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Pelo o que estamos lutando: o significado de família em Agents of Shield

Desde a sua primeira temporada, Agents of Shield sofreu com o estigma de ser uma série presente no mesmo universo dos filmes da Marvel. A maioria das pessoas que começaram a obra na época tinham como principal objetivo explorar um pouco mais sobre aquele mundo dos heróis e com alguma sorte presenciar cameos de personagens famosos. E, durante um breve período de tempo, foi exatamente isso que aconteceu. Maria Hill (Cobie Smulders) e até mesmo Nick Fury (Samuel L. Jackson) deram as caras no começo da produção, ao passo que a linha do tempo seguia mais ou menos as consequências dos longas (os eventos de Capitão América: Guerra Civil são fundamentais na trama, por exemplo). Por determinado período, e dentro dessas limitações, Agents of Shield foi uma boa série. Mas foi só quando os produtores decidiram abandonar suas conexões com o cinema que ela se tornou excelente. 

Durante seus sete anos, Agents of Shield teve o que toda produção televisiva deveria ter: personagens carismáticos que ditavam a narrativa, deixando o plot se desenvolver a partir deles e não o contrário. Justamente por esse motivo, as tramas ficavam sempre mais interessantes de acompanhar: você se importava com os protagonistas e tudo parecia mais importante e definitivo, os medos eram reais e também as consequências. Mas além de uma obra que se tornou incrível e deixou seus personagens amadureceram com o tempo, ela também foi quase pioneira. Se você viu realidade paralela, viagem no tempo, Kree, inumanos ou qualquer outra coisa no universo da Marvel dos cinemas, pode contar com o fato de que isso apareceu antes em Agents of Shield.

De todos os braços da Hydra, dos inumanos e Afterlife, de planetas distantes com duas luas, do Framework e até mesmo o futuro distópico com Krees e, por fim, Izel, Agents of Shield se transformou ano após ano e entregou narrativas que eram atrativas, interessantes e humanas. Nem tudo era perfeito, como a maioria das coisas que vêm de uma emissora norte-americana não são. E mesmo tendo mantido a qualidade e superado as limitações de ser um seriado inserido em um universo tão grande quanto o da Marvel, Agents of Shield criou uma sétima temporada que não quis apresentar um novo conceito, ou subverter expectativas, mas apenas levar os protagonistas em uma aventura final, criando conexões e dando oportunidade para que eles pudessem explorar o amor que existia entre eles. O resultado final é uma temporada extremamente divertida, ousada e emocionante, que explora temas específicos como sacrifício, o encerramento de um ciclo e o significado de família. Tudo aquilo pelo o que eles lutam. Pelo o que nós lutamos.

Atenção: este texto contém spoilers

Para contar essa história, os agentes são mandados para 1930, com objetivo de parar os vilões chamados de Cronichons, cujo o único propósito é dominar a Terra — já que eles não têm mais um lugar para chamar de lar e desejam transformar o planeta em algo parecido. Para fazer os saltos temporais, eles contam com a ajuda de Jemma (Elizabeth Henstridge) e Enoch (Joel Stoffer), que aparecem no final da sexta temporada em circunstâncias misteriosas. Fitz (Ian Caestecker), por exemplo, está desaparecido. Jemma parece não lembrar onde está seu marido, apenas que ele é responsável por coordenar os saltos de acordo com o cronograma dos próprios Cronichons, que visitam tempos específicos da humanidade que foram cruciais para a história da Shield, tentando destruí-los, já que em todos as simulações que eles saem perdedores é por causa do time de Mack (Henry Simmons). Essa narrativa específica abriu muitas portas para a série, inclusive o fato de que a produção poderia agora visitar narrativas, personagens e cenários que foram importantes para sua história ao longo de sete anos. E é exatamente o que acontece.

