Sabrina Carpenter é o momento. Com apenas 25 anos, a jovem dominou a indústria da música com o hit “Espresso”, que furou a bolha pop e dominou toda a internet em 2024 com sua sonoridade dream pop e tiradas. Desde então, um álbum a altura do single de estreia se tornou o mais aguardado do ano e, sem decepcionar, é o que Sabrina consegue entregar com o Short n’ Sweet.
Longe de ser uma novidade para a cantora, que já havia amarrado um conceito bem definido, tanto sonora quanto visualmente, no álbum email’s i can’t send, de 2022, é com o Short n’ Sweet que ela atinge seu auge, embora não deixe a proposta personalíssima e melódica de lado, uma vez o novo trabalho é uma variante bem sucedida e de delineada de “Espresso”. de forma que a escolha da canção como lead-single foi um acerto e tanto.
Na produção, Carpenter explora diversos gêneros do pop, bebendo de fontes como a disco e o country, de maneira tão bem produzida que tudo o que se sobressai, além do talento e qualidade ouvidos, é a sua personalidade. Em “Espresso”, ela comenta que seu parceiro ri com frequência de seu “humor distorcido” (“My twisted humor/ Make him laugh so often”) e não poderia ser de forma diferente que ela abre o álbum. O primeiro verso de Short n’ Sweet define Sabrina como artista, mulher e também celebridade: ela causa uma impressão e tanto e, não por outro motivo, se trata de um álbum tão original. O projeto coexiste com a personalidade bufante que emana, ainda que de seus poucos metros de altura, brincando com o conceito da super-estrela de Hollywood e a ingenuidade das boas garotas. Em seu marcante tom agudo e feminino, ela canta sobre sua sexualidade e sua vulnerabilidade na mesma intensidade, fazendo jogos de palavras que só alguém com personalidade poderia sustentar.
Sabrina ainda surpreende ao abordar em diversas faixas um (quase) namorado, que voltou para a ex-namorada. É muito possível que a cantora esteja se referindo a Shawn Mendes e Camila Cabello, que aparentemente retomaram o relacionamento após o breve período que estiveram juntos no início de 2023. Por isso, em “Taste”, ela manda um recado direto para o casal através de seu famigerado humor distorcido: “He’s funny, now his jokes hit different/ Guess who he learned that from?” (Ele é engraçado, agora todas as suas piadas são diferente/ Adivinha com quem ele aprendeu isso?)”. Carpenter destila seu traço irônico na canção, comentando que, apesar de cantar a respeito, não se importa tanto assim, afinal “é conhecida por compartilhar”, escolhendo a narrativa ácida e divertida em detrimento da dramática, pois é esta a característica que melhor define Short n’ Sweet como um todo, tanto quanto o seu momento como artista, algo que fica explícito no clipe com inspirações cinematográficas.
Com a participação da atriz Jenna Ortega, que protagoniza o terceiro lado de um triângulo amoroso, Sabrina, no vídeo, faz de tudo para se manter na vida deste homem, se machucando fisicamente cada vez mais em detrimento da reputação masculina se manter intacta e quase sem protagonismo no “duelo de mulheres” criado com a atual namorada — uma sátira bem sucedida de como a mídia retrata o drama em torno de qualquer drama romântico das celebridades. Ao final, no entanto, Sabrina e Jenna se juntam para enterrar o homem, encerrando a disputa feminina e selando a paz em um final hipotético e alternativo poético em relação à vida real.
