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Melhores do Ano: Cinema

Em Best. Movie. Year. Ever: How 1999 Blew Up the Big Screen, Brian Raftery argumenta que 1999 foi um dos melhores e mais importantes anos para o cinema contemporâneo. Naquele ano, a indústria cinematográfica, em particular a estadunidense, foi capaz de ultrapassar seus próprios limites, entregando obras ricas não apenas em qualidade narrativa, mas também técnica e conceitual. 

2023 pode não ter sido um ano tão significativo quanto 1999 ou, em termos históricos, 1974 e 1939, mas foi um ano, de muitas formas, surpreendente, que renovou o espírito e a magia do cinema, e que nos fez acreditar de novo que a arte pode ser reconhecida mesmo em grandes premiações comerciais como o Oscar. Este foi o ano de refletirmos mais uma vez sobre a bomba atômica, uma história que merece ser lembrada por todas as gerações, embora os olhares lançados sobre ela nem sempre sejam aqueles que merecem maior destaque. Foi o ano em que choramos com a beleza das relações entre pais e filhas, berramos com mulheres enlouquecidas pelos próprios sonhos, apreciamos o crescer de jovens garotas. Sobretudo, nos conectamos com quem sempre fomos, dançamos, choramos e nos emocionamos ao aprender com a Barbie que não existe problema em ser uma mulher comum — tudo isso, claro, vestidas com a nossa melhor roupa rosa.

Que o nosso Troféu de Melhores do Ano: Cinema seja um reflexo desse ano tão especial e feche com chave de ouro mais uma edição tão bonita dessa premiação. Que venha 2024!

Aftersun, Charlotte Wells

Por Amanda Guimarães

A memória é um tema recorrente no coming-of-age. Logo, é comum encontrar personagens que olham para o passado em busca de respostas acerca do seu presente. O tal evento transformador que, durante a juventude fez com que eles deixassem a infância/adolescência para entrar na vida adulta. Assim, as histórias que se valem deste estilo de cinema são bastante simples e, em alguma medida, dependem do investimento emocional de quem assiste para funcionarem como mais do que recortes banais. Aftersun (Aftersun, 2022), a estreia de Charlotte Wells na direção, não foge à regra.

Entretanto, poucas vezes um filme disse tão rápido e de modo tão efetivo a que veio. Na primeira sequência do longa, assistimos a uma filmagem caseira na qual Sophie (Frankie Corio) pergunta ao seu pai, Calum (Paul Mescal), o que ele queria ser quando tinha a sua idade. Ele, jovem demais para ter uma filha de 12 anos, se desvia da resposta. E a partir disso nós sabemos tudo o que precisamos a respeito da história que estamos prestes a acompanhar.

O granulado da imagem denuncia que Aftersun se passa nos anos 1990. Embora o resgate dessa época esteja em alta, Charlotte Wells não usa este recorte por alguma espécie de preciosismo. Na verdade, a escolha serve para marcar um período no qual alguns acessos eram facilitados, mas o tédio ainda era tangível. A geração que cresceu nesse contexto passou numerosos verões em frente à TV assistindo à programação vespertina e, ainda assim, sentiu que não tinha nada para fazer. Logo, os anos 1990 servem perfeitamente como uma ilustração das férias de Sophie e Calum: dias iguais que se repetem sistematicamente e nunca são interrompidos por eventos grandiosos. Portanto, muito do que percebemos sobre a relação dos dois e sobre o seu estado psicológico está na falta de movimento. Este é um filme que acontece no vazio e nas longas horas. Naqueles momentos nos quais observar é a única possibilidade. Isso torna Aftersun um título que é também sobre tudo aquilo que permanece mesmo que não seja possível entender imediatamente o motivo. É sobre ver sem absorver e, ainda assim, receber os impactos de tudo o que o outro tenta esconder. Logo, o vídeo caseiro é uma metáfora bastante óbvia para a memória. A textura das imagens prejudica a nitidez e os fragmentos sobrepostos impossibilitam a montagem de uma narrativa com começo, meio e fim. Dessa forma, os registros perdem a sua característica de documento e são apenas lembranças. Uma coleção de episódios depositados no interior de Sophie que só vão ser compreendidos na vida adulta.

Para saber mais: O tempo da mulher é outro? Por que histórias de amadurecimento de meninas têm protagonistas tão jovens?