Agents of Shield

Na década de 1930, eles dão de cara com um jovem Gideon Malick (Powers Boothe), uma das figuras proeminentes da Hydra. Naquela época, no entanto, ele ainda não estava envolvido com a organização — não de forma direta — e era apenas a sombra do vilão que viria a se tornar mais tarde. Mas para garantir o futuro da Shield, que foi criada para combater a Hydra, eles têm que manter Malick no seu caminho original, protegendo-o dos Cronichons e ao mesmo tempo garantir o surgimento da organização e, consequentemente, da Shield. Quando eles conseguem, pulam para 1955, na Área 51, que também é uma base da própria Shield. É lá que eles conhecem Daniel Sousa (Enver Gjokaj), personagem que foi tirado diretamente da série spin-off Agent Carter, cancelada (injustamente) após sua segunda temporada.

Trazer Sousa para a narrativa de Agents of Shield foi uma decisão que poderia ter dado muito errado. Nunca cheguei a amar o personagem em Agent Carter, mas ele cumpria bem o seu papel na narrativa que estava inserido. Mas aqui ele não apenas se encaixa, mas parece pertencer. Sousa é uma pessoa leal, corajosa e disposto a se sacrificar para fazer sempre a coisa certa. Ele é como todos os protagonistas da série e parecer entender o custo de dar a vida por uma causa. Logo nos primeiros episódios, Agents of Shield deixa claro quais vão ser as dinâmicas importantes para a temporada e partir da primeira interação entre Daisy (Chloe Bennet) e Sousa fica claro que os dois terão um papel importante, promovendo-o de apenas um cameo para um personagem com um arco que vale a pena acompanhar.

No episódio intitulado de “Out of the Past”, Coulson (Clark Gregg) narra, no estilo noir com fotografia preta e branca, os eventos que levariam à morte de Sousa, quando ele se sacrificaria para entregar um objeto até Howard Stark (Dominic Cooper) e, depois, seria assassinado. Talvez seja o fato de que a equipe já passou por muitas perdas, ou só porque Sousa parece alguém muito importante (e valioso) para ser morto, mesmo que isso esteja marcado na história, mas eles resolvem fingir sua morte e levá-lo para viajar no Zephyr, criando um paradoxo temporal. Em cada uma dessas pequenas mudanças que fazem na linha temporal original, eles criam uma nova realidade. Uma realidade onde Sousa não morreu, por exemplo, e se torna um viajante no tempo. Uma realidade onde eles descobrem, mais tarde, que o irmão de Gideon, Nathaniel (Joel Courtney), não foi sacrificado, mas se tornou ambicioso de formas diferentes. Assim, a narrativa do vilão se conecta diretamente com a de Daisy, Sousa e o resto da temporada.

Disposto a colocar Hydra e seu irmão para trás, Nathaniel sequestra Daisy e Sousa (esse último achando que ele também é um inumano) em “Adapt or Die”, com o propósito de roubar o poder de ambos. Esse capítulo é fundamental porque dita duas tramas importantes: o relacionamento de Daisy com Sousa e o papel de Nathaniel no final do jogo, bem como sua aliança com os Cronichons.

Pessoas que estão perdidas. Pessoas que mostram promessa. 

Quando Agents of Shield estreou, Daisy Johnson não era a mesma mulher. Para começar, ela nem sequer tinha o mesmo nome. Sem saber do seu passado ou sobre sua família, ela se chamava Skye e morava em uma van, passando a maior parte do seu tempo usando suas habilidades como hacker para tentar melhorar um pouco a vida, agarrar oportunidades. É assim que ela encontra Phil Coulson e sua equipe na Shield, sendo que aos poucos eles se tornam uma espécie de família para ela. Skye descobre o significado de conforto entre eles, além do de confiança, e mais frente conhece sua mãe e aprende que seu nome é, na verdade, Daisy. Assim como também descobre que o sangue que corre em sua veias é inumano. Depois, quando ela passa pelo processo doloroso de ativar os seus poderes, tem que aprender a lidar com os mesmos, com as limitações que isso aplica em seu corpo e como isso afeta as pessoas que estão ao seu redor. Não é um processo fácil, nem de longe. Ela se torna Quake, sofre, luta e tem mais perdas do que todos os heróis da Marvel juntos. Daisy, no entanto, não é considerada a heroína mais humana do universo em que está inserida (e de outros também, se estou sendo honesta) por causa do que passa, pela dor ou pela provação, mas sim devido a forma como lida com isso, sempre se permitindo tomar tempo e sofrer por aquilo que perdeu (ou no caso de sua mãe, pelo o que nunca foi). Daisy encontra força na vulnerabilidade e ao se apoiar na família que ela fez no time de Coulson — e principalmente com o próprio —, encontra uma forma de seguir em frente. E é o que ela faz, de novo. E de novo. E de novo.

