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Taylor Swift, uma história em muitas eras: o olhar para o passado, o caminho para o futuro

“Antes desse ano, eu provavelmente teria pensado demais sobre qual seria o momento ‘perfeito’ para lançar essas músicas, mas os tempos que estamos vivendo continuam me lembrando de que nada é garantido”. Foi assim que Taylor Swift explicou sua decisão de lançar seu oitavo álbum de estúdio, folklore, apenas onze meses depois de seu trabalho anterior, Lover. De surpresa, com menos de vinte e quatro horas de antecedência, Taylor anunciou em suas redes sociais que estava prestes a colocar mais uma cria artística no mundo — uma escolha bastante inesperada para quem, pouco mais de um ano atrás, precedeu um lançamento com contagens regressivas, quebra-cabeças e infindáveis buscas por easter eggs.

Quem acompanha Taylor Swift com um mínimo de atenção há alguns anos certamente está bem familiarizado com seu costume de criar um contexto maior para cada álbum, contexto esse que inclui desde seu jeito de se vestir e seu corte de cabelo, passando pelas variações no estilo musical — em teoria, a parte mais importante — até chegar em escolhas muito cuidadosas sobre a persona que virá a público; a cada lançamento, uma nova era na carreira. Nesse sentido, Red, seu quarto álbum de estúdio, foi bastante transformador.

Em Red, Taylor abandonou a assinatura em letra cursiva que acompanhava seus três trabalhos anteriores e seus famosos cachos dourados, optando ainda por esconder parcialmente o rosto, escurecido pela sombra da aba de um chapéu, na fotografia que vinha na capa do disco. Tendo a divertidíssima (embora eu mesma nem sempre tenha achado isso) “We Are Never Ever Getting Back Together” como primeiro single, Red apontava que Taylor estava entrando em um novo caminho, flertando cada vez mais com um pop que abandonaria de vez o country que a tornou famosa. Quando pensado no todo, o álbum ainda parece muito mais próximo de seus três discos anteriores do que com os que vieram depois, mas, em sua profusão de gêneros, ele apontava vários caminhos possíveis para a Taylor do futuro.

“And you would hide away and find your peace of mind
With some indie record that’s much cooler than mine”

Taylor Swift

Construindo eras

A era Red foi recheada de estilo vintage, cabelo alisado, marcou os primeiros passos na direção do pop, teve vermelho em figurinos, em violões, vermelho, muito vermelho. O álbum adota diferentes estilos e tons, mas a linha geral que o guia é uma longa reflexão que adota vários pontos de vista diferentes (um mesmo eu-lírico em momentos distintos) sobre um coração partido. 1989 foi muito diferente: a era em que tudo era brilhante, néon, em que tudo parecia muito novo — no prefácio ao disco, ela deixa um recado de que gosto muito: “da garota que disse que nunca cortaria o cabelo, nunca se mudaria para Nova York e nunca encontraria a felicidade num mundo em que não estivesse apaixonada… Com amor, Taylor.” Foi uma era triunfal para Taylor Swift, que por algum tempo pareceu estar no topo do mundo (ou, pelo menos, da indústria). Por outro lado, também foi a época da superexposição constante — e assim nasceu reputation, que sabe ser tão delicado quanto raivoso, extremamente performático, respondendo a todo o circo midiático envolvendo o nome Taylor Swift enquanto Taylor, a pessoa, parecia querer desaparecer por completo. Menos de dois anos depois, Lover olhava para seu antecessor e parecia resumir todo aquele circo em uma mensagem bastante simples: “esqueci que você existia”. Taylor agora tinha mechas azuis e rosas no cabelo, usava e abusava de cores, muitas cores, descobria a importância de emprestar sua voz, sempre tão amplificada, a causas urgentes que não a afetavam diretamente, e explorava pela primeira vez as nuances de um relacionamento duradouro que ela se esforçava para manter tão privado quanto possível.