Assassinos da Lua das Flores, Martin Scorsese

Por Isabella Tamaki

O mais recente filme de Martin Scorsese é baseado na história real dos assassinatos de membros do povo indígena Osage, nos Estados Unidos, durante a década de 1920. O longa traz elementos do Western, mas desconstrói todas as camadas de heroísmo do homem branco, mostrando o lado ganancioso e mais cruel dos “americanos”. Assassinos da Lua das Flores conta com atuações irretocáveis de Robert De Niro, Leonardo DiCaprio e Lily Gladstone e nos faz pensar sobre quem tem o controle das narrativas e sobre quem tem suas histórias contadas. Cada minuto da longuíssima duração (3h26) é justificado e mostra porque Martin Scorsese é um dos maiores nomes do cinema.

A Primeira Morte de Joana, Cristiane Oliveira

Por Ana Luíza

Segundo longa-metragem da cineasta gaúcha Cristiane Oliveira, A Primeira Morte de Joana narra o amadurecimento de Joana (Letícia Kacperski), uma jovem de 13 anos que acaba de perder a tia-avó. A primeira experiência de luto ocorre concomitantemente a ruptura de Joana com a infância, que se dissipa à medida que esta percebe o mundo, as mulheres que a cercam — a mãe, a avó e mesmo a falecida tia-avó — e a dinâmica que estas  mantêm entre si de forma mais complexa. O que passaria despercebido ao olhar de uma criança passa a ser motivo de interesse para Joana, e de certo desconforto para a mãe e para a avó que, muitas vezes não sabem o que dizer, como dizer. A jovem, contudo, não é movida por uma curiosidade vazia: ao se questionar, por exemplo, o porquê da tia-avó nunca ter tido um namorado, há um interesse genuíno por parte de Joana que deseja conhecer melhor a tia-avó, sim, mas que, nesse processo, também conhece mais sobre si mesma.

Embora não se limite ao universo juvenil, abordando temas como preconceito religioso e etarismo, são as percepções de Joana que norteiam a narrativa, e é na sua descoberta, sobretudo aquelas feitas ao lado de sua melhor amiga, Carolina (Isabela Bressane), que o filme brilha com maior intensidade. Como em A Mulher do Pai, seu longa anterior, Cristiane Oliveira lança um olhar que é, ao mesmo tempo, terno e realista sobre a realidade adolescente, e com o relacionamento das jovens consegue encapsular as experiências de muitas mulheres que se descobriram lésbicas ou bissexuais no início da adolescência, junto de suas melhores amigas. Joana e Carolina não deixam de sofrer com as garras do preconceito; o ano é 2007, e em um filme que respira o interior do Brasil — para o bem e para o mal —, essa questão não poderia ser deixada de lado. Entretanto, há mais esperança do que tristeza. A Primeira Morte de Joana é um filme poesia, uma história de formação delicada que nos lembra que um dia também fomos jovens.

Barbie, Greta Gerwig

Por Thay

É incontestável: 2023 foi o ano das mulheres. Tanto no cinema, quanto na música (é só lembrar das turnês bem-sucedidas de Taylor Swift e Beyoncé, apenas para começar), o ano ficará marcado pelas produções e olhares femininos, e Barbie, sem dúvidas, é um dos nomes fortes nesse contexto. Com uma ideia que teria tudo para dar errado nas mãos de outras pessoas, Barbie vai muito além da boneca das nossas infâncias e constrói uma narrativa que alia uma fábula feminista a tons de cor-de-rosa de se perder de vista. Dirigido por Greta Gerwig e com roteiro escrito por ela em parceria com Noah Baumbach, no longa acompanhamos a jornada de Barbie, interpretada por Margot Robbie, mais do que perfeito no papel, e sua jornada de descobertas após começar a questionar a sua existência e a da Barbieland.

Com um roteiro afiado que tanto presta homenagens à boneca mais famosa do mundo, quanto critica papéis de gênero e satiriza o famigerado estado de patriarcado em que vivemos, Barbie é uma espirituosa aventura capaz de cativar meninas e mulheres de todas as idades. Ainda que o filme não seja, de fato, para audiências tão jovens, é impossível não se divertir e emocionar com a trajetória de Barbie em busca de si mesma, compreendendo seu lugar no mundo e a importância de poder ser o que quiser.