Agents of Shield

Assim como a maioria das personagens femininas de Agents of Shield, sua jornada é bem trabalhada e com o tempo é possível perceber e analisar o quanto seu amor e sua lealdade por aquelas pessoas cresce, evolui e se torna algo concreto, grandioso, um dos seus combustíveis. É por isso, inclusive, que seu arco na sétima temporada é basicamente sobre família, sobre o seu amor por aquele grupo improvável de pessoas, mas também sobre aprender a achar sua individualidade, um novo caminho. Como sempre, sua trajetória está inteiramente ligada a de Coulson, mas também a de Mack e a de Sousa.

Apesar da maioria das temporadas da série serem praticamente excelentes (mesmo com um total de 22 episódios para entregar), o sexto ano pareceu um pouco fora da curva neste aspecto. Não que tudo tenha sido um desperdício, mas o fato de um homem com a mesma aparência de Coulson ter surgido de uma realidade paralela foi um pouco estranho. É claro que o propósito para isso era permitir que a equipe pudesse sentir a sua morte, explorar o seu luto em relação a perda, mas o efeito não foi exatamente o esperado e tudo parecia meio fora de lugar. Na sétima temporada, no entanto, eles deram uma alternativa melhor para que Coulson pudesse ser uma presença onipresente na série. Para que eles pudessem ser ajudados na sua missão no passado, o ex-diretor da Shield foi transformado em uma espécie de inteligência artificial com consciência. Ao contrário da pessoa da sexta temporada que tinha a aparência de Coulson mas não sua personalidade, dessa vez ele tinha todos os sentimentos (e memórias) embutidos em si. O que deu abertura para que os personagens finalmente pudessem conversar e chegar na essência de seus lutos de forma profunda e especial. Mas como Coulson agora é um ser que possui lembranças, vivências e emoções, ele também tem que entender o que sente em relação a sua morte e às perdas que vieram como consequência, fazendo com que a trama também se torne sobre autoconhecimento.

Daisy e Coulson têm uma relação importante porque ele foi a primeira pessoa a estender a mão para ela, dar oportunidade para que se tornasse parte de algo. Ao longo da série, os dois criaram uma dinâmica como de pai e filha, e a perda de Coulson afetou Daisy mais do que o resto do time. Como você segue em frente após perder a única figura paterna da sua vida? No episódio “As I Have Always Been”, que é centrado em ambos (e em um pouco da relação entre Daniel e Daisy), os personagens vão parar em vórtice que cria um looping temporal. As duas únicas pessoas que parecem perceber o que está acontecendo é Coulson, por ser um IA, e a própria Daisy. Assim, eles têm que achar uma solução rápida para o problema, ao mesmo tempo que lidam com os sentimentos acumulados e as coisas não ditas. Como a maioria dos capítulos que têm uma trama parecida, o roteiro aqui é divertido e esperto, mas são os pequenos momentos que contam. A direção de Elizabeth Henstridge mostra que a decisão de deixar com que atores passem a conduzir episódios de suas próprias séries é uma ótima ideia porque, afinal, quem conhece tão bem aqueles personagens quanto a pessoa que representa um deles? Essa mistura cria algo que é único, sensível e está completamente embutido na essência de Agents of Shield.

Agents of Shield

A ironia de estarem presos em um looping temporal e Coulson ter que assistir seus amigos morrerem mais de uma vez não é algo que passa despercebido ao mesmo. O fato de que sua trajetória dentro do MCU é marcada por suas mortes (antes, em Vingadores, depois na própria série) é algo que afeta completamente a dinâmica entre os personagens, mas ele nem sequer percebe que as coisas são sempre mais difíceis para quem fica. Ao ver sua família morrer naquele laço, ele finalmente percebe o quanto deve ter sido complicado para as pessoas ao seu redor lidarem com as suas perdas. “É uma maldita metáfora”, ele fala. O fato de que ele finalmente entende isso serve para reforçar ainda mais a conexão que já existe entre ele e Daisy, sendo que a compreensão que existe ali é bem vinda e muito necessária para que eles possam seguir em frente.

