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Troféu Valkirias de Melhores do Ano: Cinema

Falar de cinema em 2020 é falar sobre uma ruptura dramática no mesmo sentido em que já estávamos caminhando de qualquer forma. Nos últimos anos, os serviços de streaming têm ganhado cada vez mais espaço e destaque, tanto como plataforma de conteúdo como na produção de seus próprios conteúdos, e com isso gerado discussões acerca da indústria como um todo e do tratamento que essas produções devem receber em premiações, mais especificamente. Por razões que nenhum de nós poderia prever um ano atrás, em 2020 os streamings acabaram assumindo posição de destaque como forma de entretenimento de modo geral. Além disso, esse acabou se tornando o único meio disponível para o lançamento de algumas produções que esperávamos ver em tela grande.

Há muito a ser discutido ainda sobre o impacto que essa mudança e a conjuntura de 2020 em geral tiveram na nossa forma de nos relacionarmos com as obras que consumimos, e a nossa lista de Melhores do Ano certamente não passaria incólume por essa situação toda. A seguir, apresentamos a vocês alguns filmes que chegaram a nós talvez não do jeito ideal, talvez não como gostaríamos, mas como deu, e mesmo assim nos marcaram e nos ajudaram a chegar mais ou menos inteiras a esse final de ano.

AmarElo: É tudo para ontem, Emicida

Por Paloma

AmarElo: É tudo para ontem

AmarElo: É tudo para ontem começa com uma citação que resume tudo: um itã (relato mítico da tradução iorubá) que conta que Exu matou um pássaro ontem com a pedra que atirou hoje. É a subversão simultânea da nossa ideia de temporalidade linear e da narrativa hegemônica que cria e sustenta preconceitos e estereótipos. Exu, demonizado pela cultura cristã, é um orixá do candomblé e uma das entidades representadas na umbanda, duas religiões de matriz africana que nem compactuam com a visão maniqueísta cristã de bem e mal. “É tudo para ontem” ressalta a necessidade urgente de reconhecer e reparar as injustiças históricas cometidas contra os povos e a cultura negra de uma forma direta, sem suavizações, e muito emocionante.

No documentário, que intercala fatos históricos com uma apresentação ao vivo das músicas do álbum AmarElo, o rapper Emicida dá uma grande aula de história da sociedade e da música brasileiras, resgatando vozes silenciadas e nomes esquecidos e apagados dos registros. A produção reforça a posição do rap como descendente do samba e como instrumento de resistência e manifestação política de um grupo estrutural e historicamente oprimido. Não bastasse tudo isso, AmarElo: É tudo para ontem faz questão de se comprometer e colocar sob o holofote todas as opressões estruturais que sustentam a nossa sociedade, com um compromisso digno de nota com a exaltação da brasilidade de uma perspectiva decolonial. É uma obra política, potente, didática e imprescindível para compreender a nossa história para além das narrativas coloniais e colonizadas.

Birds of Prey, Cathy Yan

Por Debora

Aves de Rapina foi um dos últimos que vi no cinema antes do início da quarentena e a experiência me marcou não apenas por isso, mas também porque me senti extremamente tocada pelo filme, a ponto de derramar lágrimas de alegria em algumas cenas. O filme mostra a emancipação fantabulosa de Arlequina (Margot Robbie) após sair de um relacionamento tóxico com o Coringa enquanto tenta encontrar seu próprio caminho e suas companheiras no — não — combate ao crime, por assim dizer. Com uma trilha sonora incrivelmente bem alinhada com a obra, um figurino condizente com suas personagens, além de esteticamente impecável, acompanhamos por cerca de duas horas o mundo alucinante, colorido, cheio de glitter e porrada de Arlequina ganhar vida na tela pelas mãos da ótima direção de Cathy Yan.

Após assistir ao filme sinto que finalmente entendi todo o fascínio e catarse que muitas pessoas relataram ao assistir Mulher-Maravilha no cinema pela primeira vez. Por si só, Aves de Rapina já constrói sua personagem de maneira cativante, com todos os elementos da trama alinhados e recheados com cenas de ação de encher os olhos, mas o gostinho de ver um filme tão incrível é ainda maior após o sabor amargo deixado por Esquadrão Suicida, especialmente quando falamos da construção de Arlequina. O longa só prova que quando se tem um olhar diversificado por trás das câmeras, e alguém que esteja disposto a realmente entender o material que se tem em mãos, sem priorizar a objetificação do corpo feminino, é possível produzir um produto com excelência.