Beau Tem Medo, Ari Aster

Por Ana Azevedo

Se você assistiu Beau Tem Medo ou amou ou odiou. Em todo caso, você muito provavelmente abriu o YouTube para pesquisar “Beau Tem Medo Explicado” depois de terminar a comédia/drama/terror. O terceiro grande filme de Ari Aster não foi um sucesso de audiência, mas o diretor e roteirista já esperava por isso. As três horas de Beau Tem Medo, estrelado por Joaquin Phoenix, é um grande pesadelo misturado com viagem alucinógena, mommy issues, e um orçamento quase que milagroso para um filme tão experimental. Ari Aster é velho colaborador da A24, produtora famosa por financiar filmes fora da curva. Mas, mesmo o diretor de Midsommar e Hereditário disse que ficou surpreso quando recebeu o valor do orçamento de Beau Tem Medo. Uma coisa é certa: é impossível esquecer esse filme, e às vezes esse fosse o objetivo do diretor. Ou não, quem sabe o que se passa pela cabeça de Ari Aster.

Bottoms, Emma Seligman

Por Anna Carolina

A experiência de assistir Passivonas se torna mais divertida quando se percebe que o filme é, ao mesmo tempo, sátira e homenagem aos filmes de comédia besteirol dos EUA que, no entanto, tem um protagonismo diferente do usual. Enquanto na maior parte dos filmes do gênero existe uma linha narrativa romântica entre um casal composto por um homem e uma mulher, o longa dirigido por Emma Seligman acompanha Josie (Ayo Edebiri) e PJ (Rachel Sennott), duas amigas lésbicas pouco populares no ensino médio que, por conta de um mal entendido, criam um clube da luta apenas para meninas onde podem se aproximar das garotas populares por quem se interessam romanticamente. O elenco convence nos momentos dramáticos e românticos e diverte nas cenas de comédia exageradas típicas do estilo e trazem um ar de novidade ao gênero bastante popular nos anos 2000 e que, finalmente, se renova com a direção feminina, representatividade e representações mais diversas.

Para saber mais: Bottoms (Passivonas): um filme que sabe rir de si mesmo

Five Nights at Freddy’s, Emma Tammi

Por Ana Luíza

Baseado livremente no jogo de Scott Cawthon (também responsável por parte do roteiro da adaptação), Five Nights At Freddy’s é inegavelmente um filme de terror; mas um filme de terror mais estranho do que propriamente assustador, mais divertido do que efetivamente sombrio. Emma Tammi, diretora do longa, faz um excelente trabalho ao subverter o que poderia ser um slasher convencional, utilizando elementos tradicionais do subgênero de forma mais sugerida do que mostrada — escolha que poderia se justificar pela manutenção de uma proximidade com o material de origem, que tampouco traz o sangue e a violência como pontos centrais, mas que, ao mesmo tempo, consegue ir além e construir algo novo.

É interessante observar como o próprio slasher não se encontra, necessariamente, conectado a esses elementos — a presença de um serial killer, nesse ínterim, é bem mais relevante — e Five Nights At Freddy’s não hesita em utilizar esse ponto a seu favor, em um belo exemplo de como introduzir o público infantojuvenil ao cinema de gênero.

Guardiões da Galáxia Vol. 3, James Gunn

Por Debora

Guardiões da Galáxia sempre foi sobre família e amizade; entrar no cinema em 2023 para assistir um filme de super herói e não sair com uma sensação de estafa foi difícil, mas Guardiões da Galáxia Vol. 3 conseguiu quebrar esse sentimento, justamente nos fazendo sentir mais do que nunca.

Já com uma cena de abertura que nos quebra ao meio, os flashbacks do filme são feitos sob medida para nos deixar pendurados na cadeira do cinema aos prantos. Ao amarrar as pontas soltas da história de Rocket (Bradley Cooper), James Gunn nos presenteou com uma ode ao que significa ser humano e construir um lar ao lado daqueles que te amam e apoiam. Um capítulo final mais do que digno para a trilogia que, particularmente, considero a melhor do MCU até hoje.

Para saber mais: Guardiões da Galáxia Vol. 3: é realmente bom ter amigos

Homem-Aranha Através do Aranhaverso, Joaquim Dos Santos, Justin K. Thompson e Kemp Powers

Por Anna Carolina

O trio de diretores Joaquim dos Santos, Justin K. Thompson e Kemp Powers encabeçam a intrincada execução da sequência de Homem-Aranha no Aranhaverso após a aclamação da crítica e o reconhecimento de diversas premiações em relação à qualidade técnica da história de origem de Miles Morales como Homem-Aranha. O carisma do jovem herói negro de origem latina, junto à ainda mais inovações na animação tornam o ato de assistir Homem-Aranha: Através do Aranhaverso uma experiência cinematográfica encantadoramente sensorial. As características do filme anterior da franquia se mantêm e se aperfeiçoam: além de abraçar a diversidade e várias pautas ligadas inclusive à vivência diversa dos personagens, a história contada não subestima seus espectadores e não se escora apenas na uso excelente dos múltiplos efeitos em 2D e 3D à disposição do time de animadores: a narrativa, pelo contrário, usa recursos de outras áreas do audiovisual para tornar a nova aventura do Homem Aranha e todos os outros personagens ainda mais complexa, profunda e próxima aos espectadores.