Compreensão, de certa forma, também é a palavra certa para entender o novo relacionamento entre Daisy e Sousa. Durante o looping, ele desempenha um papel fundamental na hora de ajudá-la, se oferecendo como apoio e como alguém que está disposto a lidar com as consequências. “Eu conheço seu tipo. Algumas das minhas pessoas favoritas são pessoas como você: focados no bem maior mesmo que seja às próprias custas. Você quer que as pessoas pensem que gosta de ficar sozinha, mesmo que sempre acabe voltando para seus amigos”. Porque ele entende que Daisy não é uma criatura solitária e que ela necessita desse apoio, nasce o sentimento entre eles. O que é inicialmente baseado em confiança e compreensão, e que mais para frente se desenvolve para algo mais.

No final do episódio, quando eles descobrem que Enoch é o único que pode salvar o time, mesmo que para isso ele tenha que se sacrificar, não é por acaso que Daisy e Coulson é quem ficam do seu lado até o final. Na cena em questão, Enoch fala sobre a solidão da morte e como as pessoas que trilhar seus próprios caminhos no final. O discurso é pertinente porque ele também avisa que, no final, a equipe não vai mais ficar junta e cada um seguirá o seu caminho. Isso é algo especialmente difícil para Daisy porque, assim como apontado pelo texto, ela considera aquelas pessoas sua família. A única família que ela teve e amou na vida, que foram receptivos o suficiente para deixá-la ser quem ela é.

“As pessoas chegam, então celebramos. E quando elas partem, ficamos de luto. Nós fazemos o que podemos no tempo intermediário, mas o ciclo está sempre lá.” 

Nos episódios seguintes, é completamente visível a frustração de Daisy com o que Enoch disse. Ela explana diversas vezes que não sabe quem ela é sem eles, algo que Mack, assumindo o papel de irmão mais velho, diz que está errado. “Você sabe muito bem quem você é”. Quando ela conhece sua irmã de sangue, que morreu na linha do tempo original, mas não nessa, após se aliar com Nathaniel, Daisy negligencia esse relacionamento com o objetivo de salvar Jemma, sua irmã de verdade. É lógico que isso faz total sentido dentro do escopo geral, mas o que ela entende depois é que uma coisa não necessariamente impede a outra. Existe espaço para que se tenha mais de uma relação importante na sua vida e que, talvez, sua recém achada irmã seja uma forma de concertar o que ela não teve com sua mãe. Tudo bem se ela não quisesse ter essa oportunidade, mas com Daisy sempre ficou claro que era importante criar essas conexões e cultivá-las.

Agents of Shield

No final, Daisy Johnson aparece no espaço. Ela comanda sua própria equipe, tem seu próprio avião e faz isso ao lado da sua irmã de sangue e do seu namorado, cujo relacionamento quebrou literalmente barreiras do tempo e espaço. Uma vez por ano, ela encontra seus antigos colegas de trabalho, sua família. Ao contrário de Skye, que morava em uma van e vivia uma existência solitária, Daisy é uma mulher completa. Ela é forte, tem amigos, família, um trabalho que ama e encontrou o amor romântico, algo que ela sempre deixou claro querer. E ela tem tudo isso ao mesmo tempo. O final dela é importante por vários motivos, mas principalmente porque pela primeira vez em muito tempo, a protagonista “forte” (e uma com descendência chinesa) pôde carregar esse título sem abrir mão de outros aspectos da sua vida. Estou tão acostumada a ver personagens femininas sendo cada vez mais isoladas após passarem por eventos traumáticos, sendo privadas de explorar seus sentimentos e entendê-los, ou buscar ajuda de outros, que ver Daisy tão completa deixa uma sensação que poucas vezes consegui ter visto em uma série de TV.

