Dirigido por Noah Baumbach, que também fez Frances Ha (2012) e a Lula e a Baleia (2005), História de um Casamento é um filme íntimo, sensível e pertinente sobre um casal que está passando por um processo de divórcio. Na história, a californiana e atriz Nicole (Scarlett Johansson) vai atrás de uma advogada para colocar os pingos nos is no final do seu casamento com o diretor de teatro Charlie (Adam Driver), entrando em uma discussão que é triste, profunda e de partir o coração, mas ao mesmo tempo necessária.
O filme, que foi exibido na 43ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, além de ter sua estreia marcada para 6 de dezembro na Netflix, mostra que sabe exatamente o que tem em mãos: a atuação dos atores que vivem o casal é primorosa, misturando sentimentos de cautela, tristeza e principalmente uma ternura contida, com objetivo de explorar os extremos pessoais que a situação impõe sobre eles; o roteiro também é outro grande trunfo, utilizando de discursos significativos e importantes, mas com momentos pontuais de silêncio, criando conexões aprofundadas por olhares e expressões; por fim, a direção de Baumbach também é bem-feita e atenta aos detalhes. Durante as cenas de intensa discussão, por exemplo, o cineasta evita fazer cortes, com propósito de captar exatamente as expressões tão duras que ele exige dos seus atores, pontuados por essa entrega emocional completa.
Porque o filme é tão competente no que propõe, com ocasionais momentos engraçados, é difícil não se pegar pensando em uma possível resolução entre os dois protagonistas. E é justamente por isso que o longa começa com uma declaração de amor que eles escreveram um para outro durante um exercício proposto pelo seu terapeuta. Isso não só facilita a conexão dos personagens principais com o público de forma quase imediata, como também cria contexto sobre essa transição tão dolorosa que eles estão inseridos. Afinal, o divórcio é causado por uma situação insustentável, pontuado, às vezes, não pela falta de amor, mas pela dificuldade de sustentar o relacionamento.
Em História de um Casamento, Nicole e Charlie apontam para direções opostas, mas em vez de continuarem a olhar um para o outro mesmo assim, eles escolhem não o fazer. E tudo bem, o fim de um relacionamento não necessariamente significa que tal relação deu errado. Eles passaram mais de 10 anos juntos, tiveram um filho, construíram uma carreira juntos e tinham uma vida privilegiada em Nova York. Então por que mesmo assim é tão difícil colocar a raiva, a angústia e o sentimento de que algo falhou de lado?
Esse é um dos assuntos que Baumbach explora com uma clareza intensa, impulsionado pela atuação de Johansson e Driver. O que chama atenção, no entanto, é que mesmo que o roteirista tenha criado situações onde o lado de ambos seja bem destrinchados pela narrativa, o peso em Nicole parece ser muito maior, mais dolorido e a sociedade parece esperar muito mais dela após o divórcio, incluindo o próprio ex-marido. Apesar de ser quase surpreendente a honestidade com que ele aborda o assunto, o tema ainda é uma estigma: mesmo após séculos discutindo sobre o papel da mulher no casamento, a pressão para ela entrar em um e depois o julgamento para sair, é muito maior do que para um homem. Isso ressoa até hoje, e o filme entende isso.
Atenção: esse texto contém spoilers!
Quando Nicole resolve enfim levar seu filho para morar com ela na Califórnia, onde pode contar o apoio da mãe e trabalhar no seu novo seriado, Charlie não gosta nada da decisão. Afinal, eles são uma família de Nova York. A história, no entanto, diz outra coisa. Nicole nasceu na Califórnia, eles se casaram lá, passavam férias lá e até mesmo o filho deles, Henry, nasceu por lá. Percebendo que talvez ela vá precisar lutar mais pelo direito de manter a guarda do seu filho, ela contrata Nora Fanshaw (vivida pela sempre maravilhosa Laura Dern) para ajudá-la no processo de entender o quanto ela vai precisar colocar as mãos na massa, até onde a luta se estende.
É logo no começo do filme, quando Nicole conhece Nora, que Johansson entrega um dos discursos mais importantes da obra. Naquele momento, ela se abre pela primeira vez sobre a pressão que ela sente em relação a Charlie e como sente que sua voz tem sido abafada por tempo demais. Tudo isso é contado por meio de uma sequência sem corte de cinco minutos, onde ela expõe de forma sensível as suas inseguranças sobre a mulher com quem ele transou quando ainda estavam juntos (e que, inclusive, trabalhava com eles) e a forma com que Charlie sempre deixava de lado coisas que eram importantes para ela, como sua carreira como uma possível diretora ou até mesmo sua vontade de mudar para a Califórnia.
