É difícil entender porque a frase “a Taylor morreu” se tornou um assunto relevante no momento em que Taylor Swift é a artista mais ouvida no mundo, e que ela está perfeitamente bem e saudável. Mas foi exatamente essa a frase que várias pessoas apareceram cantando em festas e vídeos que viralizaram há algumas semanas e que também foi repetida inúmeras vezes na internet. Claro que essas pessoas estão se referindo à carreira e à relevância de Taylor Swift, que supostamente estariam mortas, o que também não faz o menor sentido no cenário atual.
Uma das primeiras aparições do “meme” fora da internet ocorreu em uma after party do show da Madonna, realizada em Copacabana, no início de maio, na festa V de Viadão, de grande abrangência pelo público LGBTQIAPN+, no Rio de Janeiro, de acordo com o site Papelpop. Porém, o assunto só tomou corpo quando viralizou um vídeo de pessoas gritando a frase em uma festa de lançamento do álbum Brat, da britânica Charli XCX. Pouco depois, a atitude se repetiu na participação da própria em um DJ set/show de uma festa realizada em São Paulo. Ao saber do ocorrido, a própria Charli XCX se pronunciou e pediu para que os fãs parassem, afirmando que não iria tolerar esse tipo de comportamento.
Diante disso, precisamos nos perguntar: o que leva um grupo de pessoas a manifestarem ódio de forma organizada à uma artista pop? E por que, dentre tantos artistas, tamanho ódio está sendo direcionado à Taylor Swift? Para responder a essa pergunta, primeiro precisamos entender o comportamento dos fandoms. Saber como eles operam é fundamental para compreender o que são e como funcionam os anti-fandoms. E, por fim, porque essa questão está estritamente ligada ao machismo no mundo pop.
Guerras de fandoms
A dinâmica de fandoms, os grupos de fãs, envolve uma rotina que vai além de ouvir músicas e acompanhar um(a) artista. Fãs mais fervorosos têm o costume de utilizar redes sociais para seguir portais de fãs, divulgar seus artistas favoritos, encontrar outros fãs e compartilhar memes. Esses hábitos formam as comunidades de fãs, chamadas de fandoms. Nesse contexto, a rivalidade entre fandoms não é nenhuma novidade. Ela existe desde o mundo analógico e passa por casos como Britney Spears e Christina Aguilera e ‘N Sync e Backstreet Boys. Fãs, por um motivo ou outro, sempre discutiram entre si em nome de seus ídolos, buscando defendê-los de acusações e destacar a relevância de seus favoritos.
Entre os principais motivos de discussão estão os charts — as paradas musicais —, os recordes, e as premiações, sinônimos de sucesso, popularidade e relevância. Todo fã deseja que seu artista favorito alcance resultados positivos que atestam essas qualidades. Esses resultados se tornam argumentos em discussões, que muitas vezes se baseiam no desempenho de uma música ou álbum, aquilo que é hit (sucesso) ou flop (fracasso) em comparação aos resultados de outro artista. Essa competição por charts alimenta os fandoms e também cria novas rivalidades, nada muito diferente do comportamento de outros tipos de fãs, como torcedores de futebol.
Nos últimos anos, Taylor Swift alcançou números que há muito tempo não eram vistos na indústria musical, considerando popularidade, singles, álbuns e, principalmente, turnê. Recorde após recorde, ela alcançou um patamar comparável a grandes artistas, tais como Beyoncé, Madonna e Michael Jackson. Esse nível de sucesso e presença midiática também traz desafios. Entre eles, está a comparação constante com outros artistas.