Na última interação entre Daisy e Coulson, ela diz para ele: “Existem pessoas lá fora que estão perdidas, que mostram promessa. Se você não achá-las, quem vai?”. É um bom lembrete de que, uma vez, Coulson viu promessa nela e ajudou-a para que pudesse atingir todo o seu potencial. Que resgatou Sousa, mesmo arriscando danificar uma linha temporal, simplesmente porque achou que sua história não merecia acabar daquele jeito, que ele merecia uma segunda chance. Mas, principalmente, é uma lembrete de que famílias são feitas por pessoas que depositam fé uma na outra. Coulson teve fé em Daisy, e agora Daisy tem fé em Sousa. E assim o ciclo continua e se fecha.

O final de Coulson, com ele visitando o mundo e explorando novas oportunidades deixa várias pontas abertas para o seu futuro. Mas, principalmente, deixa a possibilidade de que talvez ele vá achar pessoas que estão perdidas e mostram promessa.

A Fantástica e Excelente Aventura de Mack e D

A decisão de colocar Mack e Deke (Jeff Ward) como uma das dinâmicas mais importantes da temporada foi praticamente uma preciosidade. Mack é uma pessoa altruísta e responsável, algo que sempre refletiu na forma como ele toma suas escolhas de diretor. Já Deke é o completo oposto em todos os sentidos. O neto de Jemma e Fitz é irresponsável, egoísta e narcisista, sem medir muitos esforços para conseguir o que quer. “The Totally Excellent Adventures of Mack and D”, que sela esse relacionamento, é um episódio que só poderia ter acontecido em uma série com muitos anos de vida, com personagens e histórias bem estabelecidas, como é caso de “The Constant”, de Lost.

Na trama, Mack está sofrendo pela morte dos pais — que são transformados em Cronichons — e ao sair do Zephyr para tomar um tempo para seu luto, acaba ficando preso em 1980 com Deke. Sem o resto do grupo com eles, os dois têm que arranjar uma forma de lidar com seus problemas juntos, algo que Mack deixa de lado completamente. Ignorando Deke, ele passa grande parte do seu tempo trancado dentro de casa remoendo suas feridas enquanto o outro literalmente cria uma banda com singles como “Don’t You Forget About Me”, originalmente do Simple Minds na linha do tempo original, e cria uma nova vertente da Shield, que ele mesmo comanda.

É um episódio é importante porque leva os dois personagens para os lugares em que eles têm que estar no final da narrativa, além de fazer com que eles criem uma conexão genuína de amizade entre si, uma vez que Deke não desiste de Mack e passa o episódio inteiro tentando convencê-lo a viver.

Assim como Daisy, Mack é um dos personagens que mais sofre durante a trajetória de Shield. Ele perde a filha, quem reencontra na história do Framework na quarta temporada, apenas para ter de se despedir dela outra vez. As responsabilidades de se tornar diretor são sempre absorvidas com culpa e remorso por sua parte e sua existência é moldada por meio desses acontecimentos, por meio do seu senso de responsabilidade que tem com as pessoas com quem trabalha. Mas Mack também ama e seu relacionamento com Yo-Yo (Natalia Cordova-Buckley) é um dos melhores desenvolvidos em Agents of Shield, além do fato de que ele tem o respeito e o carinho de absolutamente todos os seus companheiros de equipe. O que, de forma consciente ou não, acaba tirando um pouco do peso de seus ombros. Frequentemente me pego pensando que Mack é um ótimo personagem. Não porque ele teve que passar por vários eventos traumáticos, mas porque, ainda assim, se tornou alguém decente e bom, e também porque ganha a cortesia da narrativa de poder explorar seus sentimentos. Era muito fácil o roteiro deixar com que ele acumulasse toda essa frustração e empurrasse tudo para o fundo, sem conseguir acessar seus sentimentos. Mas não é isso que acontece, e esse episódio prova justamente esse ponto. Ele entra em luto profundo, arrasado pela vida de seus pais, mas ele coloca as coisas em perspectiva e, com a ajuda de Deke, consegue uma forma de seguir em frente. Mack é um líder, amigo e uma figura fundamental dentro da Shield. Ele também é um homem negro que, dentro da sua série, foi permitido não só mostrar vulnerabilidade mas também crescer com ela e se tornar alguém melhor.