Isso porquê, se em “because i liked a boy”, ela aborda de maneira negativa e depressiva, e em sentido mais confuso sobre si mesma e seu papel no breve relacionamento com Joshua Basset e a condenação pública após ser apontada como pivô de sua separação com Olivia Rodrigo (“Agora sou uma destruidora de lares, uma vadia/ Recebi ameaças de morte suficiente para encher um caminhão/ Me diga quem eu sou/ Acho que não tenho escolha/ Tudo porque gostei de um garoto”), em Short n’ Sweet parece ter crescido alguma confiança quanto a sua responsabilidade diante das escolhas dos outros, algo sobre o que não tem controle. Em “Sharpest Tool” ela canta:
“Nós estávamos indo para a direita, então você pegou a esquerda
Me deixando com um monte de palpites para adivinhar
Acho que vou perder mais um ano imaginando o “se”
Se aquilo era casual, então sou uma idiota”
É claro que existem momentos de verdadeira fúria na vida de Sabrina Carpenter: apesar da aura de diversão, não é tudo “fun and games”, como se imagina por sua aparência e postura. Em “Dumb & Poetic”, ela discorre de maneira rasgada sobre este parceiro manipulador, que tenta parecer um bom moço na frente de todos, mas não é um homem de verdade, apesar de atuar como um:
“Você está tão triste, não há comunicação
Mas, amor, você nos colocou neste problema
Você está correndo tão rápido dos corações que está quebrando
Economize seu fôlego para a sua meditação
Você é tão empático,
Você daria uma boa esposa
E eu juro que os cogumelos não estão mudando sua vida
Bem, você bateu o barro e abandonou os destroços
Fødeu com a minha cabeça como se fosse um fetiche”
A faixa é, claramente, um recado a Shawn Mendes, que a deixou muito rapidamente e sem qualquer responsabilidade afetiva, mas, apesar da sinceridade e até da auto responsabilidade puxada para si mesma em “Lie to Girls”, onde reitera como as mulheres dão chances e mais chances quando estão apaixonadas, sem necessidade de o parceiro engendrar um jogo tão elaborado e inventar tantas mentiras, Sabrina é mais feliz, artisticamente, na acidez e na ironia, onde restam todos os pontos altos do álbum.
Se em “Sharpest Tool”, ela canta, “nós nunca conversamos sobre como você encontrou deus na casa da ex”, em “Coincidence”, uma faixa que remete à sonoridade da clássica de “These Boots Are Made For Walkin”, de Nancy Sinatra, ela comenta um possível episódio de traição do cantor de forma mais irônica e debochada: “Que surpresa, seu celular acabou de morrer/ Seu carro se dirigiu para L.A, para as pernas dela/ Palm Springs parece legal, mas quem está do seu lado?/ Droga, ela parece com a garota que você superou/ Ao menos é o que você disse”. Ao final, ela termina cantando a coincidência que é ele ter terminado novamente, fazendo referência ao fato de o relacionamento do cantor com Camila Cabello ter idas e vindas desde 2019.
Mesmo quando canta sobre o futuro e seu desejo de formar uma família na balada “Juno”, uma canção pop-perfection por excelência, com referência à personagem-título do filme homônimo de 2007, estrelado por Elliot Page, e à deusa romana, que também é conhecida por reger o casamento e a família, Sabrina dá seu toque pessoal: ela elogia o parceiro, a ponto de se gabar para os amigos e testar novas posições sexuais ao mesmo tempo em que quer fazê-lo se apaixonar, ao invés de se jogar de cabeça sozinha: “Eu mostrei para os meus amigos e nós fizemos um high-fave/ Sinto muito se se sente objetificado/ Não consigo me conter, os hormônios estão altos / Me dê mais do que algumas borboletas”.
A este ponto, é muito provável que a cantora esteja se referindo ao seu ex-namorado, Barry Keoghan, que chegou a estrelar o clipe da faixa “Please, Please, Please”, tendo em vista que a letra faz referência direta ao fato dele ser um ator e ter “certa” fama. Antes de Sabrina, o irlandês — que alçou o estrelato relativamente tarde para os padrões de Hollywood após atuar em filmes como, O Sacrifício do Corvo Sagrado (2017), Eternos (2021) e Os Banshees de Inesherin (2022) — tinha acabado de se separar da namorada, com quem teve um filho em 2022.
Apesar disso, os elogios a Keoghan não param e parecem uma alusão à cena de nudez explícita do ator no ato final do filme, Saltburn (2023). Segundo rumores, foi após assistir a cena que a cantora começou a se interessar por ele e não demorou muito para que o affair se concretizasse já no final do ano, quando foram vistos juntos, o que explicita a forte veia confiante e sensual de Sabrina, algo chega a confessar em “Bed Chem”. Na canção, ela intercala momentos reais e de fantasia quanto ao início do romance, quando foram conectados através de um amigo em comum, brincando que chega a ser repetitiva em sua fantasia sexual e sobre como imaginava que teriam química na cama. Sem papas na língua, ela entona: “E agora a próxima coisa que sei é que estou, tipo, manifestando que você é grande demais”.