Para saber mais: Aves de Rapina: glitter, porrada e bomba

Black is King, Beyoncé

Por Paloma

“Um filme por Beyoncé” é a única coisa que pode ser dita para explicar o nível de expectativa em torno de Black is King. A produção visual, lançada pela plataforma de streaming Disney+, veio elevar ainda mais o álbum de 2019 The Lion King: The Gift, que contém a trilha sonora produzida pela cantora (se é que ainda podemos chamar Beyoncé assim) para o remake 3D do filme O Rei Leão. O que vemos em Black is King é muito mais do que uma releitura do clássico da Disney. Black is King é um manifesto, uma história muito simbólica e profunda que ri da cara de qualquer temporalidade linear e fala de presente e passado, de ancestralidade, espiritualidade e retorno ao lar.

Black is King é diferente de qualquer outro filme contido nessa ou em qualquer outra lista, porque ele é diferente de qualquer outra obra visual já produzida. O mais próximo que temos é o magnífico Lemonade, também da própria Beyoncé. É muito claro que nenhum outro artista tem condições de se comparar à dimensão do trabalho e da obra de Beyoncé, e com esse filme ela atingiu novos níveis ao se juntar a artistas e diretores de diversos países do continente africano e buscar nesse continente as principais referências da obra. Black is King não é um filme para ser visto só uma vez. É um filme para ser contemplado por sua estética absurdamente maravilhosa, mas também destrinchado e estudado em todas as suas referências.

Emma., Autumn de Wilde

Por Yuu

Emma., de Autumm de Wilde, talvez seja uma das versões mais inusitadas para a obra clássica de Jane Austen, mas ainda assim é uma produção que capta muito bem as essências de suas protagonista bonita, inteligente e rica. Interpretada por uma impecável Anya Taylor-Joy, que capta Emma de maneira ímpar, o longa não se afasta muito de sua obra base e nos entrega um longa com um pouco mais de duas horas de duração que é um deleite do início ao fim.

Quando escreveu Emma, no início do século XIX, Jane Austen disse que ninguém além dela gostaria de sua protagonista — descrita logo no primeiro parágrafo com os já citados “bonita, inteligente e rica”, como alguém sem nenhuma preocupação na vida além de agir como cupido para as moças solteiras da região. É durante essa tarefa que Emma compreende erroneamente uma situação romântica envolvendo Mr. Knightley (Johnny Flynn), Harriet Smith (Mia Goth) e Robert Martin (Connor Swindells) e fará uma grande confusão. Com a teimosia e arrogância típicas de quem nunca passou por infortúnios na vida, Emma, bancando o ser superior enquanto mexe com as vidas de seus amigos, aprenderá da pior maneira que o amor sabe melhor.

Para saber mais: Emma Woodhouse, bonita, inteligente e rica (…); Isobel Waller-Bridge, Emma e as mulheres na frente das trilhas sonoras; Emma Approved: uma adaptação mais do que aprovada

Gretel & Hansel, Oz Perkins

Por Ana Luiza

Em sua leitura do clássico infantil João e Maria, o direto Oz Perkins (The Blackcoat’s Daughter, I Am the Pretty Thing That Lives in the House) se debruça sobre o desenvolvimento dos personagens-título, depositando, porém, maior peso sobre a trajetória de Maria (Sophia Lillis) — diferente do conto, no qual possui um desenvolvimento pequeno, como uma criança jovem demais para fazer mais do que chorar diante dos horrores perpetuados pela bruxa má.

Em uma narrativa que é mais sombria do que necessariamente assustadora, mais estranha e inquietante do que sangrenta e que cria muito mais uma atmosfera de perigo e medo constantes do que sustos, Gretel & Hansel acompanha o crescer de Maria em um mundo hostil não somente a ela, mas também ao irmão, que ao seu próprio modo precisa aprender a viver por conta própria, criando uma metáfora que une magia ao processo de se tornar adulto e, sobretudo, mulher — o que o configura como um dos melhores filmes do ano e um reforço a ótima fase vivida pelo terror, que continua mais forte do que nunca.