Na década de 1980, Deke também parece achar seu melhor lado. Seu relacionamento com Fitz e Simmons sempre foi pivotal para seu desenvolvimento na série (e algo muito divertido de acompanhar), mas ver ele ter que se virar sozinho, criar um grupo de agentes e não desistir de Mack é algo muito satisfatório. Ver ele passar de um homem que só se importa com sua própria sobrevivência para alguém que “não desiste dos amigos” é algo genuíno, uma vez que ele convive com, muito provavelmente, as pessoas que mais entendem sobre sacrifício e família. E isso é tão contagiante que acabou ficando na sua personalidade também. É por isso que, no episódio final, quando eles estão se preparando para voltar para a linha do tempo original, Deke se voluntaria para ficar para trás e arrumar a bagunça deixada por eles. Mesmo após carregar uma tocha gigante por Daisy nas últimas temporadas, ele não hesita em deixá-la ir após ver que ela criou algo com Sousa, e que isso importa. Esse é um final digno e verdadeiro para um personagem que, mais de uma vez, pareceu ficar de fora, como se não pertencesse àquele lugar.

Como contraponto direto de Mack, Deke sempre foi uma espécie de alívio cômico — papel que sempre cumpriu razoável bem. Mas um alívio cômico bom geralmente não fica apenas na superfície (Hurley de Lost, outra vez, é um bom exemplo disso) e Agents of Shield entendeu isso muito bem antes de enviá-lo em sua última aventura, dessa vez nos anos 1980, uma realidade alternativa, onde ele é um rockstar a líder da Shield.

A.k.a the Cavalry 

Melinda May, vulgo The Cavalry. A personagem de Ming-Na Wen é uma das favoritas dos fãs da Marvel e não é difícil entender o porquê. May é uma força da natureza e, ao contrário de muitos dos personagens em Shield, ela não sente a necessidade de entrar em contato com seus sentimentos ou ser vulnerável. Ao invés disso, ela sempre conservou suas frustrações e as usou como combustível para chutar a maior quantidade de bundas que conseguia encontrar. Cada cena de luta em que estava envolvida era absolutamente um prazer de assistir e, durante cinco temporadas, o público acompanhou seu relacionamento com Coulson crescer, evoluir e se tornar algo mais. Quando eles estavam preparados para dar o próximo passo, no entanto, ele sucumbiu ao seu destino e acabou morrendo. Só para May, na sexta temporada, ter que lidar com um homem com a exata mesma aparência, mas que não tinha nenhuma memória da mesma.

Quando, no final da sexta temporada, ela é ferida por Izel e curada por Enoch no Zephyr, May acorda um pouco diferente. O fato de que ela sempre evitou abraçar seus sentimentos ou o dos outros era irrelevante agora porque, depois da sua experiência no templo no final do ano anterior, ela tinha recebido o dom de, ao tocar em qualquer pessoa, perceber exatamente o que estavam sentindo. Algo que, no começo, não é exatamente bem recebido por ela.

Sua jornada na sétima temporada está diretamente ligada a de Yo-Yo, que também sofreu no templo e acabou perdendo seus poderes. Mas não apenas por isso: ao contrário de May, Yo-Yo é uma pessoa expressiva, verbal e aberta. A amizade entre elas, já antes pré-estabelecida, cresce à medida que elas são colocadas juntas para trabalhar com as questões que perturbam suas mentes. As duas personagens crescem muito na presença uma da outra. Sempre gostei da forma como Agents of Shield construiu a amizade feminina dentro da série: não forçando situações como Guerra Infinita e Ultimato fizeram nos cinemas, mas sim criando uma admiração e respeito mútuo entre elas, ainda que existisse de forma silenciosa. É possível ver isso na dinâmica entre Jemma e Daisy, na de May e Daisy e até mesmo na de Yo-Yo e May.

Enquanto Yo-Yo ajuda May a encontrar uma forma de lidar com novos seus poderes, ajudando-a a canalizar sua empatia para fazer mudanças positivas no mundo, May faz o processo inverso e faz com que Yo-Yo consiga retomar seus poderes de dentro para fora, acessando seus traumas e vencendo. Algo que só poderia acontecer com base em uma relação construída com confiança e lealdade.