Por conta disso, e não por acaso, que a faixa queridinha, “Espresso”, vem logo em seguida. Na linha temporal da vida de Carpenter, se baseada em fatos reais, a faixa aparenta se passar em um período após esse contato inicial, onde o parceiro não a tira da cabeça. Se antes era ela quem estava fantasiando, agora o homem está na palma de sua mão (literalmente) para fazer o que quiser, invertendo os papéis — algo que a cantora gosta de fazer em sua narrativa, como ficou claro em “Juno”. Após algumas decepções, Sabrina parece ter aprendido a melhor se proteger e ter controle de suas relações, apesar de seus desejos mais obscuros (se apaixonar, casar e ter filhos), disfarçados sob a aura de diva hollywoodiana.
Embora defina a era em clima, melodia, acidez, diversão e visual, “Espresso” parece um meio-termo na vida de Sabrina, que está mais inclinada a se pronunciar em nome de si mesma e agir como a quem se conhece e aprendeu com suas experiências. Em “Slim Pickins”, um folk bem produzido e pronto para agradar aos ouvidos estadunidenses, ela divaga que irá terminar sozinha, depois de todo o drama romântica que a cerca. Para beijar e se divertir, qualquer um serve, desde que seja ela a escolher consciente de que isso é tudo o que terá: “Oh, são finas escolhas/ Se eu não posso ter quem eu amo/ Acho que é você que estarei beijando/ Apenas para ter uma fixação/ Já que os bons morreram ou foram tomados/ Eu vou continuar apenas murmurando e reclamando”.
Ainda, em “Please Please Please”, ela coloca sua desconfiança mais alto, parecendo se referir diretamente a Keoghan. Depois de suas experiências passadas, é comum e saudável que ela seja direta quanto às expectativas que tem sobre ele e a forma como deseja ser tratada, pois está tão calejada que, no fundo, sabe como ele pode decepcioná-la: “Coração quebrado é uma coisa/ Meu ego é outra/ Eu te imploro, não me embarace, filho da puta”.
Para amarrar todo o conceito iniciado em “Taste”, onde se revela onipresente no relacionamento daquele ex-amor, quando canta que, ao beijá-lo, a nova namorada terá que sentir o gosto dela, Sabrina termina o álbum com uma faixa onde assume que quer que ele pense nela cada vez que está com a outra namorada, uma forma de se autovalorizar e ao que tem a oferecer em detrimento do que recebeu em troca: “Não sorria porque aconteceu, amor/ Chore porque acabou/ Você deveria pensar em mim/ A cada vez que a segura/ Eu quero que você sinta minha falta”.
Ainda assim, a faixa mais divertida do álbum revela a alma e a intenção de Sabrina, que canta com sinceridade extrema sobre seus sentimentos, desde as angústias até as fantasias sexuais. Sem “Espresso” para amarrar tudo o que o Short n’ Sweet se propôs a ser, em visuais, personalidade e ironia, o álbum careceria de algo que ninguém jamais saberia denominar. É através dessa amarra, providenciada desde o primeiro single, mas situada estrategicamente no meio do álbum, que ela consegue selar o projeto, pois, no fim das contas, sem a boa dose de humor, confiança, descompromisso e acidez, além da vulnerabilidade, seus recados encontrariam caixas de e-mail cheias da generalidade que preenche a música pop durante todo o ano, o que não ocorre dessa vez, pois a cantora entrega algo de que o gênero estava carente: performance, talento e personalidade unidos em música e artista, uma confluência que ocorre com um certo intervalo de tempo na Indústria.
Short n’ Sweet, com “Espresso”, Barry Keoghan, fofoca, vingança musical, humor distorcido e tudo o mais são o que Sabrina é e só alguém que usa uma camiseta irônica e divertida com a frase, “Jesus was a Carpenter” (“Jesus era um Carpinteiro”, em tradução livre), poderia alcançar, pois o álbum é mais do que efetivo. Trata-se de um projeto comercial e, ao mesmo tempo, muito autoral e personalístico, condensando as referências musicais de Sabrina em uma sonoridade surpreendente e não linear, que mantém o ouvinte interessado a todo o instante, seja pela escolha de instrumentos e gênero, seja pelas letras aguçadas, de forma que tanta originalidade só poderia resultar no sucesso que está sendo.