A cada transformação, no entanto, uma característica se mantinha firme e forte: o caráter confessional e autobiográfico de suas composições. Porque Taylor nem sempre é muito sutil (vide a existência de canções chamadas “Dear John” ou “Style”) e porque por muito tempo ela espalhou mensagens escondidas nos encartes de cada álbum, parte da conversa em volta de seus lançamentos desde que ela se tornou uma celebridade invariavelmente envolve especulações sobre quem seria o destinatário oficial de cada canção. Às vezes o encarte dizia “Adam”, dizia “Tay”, às vezes dizia “maple latte” — Taylor jogava esse jogo. 1989 embaçou um pouco esse processo porque as letras aleatórias em caixa alta no encarte já não davam mais pistas de nada. Ao invés disso, elas contavam uma história que, em sua conclusão, resumia a essência da persona que Taylor representaria durante esse período em sua carreira: “ela o perdeu, mas encontrou a si mesma, e de alguma maneira isso foi tudo”. Foi assim também que Taylor abandonou a prática, que se foi junto com a Velha Taylor, aquela que morreu para que “Look What You Made Me Do” pudesse existir.

“I’m sorry, the old Taylor can’t come to the phone right now
Why? Oh, ‘cause she’s dead!”

Taylor Swift

As eras são, obviamente, uma performance. O que não é um problema. Há quem diga, inclusive, que todas as nossas interações são uma performance. Em Miss Americana (documentário de Lana Wilson sobre a relação de Taylor com sua vida pública), ela discute a necessidade que sempre sentiu de administrar cuidadosamente a própria imagem — que, sendo ela uma pessoa pública, simplesmente nunca vai ser completamente controlável —, porque sempre teve uma enorme necessidade de aprovação externa. Podemos pensar que suas eras são, em parte, uma tentativa de manter algum domínio sobre uma narrativa que ela estrela, mas que não lhe pertence, porque faz parte de um jogo maior que envolve a mídia e o público (fãs, haters ou apenas semi-desinteressados). A cada mudança, então, Taylor escolhia dar ao público e à mídia uma porção de coisas a dizer — antes que procurassem outras.

Mas existe no documentário outra fala de Taylor que reflete menos a cultura de celebridade e mais as intersecções que ela enxerga entre o aspecto comercial de sua carreira e as questões de gênero. Para ela, as mulheres na indústria precisam se reinventar constantemente — muito mais do que seus pares do sexo masculino. Suas eras são, então, também uma pátina de novidade mesmo quando suas composições voltam a temas que já se repetiram diversas vezes ao longo dos álbuns — como se as transformações em seu estilo musical e sua disposição para experimentar coisas diferentes em sua música não fossem suficientes.

A construção de diferentes personas com que Taylor tanto brinca é, por um lado, o que ela acredita que precisa fazer para se manter como um nome vivo e vibrante na indústria. Por outro, é provável que nem tudo seja necessariamente tão calculado assim, embora seja também calculado — Taylor era adolescente quando começou a compor, hoje é uma mulher com três décadas de vida nas costas. É natural que seus interesses, seu estilo, tudo isso mude — até porque sua vida certamente mudou. Mas é difícil saber até que ponto.

“I’m still a believer, but I don’t know why
I’ve never been a natural, all I do is try try try
I’m still on that trapeze
I’m still trying everything, to keep you looking at me”

Taylor Swift

Ascensão, queda e a luz do dia

Antes de 2009, Taylor Swift cantava country, usava vestidos combinados com botas cowboy, falava com um inexplicável sotaque sulista, se dirigia a um nicho mais específico e muito menor. A transição entre os anos de 2009 e 2010 foi seu primeiro divisor de águas. Em 2009, Taylor ganhou seu primeiro VMA, o que então ainda era um grande feito para ela, já que se dava fora do circuito country. Em 2009, Kanye West interrompia seu discurso de agradecimento para fazer uma crítica à premiação que, na verdade, só a envolvia de maneira muito indireta. Em 2009, nascia a famosa Narrativa da qual Taylor gostaria muitíssimo de ser excluída (em 2016, nascia um meme). Em 2010, Taylor ganhava seu primeiro Álbum do Ano por Fearless. A essa época, nascia uma celebridade. O escrutínio, é claro, passou a ser muito maior. Incomodava a Taylor, talvez mais do que tudo naquela época, que olhassem para ela, uma jovem mulher mal saída da adolescência que compôs o álbum do ano, e automaticamente presumissem que ela não era a autora da própria música. Taylor então escreveu Speak Now completamente sozinha, incluindo “Mean”, um de seus singles, que supostamente responde a um crítico que afirmou que Taylor não sabe (ou não sabia) cantar.

