O subgênero comédia romântica tem sua primeira produção nos anos 1930 e até hoje segue uma fórmula que já consideramos clássica: garoto encontra garota, se apaixonam, mas algo está entre eles (como um atual namorado, a distância, culturas diferentes, etc.) e depois de muitas idas e vindas, no final, sabemos que eles vão ficar juntos para sempre. Antes dessa categoria, existia um certo abismo entre as comédias e os romances. Um era muito atrapalhado e o outro, muito dramático, embora a vida una esses dois mundos diariamente.
Hoje vemos variações desse formato, mas é interessante pensar que muito do que se tem no teatro adaptado de Shakespeare era considerado comédia romântica. No cinema, por outro lado, o jeito atrapalhado do menino e a vibe patricinha da menina regem o que temos consumido há muitos anos como subgênero. O que podemos notar, porém, é que os estúdios estão começando a tomar certos cuidados com suas produções. Afinal, nem todas as mulheres do mundo estão esperando seu príncipe encantado aparecer na esquina, logo, filmes que mostram mulheres deslumbradas e homens perfeitos começam a cair por terra.
É justamente essa disruptura que acontece em Talvez Uma História de Amor, filme do diretor Rodrigo Bernardo. A história do longa é baseada em um livro francês, de mesmo nome, escrito por Martin Page, em 2010 — os nomes dos personagens foram mantidos e a premissa é a mesma, mas no longa-metragem a trama se passa entre as cidades de São Paulo e Nova York, diferente do original. Captado para se transformar em filme em 2015, somente agora, em 2018, Talvez Uma História de Amor chega aos cinemas no Brasil.
Atenção: este texto contém spoilers!
Logo de cara somos recebidos pelo discurso de que a palavra “talvez” é um agente transformador. Quando colocada em uma frase ou pergunta, ela muda completamente a forma como passamos a interpretar aquela ação. Então, aparece Virgílio (Mateus Solano), um publicitário que tem a vida organizada por uma lista de tarefas presa à porta da geladeira. Ele levanta, toma café, sai pro trabalho, todos os dias, tudo em sequência, tudo no mesmo horário de sempre. Passamos a conhecer sua casa, suas manias, seus colegas de trabalho e entendemos que ele é um cara peculiar. Para ele, o mundo parou há dez anos: ele usa um telefone de antena, televisão de tubo e não sabe mexer na internet. Quando Virgílio recebe uma promoção, não aceita a oportunidade porque isso vai mudar o seu formulário de imposto de renda. Já dá pra notar que Virgílio com certeza teria um ataque se algo mudasse de lugar em sua rotina.
Então, em uma noite após o trabalho, ele escuta um recado na sua secretária eletrônica — a mensagem era de uma mulher chamada Clara (Thaila Ayala) dizendo que o relacionamento entre eles tinha terminado. Virgílio, porém, não sabe quem é Clara, não lembra de ter tido nenhum relacionamento próximo e muito menos com alguém com esse nome. A partir desse momento, sua vida, tão perfeita, vira de cabeça para baixo até que ele consiga entender o que aconteceu com o relacionamento dos dois, o porquê do rompimento e, o mais importante, quem é Clara.
Em Talvez Uma História de Amor vemos um protagonista que não segue a fórmula de perfeição. Virgílio tem sérios problemas com controle, com manias, com rotinas. Ele é um cara comum, podemos dizer, não um príncipe encantado, já que tem muitas falhas. Só que isso é o que faz dele um personagem empático e que arranca “oh” por toda sala de cinema conforme segue na sua jornada de herói a procura de sua princesa. Vemos ao longo do filme que ele também passa por transformações, descobertas e disrupturas do que ele mesmo achava que seria certo ou errado. E isso tudo mostra o lado mais humano e factível de qualquer protagonista que segue em busca de quem — talvez — se ame.
E para isso, Virgílio precisa da ajuda de diferentes mulheres que possam conhecer Clara, que talvez entendam o seu problema de não lembrar de nada do que aconteceu. Sua psiquiatra, suas colegas de trabalho, suas ex-namoradas. Todas elas têm um papel importantíssimo e decisivo em sua busca por Clara, sempre o ajudando a se conhecer melhor. Vemos mulheres de verdade, que têm carreira, filhos, que são mais alternativas, que são mais certinhas, mas em nenhum momento vemos a presença feminina estereotipada como a donzela que espera para ser salva. Longe disso.
Vemos também uma amizade entre Virgílio e sua vizinha, Katy (Bianca Comparato), acontecer de uma maneira muito natural, uma parceria que em nenhum momento é romantizada. Talvez Uma História de Amor mostra que um homem e uma mulher podem construir um relacionamento e serem somente bons amigos, algo que vemos poucas vezes em comédias românticas. Geralmente, caímos na fórmula de vizinhos que se apaixonam, de melhores amigos de infância que descobrem que o amor sempre esteve ali, entre tantos cenários que parecem tornar obrigatório haver romance entre homem e mulher.
Quando entendemos qual o motivo do rompimento de Clara com Virgílio, conhecemos a personagem e entendemos sua decisão, de verdade. Toda mulher entende, toda mulher que sabe muito bem que sua vida não depende apenas do companheiro e sim da sua própria vontade. O que é muito legal partindo da premissa de que, na maior parte das comédias românticas, vemos a mulher sempre na expectativa de um relacionamento. E sim, mesmo a mulher sendo independente, dona de si, tendo suas verdades, ela também pode ser romântica, pode idealizar um parceiro ou parceira, pode fazer o que ela quiser.
Entre atuações adoráveis de Mateus Solano e Thaila Ayala — em um elenco muito branco e pouco diverso, é importante frisar —, vale também ficar de olho na participação especial e ilustríssima de Cynthia Nixon, a eterna Miranda Hobbes de Sex And The City. Talvez Uma História de Amor ganha estrelinhas ao ser uma comédia romântica boa para sorrir, sentir e querer que o final feliz chegue para os personagens, mesmo já sabendo que isso vai acontecer.