Ao chegar neste patamar, cada grande lançamento é imediatamente comparado aos lançamentos da artista. Com isso, o fandom, interessado em defender o status quo, passou a se envolver em mais rivalidades com fãs de outros artistas. Primeiro, com fãs de Beyoncé, com as turnês simultâneas e o lançamento do Cowboy Carter. Ambas as cantoras se apoiaram publicamente, ainda assim, foi pouco para aplacar as discussões on-line sobre relevância, popularidade e o talento de cada uma. Essas rivalidades aumentaram desde o lançamento do The Tortured Poets Department, álbum que ocupou o primeiro lugar da Billboard Hot 200, principal parada de álbuns, por 12 semanas consecutivas, mais um recorde feminino para a conta de Swift. O lançamento do álbum Hit Me Hard and Soft, de Billie Eilish e de Brat, de Charli XCX, envoltos em supostas polêmicas relacionadas à cantora, foram suficientes para o surgimento de novas rivalidades sobre o desempenho dos álbuns frente a TTPD.
Nesse cenário, ganhou força uma onda de ódio já latente contra Taylor Swift e contra o próprio fandom. Muitos afirmam que a cantora é repetitiva por lançar muitos álbuns, ambiciosa demais — por garantir o primeiro lugar — e até a acusam de não apoiar outras mulheres, por supostamente não permitir que elas alcancem desempenhos melhores nas paradas. Além disso, muitos argumentam que ela é “básica”, que as músicas são “sem graça” e que as conquistas estão exclusivamente atreladas ao fato de ser uma mulher branca e se portar como “vítima”. Nada disso é novidade para quem já ouviu o álbum Reputation e conhece a dinâmica entre fandoms. No entanto, é preciso refletir sobre as razões que levam os fãs a agirem dessa forma, utilizarem tais argumentos e chegarem a extremos mais preocupantes, como gritar que “Taylor morreu” publicamente, em grupo.
Anti-fandom
A resposta para o motivo de haters odiarem não é fácil, mas pesquisadores já estudam o assunto há algum tempo, em especial como surgem e como funcionam os anti-fandoms. O livro Anti-Fandom: Dislike and Hate in the Digital Age (2017), editado por Melissa A. Click e publicado pela NYU Press, fornece diversas hipóteses.
Em primeiro lugar, os comportamentos de fãs e de anti-fãs muitas vezes são parecidos e acabam se replicando. A participação e identificação com uma comunidade podem fazer com que participar de um anti-fandom seja agradável para pessoas que pensam parecido. Pesquisadores inclusive destacam que o ódio ou o não gostar de algo pode ser tão poderoso quanto a admiração para a formação de comunidades ou subculturas. O ódio também é uma resposta ao sentimento de ameaça e cria antagonismos, o nós versus eles. Nesse caso, o desempenho dos álbuns e músicas de Taylor são encarados como uma ameaça ao desempenho de outros artistas. O objeto odiado torna-se, portanto, crucial para a formação do coletivo.
Ainda, para a manutenção do ódio, atos e expressões de ódio devem ser continuamente repetidos. Essa repetição é fundamental para a formação de identidades coletivas e são base para o anti-fandom. Aqui, piadas e atos como gritar em uma festa que “a Taylor morreu” nada mais são do que performances essenciais para essa coletividade. Esse comportamento é similar à repetição de bordões políticos, por exemplo. Indo além, expressar aversão é também uma forma de se diferenciar e se colocar acima do que não se gosta. Essa busca por distinção pode ocorrer de duas formas. A primeira é dentro de um próprio gênero, que, no caso de “a Taylor morreu”, se encontra na música e, mais especificamente, no universo das cantoras pop. Nesse caso, os fãs deixam clara a separação entre eles e os fãs de Taylor Swift, proclamando suas diferenças.
A segunda forma de distinção é a mais encontrada na sociedade em geral. Nesse caso, indivíduos e grupos optam por não gostar de algo devido à percepção de importância daquele objeto. Ou seja, aquilo que é visto como importante para os outros, popular ou mainstream, torna-se objeto de desgosto. Nesse sentido, classificar as músicas de Swift como genéricas é uma forma de desvalorizar o sucesso delas justamente pela grande popularidade. Em contrapartida, essa atitude também valoriza artistas preferidos por esses grupos, vistos como alternativos.
