã de filmes de guerra porque eles excluem mulheres da narrativa, quando a gente sabe que isso não aconteceu na vida real, mas eu gostei bastante de 1917. Achei não só um filme visualmente muito perfeito, mas também porque os personagens são construídos de forma honesta e até comovente. Ainda é o arroz e feijão favorito do Oscar, mas pelo menos é melhor do que Green Book, por exemplo. É lógico que no meu ranking ele não chega perto de Adoráveis Mulheres ou Parasita, mas…

oscar 2020

MIA: Amigas, voltando um pouco o assunto, só queria lembrar daquela declaração polêmica do Stephen King, que disse, como votante da Academia, não se preocupar com a diversidade quando vai votar nos indicados, mas sim em uma boa história. Pra mim, isso sintetiza todo o problema com o Oscar atualmente (e com a indústria cinematográfica no geral): é claro que não terá diversidade porque não tem gente de minorias por trás das coisas, seja em votação ou como diretores, roteiristas etc.

ANA LUÍZA: É absurdo quando existe tanta gente pensando e trabalhando pra que as coisas mudem, mas essa é bem a mentalidade geral. E enquanto for essa a mentalidade, nós vamos continuar vendo filmes como Coringa e Era Uma Vez… em Hollywood serem indicados só porque sim, em momentos em que a gente definitivamente não precisa bater palma pra esse tipo de obra. É lamentável, pra dizer o mínimo.

CAROL: Como uma pessoa muito fã das obras do Stephen King, fiquei bem chateada com essas declarações. O que o privilégio não faz com uma pessoa né.

ANA LUÍZA: Eu acho que 1917 traz algumas questões interessantes. É mais um filme de guerra e o Oscar sempre tem pelo menos um filme de guerra nas categorias principais. É um gênero desgastado e eu não sou a pessoa que vai afirmar o contrário. Mas, ao mesmo tempo, acho que ele vem num momento relativamente interessante. Primeiro porque não é um filme de guerra que centraliza 100% o front; há mais nele do que o campo de batalha, é uma coisa mais introspectiva, sobre as pessoas na guerra e menos sobre a guerra em si. Ele também tem muitos méritos técnicos, mas ao mesmo tempo, falar sobre a guerra, e falar especialmente sobre a Primeira Grande Guerra, me parece um movimento tão interessante quanto importante. Já passa de 100 anos do início do conflito e é sabido que muita gente começa a perder a noção do quando ele pesou na história do mundo. Se a Segunda Guerra Mundial, abordada à exaustão, tem perdido espaço no imaginário popular, o que dizer de uma guerra bem menos abordada (por muitos motivos válidos, sim, mas que não anulam sua importância história)?

JÉSSICA: A descrição do filme me lembrou exatamente o Nada de Novo no Front, acho que por isso gosto tanto dele, ele não é um filme de guerra sobre a guerra, mas sim sobre os efeitos dela em que vai e fica.

MIA: É justamente esse o meu problema com filme de guerra: a falta de mulheres. Parece que farão uma versão cinematográfica do livro da Svetlana Alekisiévitch, A Guerra Não Tem Rosto de Mulher. Espero que façam algo bem feito porque já deu de filmes de guerra só com homens.

CAROL: Eu amo esse livro e ele mudou a minha vida! Não consegui assistir Band of Brothers, a série aclamada da HBO, justamente por causa disso.

MIA: Não conheço essa série! Mas esse livro é INCRÍVEL. Porém, tenho medo real da adaptação. Quer dizer, se formos considerar os filmes de guerra que incluem mulheres como profissionais ativas no front… São decepcionantes. Ainda não superei Hemingway & Gellhorn, aquele lixo que sexualiza a Martha Gellhorn, como se ela fosse uma mulher metida com jornalismo, mas que não entendesse nada da profissão e estivesse lá só pra seduzir. É geralmente esse o olhar que temos sobre mulheres na guerra no cinema: ou sedutoras ou enfermeiras. Honestamente, nessa altura do campeonato, qualquer um que ganhar de Coringa será bem-vindo (menos o dos carros, tenho limites).