Para saber mais: Maria e João: o conto das bruxas

Happiest Season, Clea DuVall

Por Thay

O que pode dar errado quando sua namorada de longa data te convida para passar o Natal na casa dos pais dela? Em Happiest Season, aparentemente tudo. Quando Harper (Mackenzie Davis) convida Abby (Kristen Stewart) ela deixa de mencionar para a namorada que: a) seus pais não sabem que ela está namorando e, b) seus pais não sabem que ela namora uma mulher. Durante os cinco dias que passam na casa da família de Harper, Abby precisa “entrar novamente no armário” e fingir ser apenas uma colega de quarto (heterossexual) da namorada, o que fará do feriado um inferno para ela.

Com direção de Clea DuVall, Happiest Season estreou no serviço de streaming Hulu em novembro e bateu todos os recordes de acesso da plataforma. O filme logo se tornou uma sensação, sendo encarado desde seu anúncio como um dos filmes natalinos mais esperados de 2020. E não é para menos: a comédia dramática — também escrita por Clea DuVall — coloca o relacionamento entre duas mulheres como foco da narrativa enquanto nos entrega os melhores clichês dos filmes de Natal. Em pouco mais de uma hora e meia, Happiest Season se mostra um entretenimento na medida para as festas de final de ano com todas as loucuras da família de Harper, declarações fofas entre namoradas e tudo o que vem no pacote quando pensamos em filmes de Natal.

Para saber mais: Happiest Season: traumas familiares na “melhor época do ano”

His House, Remi Weekes

Por Natália Dias

O filme escrito e dirigido por Remi Weekes é um horror que conta a história de um casal de refugiados do Sudão do Sul que precisa se adaptar à uma nova vida na Inglaterra. O enredo tem como base o clássico tropo da casa mal-assombrada, só que com algumas mudanças fundamentais.

A primeira delas consiste no fato de que a família tem um excelente motivo para não sair da casa assombrada, já que caso eles deixem a casa o governo inglês fará com que eles voltem para o Sudão do Sul. Só esse detalhe, já torna o filme bem diferente da maioria das histórias de casa mal-assombrada, que geralmente trazem uma família rica que poderia perfeitamente sair daquela situação, mas continua pelo bem do roteiro.

A segunda é o fato de que os personagens já se encontram tão marcados pelos horrores da guerra que enfrentavam em seu país de origem, que é difícil distinguir qual opção é a pior. Afinal, não é como se os fantasmas fossem a pior coisa que essa família já enfrentou.

O longa traz um viés novo para um recurso já bem conhecido no cinema de horror, coroando tudo com uma execução impecável e a exploração de temas importantes como o racismo, a guerra e a xenofobia. Em His House nos deparamos com o fato de que a realidade tem horror suficiente para competir igualmente com o sobrenatural, algo que por si só já torna a obra mais do que recomendada.

Jojo Rabbit, Taika Waititi

Por Ana Luiza

Baseado livremente em O Céu que Nos Oprime, de Christine Leunens, Jojo Rabbit foi um dos poucos filmes a chgar nos cinemas brasileiros antes da pandemia do coronavírus, e apresenta uma história delicada e adorável sobre um período que nada tem de delicado, tampouco adorável: a Segunda Guerra Mundial. Escrito e dirigido por Taika Waititi, a jornada de Johannes Betzler (Roman Griffin Davis) ganha contornos muito diferentes daqueles propostos por sua versão literária, e é possível perceber muitas das características que tornaram o trabalho de Waititi famoso, como o uso do humor e do absurdo como ferramentas para a crítica social.