Para saber mais: Homem-Aranha no Aranhaverso: a vez de Miles Morales

Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes, Francis Lawrence

Por Debora

Quando o livro A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes foi lançado, lá em 2020, não me interessei. Apesar da premissa de contar a história da juventude do vilão de Jogos Vorazes, Coriolanus Snow (Tom Blyth), ser interessante, não pensei que a execução pudesse ser boa. Com as imagens de divulgação e teasers da adaptação para as grandes telas, no entanto, fui cativada a assistir. Fazia muito tempo que não saia do cinema completamente embasbacada, arrepiada e com a certeza que havia acabado de ver uma obra-prima moderna.

Com uma sequência de eventos que não deixa o telespectador respirar e envolve em um canto hipnótico cheio de personagens cativantes, cruéis, vítimas do sistema em que vivem ou que tentam sobreviver da forma que podem, o longa entrega uma trama a altura da trilogia original. Conhecer Snow a fundo e sua trajetória, ser apresentada a força viva que é Lucy Gray (Rachel Zegler) e encaixar peça por peça de como os Jogos eram em seu início e como se transformaram no que conhecemos quando Katniss (Jennifer Lawrence) adentra a Arena é desconfortável, mas também fascinante. Desconfortável porque, mais uma vez, vemos fragmentos (mais do que gostaríamos de admitir) do nosso mundo refletidos na ficção e a certeza que desde que conhecemos Jogos Vorazes pouco avançamos em direção a uma sociedade menos parecida com Panem. Em resumo, Suzanne Collins nunca decepciona em entregar uma mensagem forte, complexa e repleta de nuances cinzentas.

Leia mais: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes: uma adaptação digna da saga Jogos Vorazes; A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes: a história antes de Jogos Vorazes

Loucas em Apuros, Adele Lim

Por Amanda Karolyne

Esse ano Adam Levine (Pitch Perfect), declarou em uma entrevista que os filmes da Marvel estragaram o gênero de comédia. E ele não está errado, porque com o boom de franquias de heróis, as comédias foram esquecidas. Mas em 2023, algumas estreias de comédia foram aclamadas pelo público, ainda que essa volta do gênero esteja engatinhando. Joy Ride ou como ficou o título em português, Loucas Em Apuros, é uma comédia brilhante. Com elenco e produção em peso tendo representatividade asiáticas, o filme conta a história de Audrey, interpretada por Ashley Park, que vai para a Ásia, em busca da mãe biológica.

Na viagem, a acompanham, Lolo (Sherry Cola), Deadeye (Sabrina Wu), e Kat, interpretada pela magnífica Stephanie Hsu. O elenco tem um carisma e tempo cômico fenomenal, e o roteiro nos leva a chorar de tanto rir e em questão de minutos, estar chorando de emoção com alguma cena tocante. A produção também faz questão de nos levar a essa incrível jornada pela Ásia, ao captar um pouco da essência e tradição de cada lugar em que as amigas passam. Esse filme nos faz ter esperança de que as comédias no cinema ainda não estão perdidas.

Nimona, Troy Quane e Nick Bruno

Por Anna Carolina

A adaptação para as telas dos quadrinhos de ND Stevenson quase deixou de existir quando a Disney cancelou a produção ao fechar um de seus estúdios de animação. Salva pela Netflix junto ao estúdio Annapurna, Nimona é uma aventura com momentos divertidos que acontecem em um reino de fantasia e leva à reflexão sobre a nossa sociedade e como ela lida com as vivências LGBT+, sobretudo as experiências trans. Um filme com desdobramentos bastante pesados, mas muito sensível, usufruindo dos recursos da animação para trazer uma alegoria colorida e dolorida da vida real.

Leia mais: A humanidade e a monstruosidade em Nimona; Nimona: uma anti-heroína de língua afiada

No Hard Feelings, Gene Stupnitsky

Por Bruna Scheifler

Que Horas Eu Te Pego? gerou grande expectativa ao trazer Jennifer Lawrence no papel principal de uma comédia besteirol, gênero que sofre uma crise de identidade, tentando se adaptar aos novos padrões aceitos pela sociedade. A premissa causa estranheza, já que se trata de uma mulher adulta, Maddie, que é contratada pelos pais de um adolescente de 19 anos para namorar e tirar a virgindade do filho. O absurdo da situação se soma ao constrangimento e aos atos desesperados de Maddie para cumprir sua missão, gerando diversos momentos positivos e engraçados.