JÉSSICA: Também mudou a minha vida, Carol! Me dói profundamente a Svetlana não ter sido creditada direito em Chernobyl, quando as histórias que ela ouviu e colocou em Vozes de Tchernóbil foram diretamente reproduzidas na série.

CAROL: E 1917 é bem isso mesmo, um filme mais introspectivo. Não tem musica romântica e heroica, não tem aquela romantização absurda da violência que rola. É sobre uma missão, sobre correr contra o tempo, sobre sobreviver. E tem umas partes realmente lindas. fiquei chocada, porque eu estava achando que não ia curtir o filme. Mas se ele ganhar de Coringa, estamos no lucro.

MIA: Aliás, amigas, falando em ganhar… Quais filmes vocês acham que levam as categorias principais?

ANA LUÍZA: Imagino que 1917 tenha chances reais e, se for pra pensar dessa forma, minha torcida iria pra ele. Meu coração continua com História de um Casamento, Adoráveis Mulheres e Jojo Rabbit, mas não consigo vê-los ganhando a estatueta de Melhor Filme?

CAROL: Em Melhor Ator, o favorito é o Phoenix, mas eu estou esperando que aconteça que nem no ano passado e role uma surpresa: todo mundo esperando Glenn Close, e acabou com a Olivia Colman levando a estatueta (que aliás, deu o melhor discurso de todos?). Tô esperando que o Adam Driver leve para casa e surpreenda todo mundo! Sonhando acordada. Para Melhor Filme, acredito que seja 1917 mesmo. Ou, sinceramente? Jojo Rabbit. É a cara deles.

MIA: Jojo Rabbit é muito a cara deles mesmo. Achei o filme bom, apesar de considerar a Scarlett Johansson a melhor coisa dele.

JÉSSICA: Melhor Filme: 1917 (mas queria Parasita ou O Irlandês).

MIA: Também acho que é possível que 1917 ganhe, mas torço por Adoráveis Mulheres ou Parasita, mas sei que é dificílimo que eles ganhem.

ANA LUÍZA: Queria muito que Adam Driver levasse Melhor Ator, mas Phoenix é realmente favorito. Difícil, mas torço por uma surpresa.

CAROL: Minha torcida é inteirinha de Adoráveis Mulheres. E, quando não tem Adoráveis Mulheres, Parasita.

JÉSSICA: Melhor Atriz: a Renée, pois Hollywood ama cinebiografias (embora a Renée tenha atuado muito bem, na minha opinião).

CAROL: Eu acho que ela está bem também. Sempre curti muito ela como atriz.

JÉSSICA: Esse filme tem um diálogo muito maluco com o que a Renée passou em Hollywood, espero que ela vença, merece ser mais valorizada.

MIA: Estou torcendo DEMAIS pelo Adam Driver como Melhor Ator. O que ele entregou em História de um Casamento foi incrível e difícil, mas de uma delicadeza tremenda.

CAROL: Concordo 100%. Ele cantando “Being Alive” é TUDO pra mim. O Adam Driver não ter levado por Melhor Ator Coadjuvante por Infiltrado na Klan foi um erro!

MIA: Sim! Aliás, esse filme merecia tudo!

CAROL: Concordo!

JÉSSICA: Melhor Ator: insira qualquer um dos velhos de O Irlandês (desculpem, amigas, eu sou team idosos), mas como eles não estão concorrendo a essa categoria eu diria que o Adam Driver vai vencer.

CAROL: Robert DeNiro esnobado.

JÉSSICA: Confesso que fiquei surpresa! O Joe Pesci está ótimo, mas DeNiro merecia mais, acho.