Com Coulson, a dinâmica é mais ou menos a mesma. Entre eles, May sempre foi aquela que adotava uma postura mais dura e séria, fazia o trabalho pesado, enquanto Coulson usava sua personalidade extremamente empática para liderar. Na sétima temporada, isso está um pouco diferente. Com a nova identidade IA de Phil, ele passa a ter outras funções dentro do grupo e o poder de May dá a ela a capacidade de entender melhor as pessoas. Mas, ao invés das mudanças separá-los, como acontece na maioria dos casos, eles conseguem achar um meio termo para fazer com que as coisas deem certo. No momento final entre os dois, May diz para Coulson aparecer nas suas aulas na Coulson Academy, compartilhar algumas experiências. Para qual o ele apenas responde: “Talvez você me veja”. E naquele momento, realmente acreditamos nisso.

Uma última vez, com sentimento

Se Daisy é a heroína do universo Marvel, Fitzsimmons é o casal. E não existe discussão nesse aspecto. Os dois, que são a parte científica da equipe, começam inseguros e tímidos na série, só para mais tarde se tornarem duas peças completamente essenciais não só para a história em si, mas também na estrutura da equipe como uma família. A trajetória deles, no entanto, não é sem suas próprias dificuldades. Os dois foram separados mais do que qualquer outro casal na ficção, antes mesmo de sequer se tornarem um casal. Na terceira, Jemma foi mandada para um planeta solitário por um monólito, onde se apaixonou por um homem que estava isolado com ela. Na quarta, Fitz virou chefe da Hydra no Framework e na quinta, depois de passar mais de 100 anos congelado no espaço para resgatar Jemma e os seus amigos no futuro, quando eles se acharam e finalmente se casaram, ele acabou morrendo. Na sexta, a jornada de Jemma é a procura de Fitz durante o tempo que estava preso no espaço. A sétima não quebra nenhum padrão quando se trata de separar os dois e quando a história começa, Jemma não tem nem ideia de onde Fitz possa estar.

A única coisa que ela sabe é que ele é responsável por coordenar os saltos temporais de acordo com os Cronichons e que não tem absolutamente nenhuma ideia de onde ele está. Grande parte da história aqui é baseada na ausência de Fitz e ao contrário de outras séries que estão sem um dos seus protagonistas na temporada final, sua falta é sentida a cada passo da narrativa. Não estou absolutamente ciente do porquê o personagem ter ficado de fora de tantos episódios, mas pelo menos tudo isso foi feito de forma eficiente. Os fãs foram avisados e, apesar dele não estar presente de forma física, sua presença em função para o desenrolar da trama era tão fundamental quanto o de cada um dos personagens ali.

Na medida em que a história vai se desenrolando, o público descobre que Jemma tem um implante na sua cabeça que a impede de lembrar onde Fitz está e o motivo por que eles estão separados. Quando, por um momento, ela se lembra o que aconteceu em “As I Have Always Been”, parece completamente desolada com as suas escolhas.

No centro de toda a trama que tenta explorar o significado de família estão Jemma e Fitz. Não poderia ser diferente neste aspecto, nem que os roteiristas tentassem. E é um alívio perceber que eles não tentam nem por um segundo tirar todo o peso que existe no relacionamento deles, na história que criaram juntos. Fitz só retorna definitivamente (pois antes já havia aparecido em flashbacks) no último episódio da série, “What We’re Fighting For”. Aqui, é mostrado como ele fica em um ponto fixo na linha do tempo original, enquanto os agentes vão para o passado. Como ele usa o reino quântico para fazer com que eles sigam os seus inimigos. Mas o mais importante é o fato de que ele tem que lembrar Jemma do que aconteceu no tempo que ficaram presos em um sistema estelar chamada Alya.