Em uma história centrada num garoto que sonha em integrar a Juventude Hitlerista e tem Adolf Hitler (interpretado pelo próprio Taika Waititi) como seu melhor amigo imaginário, muito do que consideramos absurdo hoje é por ele absorvido por ele como verdade que, mesclada por sua ingenuidade, torna muitas de suas vivências, incluindo a descoberta de Elsa (Thomasin McKenzie), a garota judia que sua minha vinha abrigando sob o teto da família em segredo, particularmente engraçadas. É somente a partir do vínculo criado com Elsa que Jojo passa a questionar a doutrina nazista, percebendo quão cruel ela poderia ser até mesmo com aqueles que a defendiam cegamente. Entrelaçada pela perda e a violência, a história de Jojo dificilmente poderia ser considerada feliz. Mas é ao olhar para seus passos de dança, mesmo depois de tanta tragédia, e seu coração e bondade se sobressaírem ao mal que o cerca e tenta dominá-lo, que Jojo Rabbit nos dá um fiapo de esperança.

Little Women, Greta Gerwig

Por Fernanda

Quando decidi, em dezembro do ano passado, reler Mulherzinhas, clássico da literatura infanto-juvenil escrito por Louisa May Alcott, me deparei com uma anotação da minha primeira (e até então única) leitura do livro: “incrivelmente tedioso, bastante moralista”. Na releitura, a impressão se manteve, embora com o passar dos anos eu tenha desenvolvido um carinho muito grande por narrativas particularmente “tediosas”, talvez por conta da vida cada vez mais corrida do século XXI. Conto isso porque embora não ignore a relevância da narrativa criada por Alcott no século XIX, não sou particularmente apaixonada pela obra. De modo que o motivo por que realmente queria assistir ao Adoráveis Mulheres de Greta Gerwig era a própria Greta Gerwig. Assistindo ao filme, no entanto, me senti na pele de Laurie, o vizinho das March que, vivendo num lar bastante frio e distante, sente um enorme e duradouro desejo de pertencer à casa e à família March; enquanto assistia ao filme numa sala de cinema (uma das minhas últimas idas a uma sala de cinema, saudades), me ocorreu que gostaria de viver dentro dele.

É uma sensação que é reforçada pelas próprias escolhas narrativas de Gerwig, que, iniciando o filme quando as March já são adultas, transforma toda a parte da infância (o livro que de fato se chama Mulherzinhas e não Boas Esposas) em memórias. Não é à toa, portanto, que diante das dificuldades de chegar à vida adulta — e de ser uma mulher adulta, e uma mulher artista —, principalmente para Jo (Saoirse Ronan), as cenas da infância ganhem tons dourados e quentes. Se as March passam dificuldades (e elas passam), não é essa a percepção que perdura conforme o tempo passa. O enorme contraste entre o primeiro e o segundo volumes da obra de Louisa se transforma em um dos grandes temas do filme, de maneira muito bem feita, e a narrativa não linear é um dos grandes trunfos dessa adaptação. É essa organização da narrativa que também abre espaço para a escolha mais ousada de Greta, que é ao mesmo tempo melancólica e recompensadora dentro do contexto do filme: seu final, que explora de maneira perspicaz e inesperada os traços autobiográficos do livro de Alcott, as demandas do mercado editorial, e as demandas nas narrativas pessoais das mulheres.

Para saber mais: Como Greta Gerwig reinventou Amy e Meg March

Lovebirds, Michael Showalter

Por Tati Alves

Comédia estrelada por Issa Rae e Kumail Nanjiani, Um Crime para Dois conta a história de um casal que está em crise e acabam se envolvendo em um crime, precisando solucioná-lo para não serem acusados.

A comédia romântica, lançada pela Netflix após ser adiada por causa da pandemia, tem um toque de clichê de filme da Sessão da Tarde, que não é muita novidade para muitos, mas é o que faz muitos dos filmes desse gênero serem os melhores filmes. A atuação e a química entre Issa e Kumail é o que faz esse filme ser um dos meus favoritos desse ano; diferente do usual mocinho e mocinha que se apaixonam pelo outro ao longo da trama, os protagonistas tiveram que aprender a se “desapaixonar” e viver aquele momento em que os casais precisam concordar que é o fim. São os detalhes de cada cena, quando eles descobrem e redescobrem algo sobre o outro no meio do caos de estarem presos em uma teoria da conspiração, que nos prende para ver o que vai acontecer a seguir.