MIA: Como Melhor Atriz, acho que a Renée leva. Mas não ficaria infeliz se fosse a Scarlett Johanson ou a Saoirse Ronan.

CAROL: Eu acho que ela leva também, e por mim beleza. Mas eu acho que a Saoirse Ronan é realmente uma força da natureza. Sério, tem alguém igual a ela?

ANA LUÍZA: Se a Saoirse levar, acho que vai ser mais por um compilado da carreira do que necessariamente pelo papel da Jo. Ela sem dúvida faz um trabalho impecável, mas me pergunto: quando ela não fez?

CAROL: Sim, exatamente! Ela tem um talento que é absurdamente natural. Me dá até uma pequena inveja porque imagina nascer com algo assim…

MIA: Exatamente! Mas ela entregou uma Jo incrível, me atrevo a dizer que a melhor de todas as adaptações já feitas.

ANA LUÍZA: Em termos de merecimento e significado, peso, acho que Parasita deveria ganhar. Na melhor da hipóteses, Adoráveis Mulheres e História de um Casamento em roteiro. Eu gostaria muito que Adam Drive vencesse. Em Direção, pra quem vai a aposta de vocês?

CAROL: BONG JOON HO!

JÉSSICA: Queria o Bong Joon Ho ou o Scorsese, mas vou apostar no Sam Mendes (não vou chamar o azar apostando naqueles dois lá).

ANA LUÍZA: Acho que são os que realmente tem chances reais e que eu conseguiria entender se levassem. Qualquer outro é puro puxa saquismo.

CAROL: Aliás, outra coisa que eu espero muito esse ano no Oscar é que alguém incorpore o Spike Lee e renda alguns memes bons. Porque ano passado ele estava com tudo! As melhores partes foram quando a câmera focou nele.

JÉSSICA: A cara do Spike Lee quando anunciaram Green Book, jamais me esquecerei.

CAROL: E depois ele dando entrevista para a imprensa: “sempre que alguém está dirigindo alguém parece que eu perco”.

MIA: Honestamente, Bong Joon-ho é quem eu gostaria que levasse, mas acho que vai pra o Todd Philips, aquele maldito. Porém, torço pra que a estatueta acabe nas mãos do Scorsese, que é uma escolha possível e merecedora. Depois do Bong, é pra ele quem torço, pois não é fácil conduzir um filme de três horas e meia com um ritmo bom daqueles (mas queria mesmo a Greta Gerwig, a grande esnobada do Oscar).

ANA LUÍZA: Eu acho que Bong Joon-ho pode realmente levar Melhor Direção. É mais viável do que Parasita receber Melhor Filme, embora sempre exista a chance de rolar uma surpresa.

MIA: Coringa está sendo o grande favorito em tudo, mas não posso admitir a possibilidade de Todd Phillips levar Melhor Diretor. Ainda mais num ano com Bong Joon-Ho e Scorsese.

JÉSSICA: Será? Torcendo para que isso não se concretize. Ainda vou de Sam Mendes, vai ser vergonhoso, mas nem tanto?

CAROL: Meu, ele ia ficar um nojo. Eu gostei muito do trabalho do Mendes, então sou suspeita para falar… ele seria minha segunda opção.

MIA: Ainda não vi 1917, então não sei mesmo.

JÉSSICA: Pobre do Scorsese, imagina, tu sai da tua casa confortável pra passar nervoso no Oscar, tu, um diretor de renome e que de repente começou a sentir dificuldades pra financiar os próprios filmes com atores de respeito, e daí me ganha quase plagiador?

CAROL: Eu veria isso de boa… o Marty é um velhinho muito fofo, eu adoro ele! Como pessoa! E diretor! (E olha que adoro os filmes da Marvel).

MIA: Mas, no meu coração, Greta Gerwig é a grande diretora premiada.

CAROL: Ela pegou a segunda parte do livro, que é a que todo mundo menos gosta, e transformou em algo satisfatório e cheio de metalinguagem. Realmente, é perfeito.