O que também costuma ocorrer, mas é uma forma menos comum de ódio, é a patologização de fãs, quando o fanatismo é visto como doentio. Essa distinção nada mais é do que uma forma de se posicionar no mundo como uma pessoa normal, mas ao mesmo tempo especial, justamente por não gostar de nada que seja popular demais.
Fandom e gênero
No caso de Taylor Swift, muitas pessoas costumam justificar suas atitudes de ódio on-line como um problema não com a cantora em si, mas com seu fandom, os swifties, apontados como chatos, infantis e “mimizentos”, entre outros adjetivos comuns. Porém, é curioso observar que o comportamento dos swifties não é tão diferente de qualquer outro fandom — todos, afinal, operam mais ou menos da mesma forma e com os mesmos objetivos, com a diferença de que o fandom de Swift ganhou uma magnitude e abrangência maior nos últimos anos, tornando-se mais ativo e diverso.
Apesar disso, desde a sua formação, a maior parte dos swifties são jovens e, principalmente, pessoas do gênero feminino. Essa identidade é crucial para entender porque o fandom da cantora é tão odiado. O preconceito de gênero está intrínseco nas atitudes de ódio contra mulheres e produtos apreciados por mulheres, principalmente por mulheres jovens. Nesse sentido, o ódio contra a própria Taylor Swift e contra seus fãs nada mais é do que uma forma mais aceita de discurso de ódio contra mulheres.
Tradicionalmente, filmes, livros, músicas e séries que abordam esses públicos e que são voltados para mulheres jovens são classificados como fúteis e superficiais, sendo automaticamente desqualificados como arte. Tornando o próprio ato de admirá-los um defeito e motivo de vergonha perante a sociedade. Nesse sentido, temos como exemplo as comédias românticas, sagas como Crepúsculo e até mesmo Sex and The City, produtos que são depreciados justamente pelas suas características femininas e devido ao público para o qual são destinados.
Mas como o mundo pop pode ser machista se ele é dominado por divas pop, gays e mulheres? O mundo pop é progressista em diversos sentidos, no entanto, em uma avaliação mais cuidadosa podemos perceber diversas problemáticas machistas. Em primeiro lugar, tradicionalmente, os fandoms de divas pop são dominados por homens e não por mulheres. Homens gays, mas homens. Esse grupo, mesmo que discriminado de diversas formas na sociedade, ainda dispõe de privilégios negados às mulheres. Inclusive o privilégio de ter suas preferências de entretenimento respeitadas em algum nível. Por muito tempo, músicas, clipes e shows foram pensados para homens, fossem eles gays ou héteros.
Há, ainda, a questão da sensualidade. A sensualidade das divas pop, com certos limites, é aceita pela sociedade, desde que inseridos em uma lógica machista e mercantilista em que o corpo da mulher está à disposição de ser apreciado pelo público — o que também significa ser um corpo padrão, jovem e magro. Em outros casos, o discurso muda e a mulher em questão torna-se “vulgar” (algo observado com a própria Madonna, que ao desafiar o etarismo e a sensualidade em suas formas mais diversas durante seus shows, foi duramente criticada).
Taylor Swift nunca foi uma diva pop sexy e ousada nos moldes tradicionais: apesar de expressar sensualidade em certos momentos, esse nunca foi o mote ou o ponto de destaque em sua carreira. Toda a sua identidade e carreira está centrada em sua vivência como mulher. A maioria das composições são baseadas em sua vida, relacionamentos, sentimentos e experiências femininas. Por isso, meninas e mulheres, de diversas faixas etárias, se conectam de forma direta com suas composições. As músicas, clipes e shows são prioritariamente pensados para mulheres. A estética adotada reafirma a feminilidade, sem se preocupar com a opinião ou o olhar masculino.