O roteiro não apaga ou tenta justificar as ações de Charlie, pelo contrário. O filme o reconhece como um homem que é egoísta, narcisista e até mesmo um pouco manipulador. Não que ele seja uma má pessoa, ele é apenas um homem. Um homem que foi ensinado que suas necessidades sempre seriam prioridade em um casamento e, por isso, acabou negligenciando Nicole no processo. É por isso também que ele simplesmente não consegue entender como ela quer dar um fim ao relacionamento, como os sentimentos dela puderam mudar perante suas ações.
Mais para frente, é a vez de Nora chamar a atenção. A advogada, que é uma mulher competente, independente e também divorciada, está preparando Nicole para falar com o juiz. Durante o processo, a mãe fala naturalmente sobre sua relação com o filho, regada de ternura mas também de imperfeição, como na vida real. A personagem de Dern, no entanto, explica que honestidade não vai colar com a lei. Afinal, ninguém quer ouvir a verdade de uma mulher, a forma como ela lida com seus filhos ou os problemas e a solidão que a maternidade pode causar. Eles querem perfeição, querem que o instinto materno venha de um sentimento puro e irrealista.
Nora explica para Nicole que aquele processo vai com certeza ser mais dolorido para ela, mas que elas têm que contar a história delas, se unir. E se na vida real é difícil encontrar uma advogada como Nora, é um alívio ver tamanho empenho, empatia e humanidade nas telas — ainda mais em uma personagem coadjuvante, que tem um tempo bem menor de tela do que os dois protagonistas.
Todos os momentos do filme são tão íntimos, silenciosos e meticulosamente dolorosos que é impossível não achar que a obra não imprime sentimentos incrivelmente pessoais do seu criador. Ou talvez até mesmo dos atores envolvidos. A dor de estar envolvido com uma separação é algo que vai além dos seus sentimentos mais profundos de amor e ódio, mas também tem relação com paternidade e até mesmo com a forma que Nicole lida, por exemplo, com sexo. Fica claro durante o desenrolar da história que a traição de Charlie foi algo que pesou muito no momento que gerou a mutação de sentimentos de Nicole em relação ao seu casamento. Não só pela traição física, mas sim porque ela repreendeu muito essa sua parte durante a relação e, durante apenas um breve momento, ela se permite ter um ato de luxúria, algo que ela se negou durante o casamento, mas que seu parceiro não teve. É algo que parece pequeno e quase insignificante no roteiro, mas que tem seu devido valor.
Não tem como se preparar para a experiência que é História de um Casamento. A facilidade com que o filme passa do humor ao drama é perfeita e incisiva, culminando em um dos resultados mais inesperados (e sensíveis) possível: quando Charlie canta “Being Alive”, de Stephen Sondheim. Na música, ele clama por alguém para amá-lo, levá-lo para o inferno e finalmente… fazê-lo se sentir vivo. Porque, ao se encontrar sozinho depois de tudo que aconteceu, ele percebe que ficar sozinho é apenas solitário, e que ele não está vivo. “But alone is alone, not alive” [“Mas sozinho é sozinho, não vivo”], ele canta. Mas, infelizmente, não tem como voltar atrás depois de tanta angústia. Um coração partido é permanente.
O mais triste é que, mesmo durante os momentos mais difíceis, ou as discussões mais arrebatadoras, a intimidade que existe entre os dois não desaparece simplesmente. É possível ver isso durante cenas triviais, onde eles estão sentados com os advogados discutindo sobre o divórcio e vão pedir almoço. Charlie, sem saber o que comer, desiste. Na hora, Nicole já pega o folheto com as opções de comida e diz o que ele vai querer, algo que ele aceita sem hesitar. A mesma coisa acontece quando ela não deixa de o chamar de “querido” ou quando naquela última cena, ele finalmente lê o que ela escreveu sobre ele no exercício terapêutico que aparece no começo do longa. “Eu sempre vou amá-lo, por mais estranho que isso possa parecer”, diz o texto. Minutos depois, eles descem. Ela percebe que seu cadarço está desamarrado e abaixa para arrumar. O filme termina.
História de Um Casamento recebeu 6 indicações ao Oscar, nas categorias de: Melhor Filme, Melhor Ator (Adam Driver), Melhor Atriz (Scarlett Johanson), Melhor Atriz Coadjuvante (Laura Dern), Melhor Roteiro Original (Noah Baumbach) e Melhor Trilha Sonora (Randy Newman).