ANA LUÍZA: Tanto a Greta quanto o Noah não serem indicados é um absurdo. Mas acho que a Greta ainda mais porque o que ela faz em Adoráveis Mulheres é lindo. Noah trabalha coisas diferentes, mas são filmes sempre impecáveis, meio que a gente já sabe que vão ser bons. E não que História de um Casamento não seja especial (foi um filme que me destruiu), mas a Greta!

CAROL: A direção dela é perfeita, segura de si, orgânica. É simplesmente a alma do filme! O que ela consegue tirar das atrizes… até a Emma Watson, que todo mundo acha limitada, conseguiu fazer um bom papel.

MIA: História de um Casamento é um baita filme, mas o que a Greta fez em Adoráveis Mulheres é algo fora de série. Ela conseguiu fazer com que um filme que funciona à base de flashbacks e mistura ficção com realidade parecesse natural, quase sem esforço. Quando tem muito esforço, trabalho e pesquisa por trás. Ela ter sido esnobada é um dos maiores erros da Academia nas últimas décadas.

ANA LUÍZA: Não é só que ela consegue tomar decisões muito inteligentes na hora de adaptar uma história tão longa. Ela consegue transformar uma história que tem várias passagens moralistas numa coisa que faz muito sentido aqui e agora, ao mesmo tempo que poderia funcionar décadas atrás e, não tenho dúvidas, à frente. É um filme atemporal, a direção de atores é impecável, ela transforma personagens, cenas, e faz com que a narrativa da Jo faça sentido de um jeito que o livro, se for pra citar algo de ruim, falha em fazer.

MIA: E ela deu a Jo Louis Garrel, né.

ANA LUÍZA:  Não tem como falhar com Louis Garrel.

CAROL:  Vocês já viram ela falando sobre a escolha de colocar ele no papel? Adoro.

MIA: Louis Garrel, homem dos sonhos? Maybe.

ANA LUÍZA: Mas até outras coisas. Por exemplo, o fato de ele não ter gostado do conto dela não significa que ele não apoia a escrita dela. Quando eles ficam juntos, ela não abandona esse sonho e a Greta dá o peso que ele merece; o casamento pode ter surgido na vida dela, mas esse nunca foi seu objetivo principal e ela não só reconhece isso, como mantém.

MIA: Sim, e outra: esse é o final da Jo do livro, mas não da Jo da vida real. Amo aquele final ambíguo. Ela foi gênio ao fazer isso.

ANA LUÍZA: Exatamente!

CAROL: Demais. Aquela última cena dela andando e a família dela ao redor… eu chorei. É lindo.

MIA: A que me fez chorar foi ela com o livro agarrado ao peito, enquanto outras cópias eram impressas. Ela ficou sozinha, mas conseguiu ser uma escritora publicada e fazer sucesso, ainda que não tenha um professor Bhaer como companhia na vida real.

ANA LUÍZA: Ainda é Adoráveis Mulheres, você sabe que está vendo aquela história, não é outra com o mesmo nome, apenas ligeiramente baseada. É a mesma história, mas as mudanças que ela faz são tão bem feitas que ficam muito sutis, e mesmo essas mudanças que seriam mais absurdas, parecem só certas. Ela é uma diretora fantástica.

CAROL: Eu amo como ela retrata a perda da inocência e o sentimento que é crescer, deixar a adolescência para trás. Ela fez isso em Lady Bird e agora em Adoráveis Mulheres. E parece que ela amadureceu demais de um filme para o outro. Eu queria ter visto esses filmes quando era adolescente!

MIA: Esses filmes na adolescência teriam ajudado muito.

JÉSSICA: Também queria. Acho que teria me dado outras perspectivas. Que bom que as meninas que estão crescendo vão poder viver num mundo com uma diretora tão maravilhosa quanto a Greta. Lady Bird é um filme maravilhoso.