Modo Avião, César Rodrigues

Por Karina

Que os cinéfilos me perdoem por trazer Modo Avião para uma lista de melhores do ano, mas não tenho como ignorar que o filme da Netflix estrelado por Larissa Manoela foi o que mais me divertiu em 2020. E certamente não fui a única: Modo Avião foi o filme de língua não-inglesa mais visto na Netflix, com quase 28 milhões de espectadores no mundo nas primeiras quatro semanas depois do lançamento. A produção conta a história de Ana (Larissa Manoela), uma jovem influenciadora digital que trabalha com uma renomada marca de moda e passa o tempo todo no celular, compartilhando a vida com sua horda de seguidores. Depois que o namorado, outro influenciador, termina o namoro com ela por uma manobra da chefe da tal marca renomada — chefe essa que é a grande vilã do filme —, Ana bate o carro e vai parar no hospital. Como “castigo”, os pais a enviam para a casa do avô no interior, em uma casa no meio do nada, sem celular e sem internet. A partir daí, acompanhamos o detox digital de Ana, que vai se acostumando a viver de uma maneira mais “simples” e desconectada enquanto constrói um relacionamento com o avô, se apaixona por um local e percebe que a chefe só se importa com a grana que ela gera para a empresa (oh!).

Sim, você já viu tudo isso antes. Modo Avião é uma perfeita comédia romântica absolutamente básica. Mas, trazida para muito mais perto, para uma cidade interiorana tipicamente brasileira. A cena em que Ana vai para uma festa de interior me transportou diretamente para as festas do padroeiro da minha própria cidade pequena do interior, que eram o grande evento do ano. O fato de que João (André Luiz Frambach) se interessa pela garota nova instantaneamente me lembrou de como qualquer pessoa desconhecida se mudando para a cidade era motivo de frisson, pois nada mais emocionante do que um rosto novo da sua idade em um lugar minúsculo. Não vá esperando uma grande obra que provoca discussões complexas sobre o uso excessivo de telas e da internet. Nem um filme que rompe com os padrões e traz coisas novas. Vá esperando um bom filminho bobo, com acontecimentos inverossímeis e frases absurdas, que pode te fazer abstrair 100% por uma hora e quarenta minutos — algo que é um verdadeiro presente em semanas terríveis. E que, é claro, oferece ainda o desfrute de apresentar Erasmo Carlos como o avô interiorano e soturno que se aproxima cada vez mais da neta excessivamente urbana e acelerada.

Natalie Wood: What Remains Behind, Laurent Bouzerau

Por Ana Luiza

Nascida Natalia Nikolaevna Zackarenko, Natalie Wood iniciou sua carreira ainda na infância, no ano de 1943, em uma pequena participação que foi suficiente para lhe abrir as portas para uma carreira de sucesso — carreira esta que só terminaria com sua morte precoce, aos 43 anos. Natalie Wood: What Remains Behind, no entanto, não se ocupa tão profundamente da carreira da atriz (embora, naturalmente, a pincele), preferindo projetar o foco narrativo sobre a parte de sua vida que foi vivida longe dos holofotes, ao lado da família e dos amigos mais próximos.

Organizados de maneira mais ou menos cronológica, os relatos sobre a vida de Natalie são mediados por sua filha mais velha, Natasha, que faz um belo passeio por diferentes estágios da vida da mãe, compartilhando anedotas e memórias junto aos entrevistados. Somadas, as lembranças criam o retrato de uma mulher muito distante da aparente perfeição projetada pela mídia (às quais se encaixava com notório esforço e a muito custo), mas não por isso menos feliz. Se é inevitável pensar que tipo de futuro lhe aguardava como uma atriz mais madura, é certo que há muito sobre a vida de Natalie Wood a ser celebrado. What Remains Behind é, portanto, um lindo e sensível tributo, guiado pelas pessoas que a conheceram e foram tão amados por ela quanto a amaram de volta.