É importante ressaltar que a expressão da sensualidade não é um demérito. A sensualidade, afinal, faz parte da vida, do ser mulher e também da arte. Entretanto, a aceitação de divas pop que a utilizam em conformidade com o status quo e a negação de Swift, assim como ocorre com Billie Eilish, por exemplo, mostra como certos setores da sociedade estão mais abertos ao erótico do que às vivências femininas e às próprias mulheres. Vale lembrar, ainda, que o caminho para o sucesso de Taylor Swift foi pavimentado por estrelas como Stevie Nicks, Carole King e Alanis Morissette. Mesmo no mercado atual, ela não é a única cantora a se valer de suas experiências como foco principal do seu trabalho: Adele, Olivia Rodrigo, Sabrina Carpenter, além da já citada Billie Eilish, fazem um movimento similar.
Entretanto, é notável o número de admiradoras que Taylor Swift mobiliza neste momento. Estamos acostumados a ver grandes movimentos de fãs mulheres apaixonadas por homens, ao invés de mulheres idolatrando mulheres. O efeito Taylor Swift hoje é comparável à Beatlemania, o que já torna esse movimento inédito e histórico. Afinal, é extremamente relevante que mulheres estejam admirando mulheres e assumindo suas preferências culturais e de entretenimento com orgulho. Essa é uma forma de apropriação de narrativas femininas e de reafirmação da identidade feminina como motivo de orgulho e respeito.
Tudo bem não gostar
Os motivos que nos levam ao ato de gostar de certas coisas e não gostar de outras são muitos e complexos. Por isso, existem muitas camadas e fatores na análise do porquê as pessoas expressam ódio à artistas no mundo digital ou físico. Muitos desses motivos são inconscientes, gostamos ou deixamos de gostar de algo sem saber exatamente a razão, às vezes simplesmente “não vamos com a cara” de algo ou alguém.
No caso da música, a própria preferência pessoal por certos gêneros, estilos, performances e até pela forma como os artistas cantam definem porque gostamos de certas coisas e de outras não. Por isso, é perfeitamente natural que muitas pessoas não gostem de alguns artistas, inclusive de Taylor Swift. Entretanto, é sempre interessante nos perguntarmos porque não gostamos de algo, afinal muitas vezes podemos estar replicando comportamentos preconceituosos, mesmo sem ter consciência disso.
Mesmo tendo motivos perfeitamente legítimos para não gostar e até odiar algo, é preciso ressaltar que não há nenhuma justificativa para ataques. Especialmente ataques coordenados em grupo contra um alvo. Discurso de ódio é sempre nocivo e a vida é muito mais fácil quando ignoramos aquilo que não gostamos, apreciamos o que preferimos e mantemos as portas abertas para artistas, para músicas e para a cultura de forma geral.
Antes de tudo esse comentário não é pra dizer que o texto é errado, mas eu acho que falta umas nuances de certa forma, porque assim, eu concordo com algumas coisas, como a questão do ódio a taylor tem a ver com misoginia, e outra simplesmente não são tão preto no branco sabe.
A grande frase ” a taylor morreu” ficou mais forte quando o BRAT da charli foi lançado, e além da charli já ter uma fanbase gay muit forte, esse álbum meio que vai num contraponto ao último da swift. Onde um pulsa humanidade e fraqueza, o outro encontra uma cantora que tá explorando até a última gota dele, se faça a pergunta, a taylor realmente precisa lançar a sétima versão de um álbum onde apenas uma musica é adicionada, e por piada do destino ela sempre lança quando um álbum de alguma cantora tá chegando ao #1?????
A loirinha também ganha antipatia dos gays por ser uma versão pasteurizada e chata de uma diva pop, não por ser sexy, mas por nunca falar nada controverso e sempre ser a rainha do PR, a eleição do trump e kamala tá aí, um desses é homofobico e facista, e miss branquinha n fala nada, sem falar em gaza né.
Então embora não seja um texto errado, o autor definitivamente não sabe pq as pessoas não gostam da loirinha, até pq nem todo mundo que fala que ela vai morrer e necessariamente um hater, mas eles com certeza desejam a morte do que ele representa viu, um pop ingienizado, onde a coisa mais controversa que uma cantora pode fazer é lançar a décima versão de um álbum.