ANA LUÍZA: Ela é muito sensível nesse ponto e quão importante é termos isso, sabe? Penso nas meninas que vão assistir a esses filmes e vão se ver devidamente representadas como jovens às vezes insuportáveis, às vezes adoráveis, tudo ao mesmo tempo, com sonhos, desejos, frustrações. Isso é importante demais. Homens sempre tiveram histórias sobre homens crescendo; nós não tivemos tanto e definitivamente não com essa complexidade.

CAROL: Eu estava pensando nisso esses dias. Cresci me identificando com a jornada de vários personagens homens, mas agora que conheci o outro lado da moeda acho meio impossível voltar? Ver uma mulher bem construída nas telas é algo… imprescindível.

ANA LUÍZA: Fora o peso que isso tem pra jovens diretoras e a mensagem que passa pra meninas que querem seguir na profissão. São filmes que eu assisto e sinto que gostaria de ter feito, mas que também sinto que são muito possíveis, sabe? As entrevistas dela refletem muito isso também, foi uma mulher que chegou onde chegou muito jovem, que ainda precisa lutar pra conseguir as coisas, mas que quando consegue mostra que isso é possível. É muito incrível. E e não quero voltar, sinceramente.

CAROL: Com certeza, nem eu. Quero viver para sempre na bolha das obras feitas por mulheres e para mulheres.

JÉSSICA: Eu sinto que, se a gente cresceu apreciando essas narrativas, qual é o problema de os homens fazerem o mesmo? Parece que eles acham que ter espaço para mulheres bem desenvolvidas nas telas, nas histórias e por trás das câmeras é uma ameaça a eles. Sem tempo, irmão. Não quero mais voltar também, embora parte da minha vida tenha sido arruinada depois disso, especialmente porque gosto de uns filmes que colidem com todas essas questões sobre boas representações de que falamos.

MIA: Crescemos nos identificando com personagens homens porque essa é a narrativa dominante. Ver as irmãs March na tela é algo incrível e genuíno porque, de fato, percebemos que mulheres não precisam fazer coisas fantásticas para que suas histórias valham a pena ser contadas. O cinema feito por homens é repleto de personagens medíocres, mas que não são contestados ou desmerecidos por sua falta de conquistas. Mulheres, em geral, sempre precisaram ser extraordinárias para conquistar a honra de ter o protagonismo nas telas (ou comandando elas). Está mais do que na hora disso parar e acho que a Greta é uma grande esperança nesse quesito.

CAROL: Arruinou uma boa parte da minha vida também, também pelo motivo que você falou Jessica, mas também porque o olhar fica mais crítico e gostar de filmes que não tem mulheres bem trabalhadas se torna cada vez mais difícil. Ver uma mulher de interesse amoroso não basta mais. Ver uma mulher morrendo para impulsionar algo no protagonista masculino não dá mais, e assim vai. Antes coisas que eu nem percebia, agora é tudo que eu reparo. Ela faz isso muito bem! A própria Lady Bird.

JÉSSICA: Exatamente! Acho que até nos créditos eu comecei a reparar. A gente refina nosso olhar, assiste a mulheres dirigindo e percebe que a gente precisa parar de aceitar qualquer coisa que dizem que é representatividade. O Escândalo e Judy, de certa forma, estão aí para provar isso. Não vamos aceitar um filme sobre assédio que filme a calcinha de uma personagem por filmar, num olhar super predatório.