Never Rarely Sometimes Always, Eliza Hittman

Por Ana C. Vieira

Eliza Hittman chega, com Never Rarely Sometimes Always, em um novo patamar. Sensível, coeso e memorável, o filme possui uma premissa batida: a de uma adolescente que, em face de uma gravidez indesejada (dentre outras coisas), sai em busca de realizar um procedimento seguro de aborto. Autumn (Sidney Flanigan), contudo, se vê impedida de realizar o procedimento sem consentimento parental, razão pela qual viaja para Nova York na companhia de Skylar (Talia Ryder), onde o aborto é realizado em adolescentes.

Never Rarely Sometimes Always navega entre desconfortos rotineiros, resignação e abusos silenciosos, enquanto os costura com pequenos alívios que a vida oferece — em forma de trocas pessoais ou em momentos onde o mundo entra em pausa, nem que seja pelo tempo de uma música. Um dos ganhadores do Festival Sundance de 2020, o filme conta com ótimas atuações, uma trilha sonora que não fica pra trás, e uma direção que mostra, com maestria, toda a beleza que existe no mundano.

On The Rocks, Sofia Coppola

Por Carol Alves

Outro filme que foi negligenciado pela falta de cinemas e acabou indo direto para as plataformas de streaming foi On the Rocks, o novo da Sofia Coppola. O longa, que também foi escrito por ela, abandona um pouco o estilo que ela tinha adotado com suas últimas produções (como em O Estranho que Amamos) e volta muito para a fórmula que fez com que se tornasse aclamada ainda no começo da sua carreira.

Aqui, Bill Murray e Rashida Jones vivem pai e filha. Quando Laura (Jones) começa a desconfiar que seu marido está traindo-a, Felix (Murray) faz de tudo para que ela possa descobrir, levando os dois a terem que enfrentar alguns aspectos do seu passado. A razão que esse filme funciona tão bem se dá pela química dos dois atores principais, pela dinâmica complicada que nasce entre eles e, principalmente, por causa da complexidade com que Coppola aborda as relações humanas, ainda de forma bem simples e concisa.

Palm Springs, Max Barbakow

Por Carol Alves

Com a pandemia do coronavírus e, consequentemente, os cinemas fechando, deixei de ver muitos filmes. Meu costume sempre foi ver longas no cinema e séries em casa, fazendo com que assim criasse um hábito equilibrado de nunca excluir um ou outro. Por isso, esse ano vi muitos menos filmes do que gostaria de ter visto e, sempre que baixava, acabei optando por coisas mais leves e divertidas. Comecei Palm Springs esperando ver algo assim e, no final, me surpreendi muito com a obra, uma espécie de comédia romântica misturada com ficção científica e comédia.

A história coloca Andy Samberg e Cristin Milioti em uma espécie de looping temporal, sendo que, cada vez que eles morrem, voltam para o início do casamento da irmã da protagonista. Ao mesmo tempo que eles têm que descobrir como interromper o looping, também têm que entrar em contato com os problemas de suas vidas e o que eles podem fazer para melhorá-la. O casal de protagonistas têm química de sobra e o filme não tem medo de abraçar a premissa com ideias loucas e bizarras, mas que funcionam perfeitamente dentro do seu contexto.

Shirley, Josephine Decker

Por Carol Alves

Além de fazer Cece em O Homem Invisível, Elisabeth Moss também atuou no longa Shirley, onde viveu a autora Shirley Jackson (1916-1965). Considerada um dos maiores nomes do terror, durante sua vida escreveu livros como A Assombração na Casa da Colina e Sempre Vivemos no Castelo, além do conto “A Loteria”. Considerada um gênio, Shirley sofreu com na vida que tinha com seu marido (um intelectual) e lutou a todo momento contra depressão e doenças mentais, algo que o filme tenta explorar — e consegue fazer isso muito bem.

Como em O Homem Invisível, a atuação de Elisabeth Moss ainda é o ponto alto da obra, sendo que ela entrega uma personagem complexa e ao mesmo tempo maravilhosa, acompanhando o clima introspectivo do longa, que procura fazer um estudo de personagens.