Presos em um ponto específico de tempo, enquanto seus amigos ainda estavam no templo de Izel, Fitz e Jemma criaram uma vida; uma vida que eles sabiam que não poderia durar para sempre, mas que ofereceu, pelo menos durante algum tempo, a paz e a tranquilidade que eles queriam para finalmente ser um casal. Ser uma unidade sem medo de ser separada pelas circunstâncias mais uma vez. Apesar deles terem a consciência de que eventualmente eles teriam que achar uma solução para parar os Cronichon, o fato de que eles foram permitidos criar uma pequena família é algo que está embutido na essência da série e principalmente os pontos que ela queria encerrar.

O episódio final inteiro é baseado profundamente no conceito de família. Daisy e Coulson, Mack e Yo-Yo, Coulson e May. Eles lutam um pelos outros e pela relação que construíram ao longo dos anos. Com Jemma e Fitz não é diferente, apenas mais profundo e, talvez, maduro. Durante o tempo que eles estiveram presos nas estrelas, tiveram uma filha juntos (Alya, obviamente) e, no final, essa foi a motivação final para Jemma lembrar do que aconteceu naquela época. E, claro, a razão pelo qual Fitz ficou para trás: proteger a filha de ambos. É uma escolha real e importante. Algo que justificou sua ausência e fez com tudo fosse satisfatório.

Mesmo que eles tenham sido separados pela maior parte da trama, Fitz e Simmons deram um jeito de se reencontrar e eles fariam isso mais uma vez. Se agora não só pelo bem deles mesmos, mas do da própria filha.

FitzSimmons sempre representou, de certa forma, o casal de showrunners Jed Whedon e Maurissa Tancharoen. E talvez seja por isso o relacionamento seja tão bem construído no final: com verdade e emoção em cada passo, criando uma dinâmica que é entre duas pessoas iguais em todos os aspectos, que são melhores por terem uma a outra. Em 2015, os dois criadores também tiveram sua absolução e conceberam uma filha. Muito como Alya, ela nasceu como um pequeno milagre, depois das circunstâncias apontarem cada vez mais na direção contrária. Analisando a história dos dois dentro da série e o contexto no qual ela foi criada, parece mais do que justo de que o final dado a eles foi o mais feliz possível: ambos aposentados, aproveitando a oportunidade de criar sua filha. Alya, uma redenção que nasceu depois de superar literalmente barreiras do espaço e do tempo.

Um ano depois de conseguirem se livrar dos Cronichon, os protagonistas se encontram em um bar aleatório para colocar a conversa em dia. É uma das cenas mais interessantes da finale porque não é um show de explosões e ação, apenas personagens que acompanhamos por sete anos sentados e conversando. Tudo parece natural, simples e fácil. Dá para ver que existe saudade entre eles, uma pontada de dor porque eles não estão mais juntos, mas também existe amor e a confiança mútua de quem superou o apocalipse e o fim do mundo mais de uma vez.

Agents of Shield, assim como séries famosas como Buffy e Angel, se tornaram algo melhor porque souberam tratar de assuntos sérios e complexos sem se levar a sério demais, sempre respeitando os personagens e seguindo caminhos orgânicos para a narrativa. Essa é uma fórmula certeira que todos tentam emular, de certa forma, mas poucos realmente conseguem concretizar. É difícil dizer adeus para personagens que parecem ainda ter muito a dizer, ou muitas aventuras não exploradas, mas assim como Enoch apontou no final do episódio 9, “o ciclo está sempre lá”. Apesar de ter começado apenas como um procedural despretensioso e divertido sobre o universo expandido da Marvel, em algum momento da sua jornada, Agents of Shield incorporou uma mensagem que vai muito além disso e estava constantemente desafiando sua própria essência. “O que podemos fazer para melhorar? Como podemos seguir em frente?” eram questionamentos presentes em cada pequeno momento dos episódios, sendo que conversas e conexões genuínas saíram disso. A trajetória nem sempre subverteu expectativas, criou um novo conceito para a ficção científica no geral ou sequer reformulou os filmes do estúdio de um jeito significativo, mas uma coisa fica clara: os longas da Marvel com certeza podem tirar uma página ou outra do livro de Agents of Shield na hora de criar personagens atemporais, empáticos e humanos.

“Pode ser mais difícil ficar, do que partir.”