Pearl, Ti West

Por Amanda Guimarães

Ainda que Pearl (Pearl, 2022) seja uma prequel do slasher X – A Marca da Morte (X, 2021), quem assistiu esperando algo similar com certeza foi surpreendido pela mudança de rumo. Retornando ao ano de 1917, o diretor Ti West se afasta das referências ao horror setentista e direciona o seu olhar para os clássicos em technicolor. Afinal, ele pretende contar uma história que é, antes de tudo, sobre sonhos e aprisionamento, quase um La La Land – Cantando Estações (La La Land, 2016) do cinema de gênero. Assim, nós somos reapresentados a Pearl (Mia Goth) e não a vemos mais como uma idosa sedenta por sangue e sexo, mas como uma jovem condenada a viver em uma fazenda mesmo querendo muito mais do que cuidar de animais.

Perdida em seus sonhos de estrelato, que na verdade funcionam mais como escapismo do que um desejo real, Pearl passa os seus dias esperando uma oportunidade para mostrar o seu brilho aos demais… E quando ela recebe essa oportunidade, primeiro na forma do projecionista e depois na forma do teste de elenco, entra em cena a perversão. Não em um sentido sexual, algo que seria óbvio quando consideramos a sua versão mais velha, mas sim em um sentido de transgressão do convencional. Pearl quer ser uma estrela para ser vista e adorada. Para escapar de um destino servil. Desse modo, quando o casamento não lhe proporciona essa fuga, o comportamento perverso é potencializado até culminar no banho de sangue que assistimos no último ato do filme. Apesar disso, ao ouvirmos o brilhante monólogo da personagem próximo do final, é impossível não entender as suas razões em alguma medida.

É interessante citar que Pearl foi escrito por Ti West e Mia Goth como uma forma de fazer com que a atriz entendesse mais a respeito da sua personagem em X. E é impossível não notar os impactos positivos deste estudo. Fazer com que um filme dependa tanto de uma atuação pode ser um erro, mas a entrega de Goth é tamanha que é seguro dizer que Pearl só é o que é pelo seu talento. Em especial, pela sua capacidade de desaparecer completamente dentro das personas às quais dá vida.

Para saber mais: Pearl, um filme de horror para os tolos que sonham 

The Fabelmans, Steven Spielberg

Por Beatriz Romanello

Não é preciso de muito para entender e reconhecer a importância de Steven Spielberg no cinema. Seus filmes marcaram gerações de expectadores, foram marcos nas carreiras de atores e atrizes e inspirações para diretores que vieram depois dele. Já conhecemos o diretor que “chegou lá”, mas e o homem que se apaixonou pelo cinema? Ou melhor: o menino que se encantou com ver o mundo através do visor da câmera. The Fabelmans traz para as telas os primeiros momentos do personagem-diretor com o cinema: seja a primeira vez que viu um filme com os pais, seus filmes caseiros na infância e os filmes de memória da família. Em paralelo, vemos o amadurecimento Sammy (Gabriel LaBelle) com seus primeiros amores, as mudanças familiares e o caminho para o começo da vida adulta. The Fabelmans é um convite a relembrar esses primeiros momentos da vida em que entendemos quem somos e que são os primeiros passos de uma longa caminhada.

Para saber mais: Steven Spielberg não faz filmes como antigamente — ainda bem

Vidas Passadas, Celine Song

Por Anna Carolina

Em um mundo de remakes, reboots e outras formas de reaproveitar uma propriedade intelectual já existente, Vidas Passadas é um roteiro com o frescor do ineditismo, trazido às telas pela diretora Celine Song e pela produtora A24. No longa, Nora (Greta Lee) e Hae Sung (Teo Yoo) são amigos de infância separados aos 12 anos depois que a família de Nora decide sair da Coreia do Sul. Os primeiros sentimentos amorosos ficam em suspenso ao longo de mais alguns momentos de reencontro na vida até que, de forma sensível, realista e profundamente dolorosa e bela a história coloca os personagens adultos e maduros em um dilema que traz à tela discussões sobre identidade, pertencimento, as diferenças entre as conexões afetivas em nossas vidas, maturidade, amor e realização de desejos. Não à toa, o filme tem recebido críticas positivas e premiações desde sua estreia e promete um futuro promissor para Celine Song.

Para saber mais: Past Lives: de quantas vidas não vividas é feita uma vida?