Summerland, Jessica Swale

Por Ana Luiza

Quando o jovem Frank (Lucas Bond) chega ao interior da Inglaterra, ele espera ser recebido por alguém que se disponibilize a criá-lo enquanto seus pais se dedicam aos esforços Aliados na Segunda Guerra Mundial. Mas o que ele acaba encontrando é uma jovem e rabugenta escritora reclusa, que dificilmente teria se disponibilizado a cuidar de uma criança refugiada, fosse ela quem fosse. Alice Lamb (Gemma Arterton), a jovem em questão, não esconde seu desprazer com a companhia de Frank, mas à medida que se conhecem, ela também é levada a se livrar de suas amarras, relembrando bons momentos de seu passado, quando era ainda mais jovem do que naquele momento, e se aventurava ao lado de Vera (Gugu Mbatha-Raw), o grande amor da sua vida.

Desnecessário dizer que Frank não vai embora tão rápido — muito pelo contrário. É Alice, no entanto, a grande protagonista do filme, e suas experiências enquanto mulher lésbica na primeira metade do século XX são o grande ponto de ancoragem do filme. A busca por Summerland, o lugar místico que dá nome ao filme, funciona como uma metáfora para a busca do ser humano por felicidade, amor e aceitação, coisas que Alice acredita não estar ao seu alcance. É somente ao lado de Frank que ela consegue se sentir digna de afeto e amor, e aprende, do jeito mais bonito e adorável possível, que o amor sempre encontra o caminho de volta ao lugar a que pertence.

The Broken Hearts Gallery, Natalie Krinsky

Por Julie

Desde que li um texto da Vox sobre comédias românticas, sempre lembro da Constance Grady dizendo que a gente pode sentir o amor que o filme tem pelo gênero e seus personagens quando o assiste. Foi essa a sensação que tive com A Galeria dos Corações Partidos. Com roteiro e direção da estreante Natalie Krinsky, o longa conta a história de Lucy (Geraldine Viswanathan), ex-assistente de uma galeria de arte, que acaba de ser demitida de seu trabalho dos sonhos e de terminar o namoro com Max (Utkarsh Ambudkar) após descobrir que eles não eram exclusivos com ela imaginava.

Lidar com o término, para Lucy, é especialmente complicado, já que ela coleciona itens de todos os seus antigos relacionamentos. Como uma forma de aprender a deixar essas relações para trás, ela decide organizar a galeria dos corações partidos, onde pessoas como ela podem deixar objetos que são como souvenirs de seus antigos amores. É a partir dessa premissa que A Galeria dos Corações Partidos reúne o melhor das comédias românticas: meet-cutes divertidos, karaokê com música do Elton John, grandes declarações de amor e várias cenas do olhar™, dominado com maestria por Dacre Montgomery no papel de Nick. Prepare-se para amar não só o casal principal, mas os personagens secundários, que também são cativantes e tornam o filme ainda melhor.

The Half of It, Alice Wu

Por Tati Alves

O lançamento de Você Nem Imagina gerou mais discussão e polêmica do que se era esperado. Com um enredo que deixa claro que o filme não é sobre amor romântico, a produção explora o amor e suas facetas enquanto acompanhamos Ellie Chu (Leah Lewis) enviando cartas para a garota que ela gosta em nome de outra pessoa.

O filme discute sobre o amor romântico versus o amor platônico e também sobre amatonormatividade de uma forma tão delicada e pessoal que sentimos todas as dores, dúvidas e sentimentos dos três personagens. Mesmo com toda a polêmica e a falta de conhecimento das pessoas sobre essas pautas que circulam a comunidade assexual e arromântica, Você Nem Imagina é, com uma delicadeza e atenção que é 100% graças a Alice Wu, um pedacinho de representatividade para quem não se sente visto nos amores românticos, nos sentimentos definidos e na certeza do que sente ou não sente.

Para saber mais: Você Nem Imagina: a busca pela alma gêmea e as diferentes formas de amar

The Invisible Man, Leigh Whannell

Por Carol Alves

O último filme que vi no cinema antes da loucura de 2020, O Homem Invisível é uma adaptação de um clássico, dessa vez estrelado por Elisabeth Moss. Mas se na versão de 1933 a história era voltada para o lado cômico, aqui é completamente diferente. Dirigido por Leigh Whannell, o longa conta a história de Cece (Moss) que escapa da casa do seu namorado abusivo só para mais tarde ser perseguida por ele, um cientista que criou uma espécie de roupa invisível.