ANA LUÍZA: É um negócio que acontece demais, né? Não deixa de ser injusto, de certa forma, que só as mulheres tenham que abrir mão de si mesmas pra se identificar com a jornada de homens, mas ao mesmo tempo penso no que os homens perdem ao se recusar a fazer o contrário. Porque tanto uma quanto a outra, essas narrativas têm muito a oferecer. E somos humanos, todos nós; se não enxergamos as coisas da mesma forma, se não vivemos da mesma forma, talvez olhar para o outro seja justamente o que nos falta pra podermos ter uma melhor compreensão do mundo que nos cerca. Também gosto de muitos filmes que vão de encontro a isso, e priorizar narrativas de mulheres, de preferência feita por mulheres, é mais uma decisão política porque no fundo eu continuo gostando de muitos filmes de homens, sobre homens, e não acho que a gente necessariamente precise fugir disso, não é terrível se identificar com eles. Mas quando mulheres contam histórias em que as pessoas estão só ali, vivendo, que são centradas na vida de outras mulheres (ou talvez delas mesmas), isso muda tudo e é importante reconhecer isso também. Me encanta a passagem em que a Jo se questiona se alguém vai se importar com o que ela tem pra escrever e a Amy diz que talvez as pessoas simplesmente não gostam daquilo porque não leram nada parecido, porque não havia o que ler; é tão significativo e a gente percebe que é algo que continua fazendo tanto sentido mesmo tantos anos depois. Uma das coisas mais doidas de assistir Adoráveis Mulheres foi ver como algumas falas foram transferidas do papel para a tela sem mudança nenhuma, aliás, e elas continuavam aplicáveis, continuavam reais. É triste, mas é incrível também.

oscar 2020

CAROL: Eu amo essa parte que elas conversam sobre a importância de contar essas histórias focadas em mulheres porque é uma coisa que foi colocada pela Greta de forma pessoal. E me atingiu, atingiu você, e todas as mulheres que viram o filme. Esse reconhecimento de que histórias femininas importam, é algo que faltou tanto na vida das meninas no geral. Eu lembro até de crescer e as meninas que eram consideradas legais, eram aquelas que tinham amigos homens. E que tinham características “masculinas” em si. Porque tudo que é bom geralmente é associado com homens mesmo. E isso é muito triste. Mas sair com mulheres, conversar, trocar experiências e, principalmente, vê-las no cinema importa demais!

MIA: Conheci a Greta com Frances Ha e é incrível perceber como ela desenvolveu essa narrativa das mulheres comuns. Faz quase uma década que vi aquele filme e continuo me identificando com a Frances, assim como agora me identifico com a Jo e tenho um sentimento catártico ao ver as irmãs March na tela. Apesar da Greta ser conhecida no meio e de Adoráveis Mulheres ter sido indicado a algumas categorias, ela ainda não foi devidamente valorizada. E isso que ela é hétero, branca, rica e tem contatos.

CAROL: É muito importante mencionar isso também. A Greta é incrível, com certeza, mas também é privilegiada nesse aspecto. Se está difícil para ela, imagina para outras mulheres. Mulheres não-brancas, por exemplo, que nem sequer são consideradas.

ANA LUÍZA: Também a conheci com Frances Ha (ela e o Noah, aliás), que acabou se tornando um favorito. E eu acho que as personagens dela têm algo de atemporal, não só no sentido de que as pessoas vão continuar a se identificar com elas com o passar do tempo, mas porque nós, mesmo não exatamente tendo a mesma idade que elas ou vivendo as mesmas coisas, acaba conseguindo se identificar. Eu me identifico com a Jo, me identifico com a Frances e me identifico com Lady Bird (e faz pelo menos 10 anos que já não sou mais adolescente). Mas ainda resta um longo caminho pra ela ser devidamente reconhecida como cineasta. E se isso acontece com uma mulher como ela, imaginem outras, estruturalmente oprimidas.

MIA: Aliás, eu amo que tanto a Frances quanto a Jo fazem uma coisa e outra pra pagar as contas, mas não têm algo concreto e precisam ralar pra conquistar seu espaço. É tão… real.

ANA LUÍZA: É muito real.

MIA: Preciso de mais mulheres assim no cinema, mais mulheres reais.

ANA LUÍZA: Precisamos, todas.


** A arte em destaque é de autoria da editora Ana Luíza. Para ver mais, clique aqui!