Sem ter ninguém ao seu lado que acredite no que está acontecendo, ela é taxada como louca e imprevisível, muito como várias mulheres que sofrem violência doméstica. O longa é tenso, profundo e difícil de assistir, criando não só um ótimo remake, mas também um clássico instantâneo. A atuação de Moss é incrível e dá continuidade a sua carreira de fazer mulheres complexas, o que nos leva ao próximo tópico.

Para saber mais: O Homem Invisível: um filme alegórico e tenso sobre abuso

The Old Guard, Gina Prince-Bythewood

Por Thay

Eu não preciso de muitos motivos para assistir a um filme além de ver o nome de Charlize Theron estampado no pôster, mas The Old Guard não é apenas mais um longa incrível protagonizado pela vencedora do Oscar de Melhor Atriz por Monster em 2004. The Old Guard, baseado nos quadrinhos de mesmo nome escritos por Greg Rucka e ilustrados por Leandro Fernández, conta a história de um grupo de guerreiros imortais (e mercenários) que precisa recrutar uma nova integrante enquanto tenta manter em segredo o mistério a respeito de sua longevidade que está na mira de uma farmacêutica. O filme, dirigido por Gina Prince-Bythewood e com produção da própria Charlize Theron, é um sopro bem-vindo de novidade em um mercado já saturado de super-heróis.

A trama não procura ser intricada e repleta de reviravoltas, sendo capaz de prender a atenção do telespectador sem muito esforço enquanto alterna cenas de lutas bem coreografas com momentos mais introspectivos com os membros do grupo. Andy (Theron), é a típica líder silenciosa, forte e com um passado que prefere não mencionar, enquanto o restante dos mercenários — composto por Booker (Matthias Schoenaerts), Joe (Marwan Kenzari) e Nicky (Luca Marinelli) — têm papéis bem definidos na dinâmica entre eles; Joe e Nicky, inclusive, ainda possuem o fator shipp que me fez amá-los ainda mais. A adição de Niles (KiKi Layne) no decorrer da trama deixa o longa ainda mais interessante e divertido de acompanhar.

The Trial of the Chicago 7, Aaron Sorkin

Por Fernanda

Os 7 de Chicago pode ser apenas o segundo longa sob direção de Aaron Sorkin, mas sua carreira como roteirista de cinema e televisão é longa, e conquistou tanto quem ame quanto quem deteste seu estilo cheio de maneirismos. De maneira geral, apesar de entender quem não gosta, fico no primeiro grupo, e recebi com alegria a notícia de que seu novo filme chegaria direto à Netflix. Seus muitos diálogos rápidos e sua tendência de colocar na boca de seus personagens discursos bastante grandiloquentes funcionam particularmente bem aqui. Em Os 7 de Chicago, Sorkin revisita o caso de oito homens, pertencentes a diferentes grupos, que organizaram ou participaram de protestos durante a Convenção Democrata em Chicago no ano de 1968 e foram levados a julgamento alguns meses depois, acusados de conspiração e de incitar tumultos depois que as manifestações foram recebidas com violência pelas forças policiais e acabaram em confrontos destrutivos.

Julgados em conjunto, os oito homens tinham objetivos diferentes para sua participação nos protestos, e empregavam táticas bastante diferentes também, embora todos tivessem um objeto comum: a oposição à guerra do Vietnã. O filme, que se passa majoritariamente dentro do ambiente do tribunal mas vai e volta no tempo para apresentar o planejamento dos protestos e as próprias manifestações, se detém bastante sobre as divisões internas desse grupo heterogêneo; ao mesmo tempo, insiste que aquilo que os unia era muito maior e mais importante, o que também demanda o reconhecimento, por parte dos diferentes membros desse grupo acidental, de que estão do mesmo lado e que o inimigo (muito real) é outro. Esse é apenas um dos paralelos óbvios que o filme estabelece com os tempos que estamos vivendo, e embora o longa trate de um recorte de realidade que é muito estadunidense, existem linhas de conexão importantes para nós também, já que o filme aborda diretamente temas como violência policial, racismo e péssimo uso do poder judiciário.