No primeiro single de 1989, “Shake it Off”, Taylor revisitava o tema das críticas, mas a abordagem era outra. Se em “Mean” o tom era principalmente de ressentimento, prevendo para si mesma um futuro grandioso (que, bem… está aí) e a total irrelevância do crítico, “Shake it Off” é leve, é ridícula, olha mais especificamente para os haters e diz, “poxa, seria ótimo se eu me importasse, não é mesmo?” É claro que Taylor se importava, se importava muito, e em Miss Americana isso fica evidente — mas ali, quando lançava sua nova era, a imagem que ela projetava era outra. Em termos comerciais, é a grande música de sua carreira, e isso é significativo. Em “Shake it Off”, ela mostra não só que está tentando aprender a separar aquilo que vale a pena escutar daquilo que é melhor só deixar de lado, mas também ri de si mesma com gosto. O fato de ela dançar nas premiações estava incomodando? Então ela ia dançar uma porção de estilos diferentes no clipe. Dizem que ela dança mal? Bom, talvez ela dance mesmo — eis aqui um clipe inteirinho rindo disso.

Taylor Swift

Com “Blank Space”, a percepção de uma Taylor Swift mais segura de si e que estava jogando o jogo da mídia melhor do que ninguém só foi fortalecida. Se à época do lançamento do álbum ela falou de maneira bastante aberta sobre o quanto a incomodava que a discussão a seu respeito tivesse virado um grande cuidado, ela vai escrever uma canção falando mal de você!, Taylor se utilizou dessa imagem permeada pelo machismo para escrever um dos maiores sucessos de sua carreira, numa música bastante divertida que também deixa transparecer seu interesse em escrever a partir de perspectivas que não sejam exatamente a sua.

Com as vendagens altíssimas de 1989 e de seus singles, sua turnê lucrativa, suas cartas abertas que surtiam efeito imediato, Taylor viveu nessa época seu maior momento de triunfo. Ao final da turnê, ela já encarava 1989 com alguma melancolia, dando dicas de que pretendia esperar um tempo maior do que seus costumeiros dois anos antes do próximo trabalho, numa racionalização que englobava o temor de um possível desgaste de sua imagem e a consciência de que dificilmente um sucesso como aquele poderia ser replicado. De certa forma, ela já previa algo que se concretizou: a superexposição cantou seu nome aos quatro ventos, é verdade, mas também teve impacto negativo, incluindo uma porção de artigos que criticavam seu infame “girl squad” como nada mais do que uma panelinha e memes que se divertiam com seu costume de trazer participações especiais surpresa para cada show (inicialmente para um dueto, mas depois cada vez mais apenas para desfilar pelo palco, o que foi mesmo um pouco acima do tom).

Mas tudo isso ainda era pouco perto do que viria em 2016, quando Kim Kardashian divulgou diversos trechos da infame ligação em que Taylor e Kanye conversam sobre o primeiro dos versos de “Famous” que envolviam o nome dela (mas não o segundo deles, que transforma radicalmente o primeiro), #TaylorSwiftIsOverParty passou muitas horas nos trending topics do Twitter e emojis de cobra lotaram suas redes sociais. Em seu também infame comunicado, Taylor pedia para ser excluída de uma narrativa de que nunca pediu para participar, o que até certo ponto é verdade. A Taylor Swift que pedia isso, no entanto, era a mesma pessoa que compôs canções como “Better Than Revenge”, ofensiva como é “Famous”. E era a mesma Taylor que escreveu “Bad Blood”, que poderia até ter ficado no nível da especulação, não fosse Taylor preceder seu lançamento contando à Rolling Stone um pano de fundo muito específico que trouxe Katy Perry para dentro de uma narrativa pública da qual ela mesma não pediu para participar. Que Taylor tenha dado início à era reputation com “Look What You Made Me Do” demonstra que ela não estava tão interessada assim em ser removida de narrativa alguma. É claro que ela tinha o direito de fazer o que quisesse com os fatos que marcaram tão intensamente sua vida, mas reputation alimenta com gosto o circo midiático em que ela se viu envolvida.

“They’re burning all the witches even if you aren’t one
They got their pitchforks and proof, their receipts and reasons”

A linha narrativa de reputation é um pouco incômoda porque é quase inteiramente baseada nessa ideia: olha o que vocês me fizeram fazer, eles dizem que fiz algo errado, eles estão queimando todas as bruxas mesmo que você não seja uma, é por isso que não podemos ter coisas legais, porque você as quebra. Até mesmo “Call It What You Want”, mais alinhada à segunda linha narrativa do disco (sobre um relacionamento que se iniciava em meio a toda a turbulência), que afirma que ela está melhor do que jamais esteve, ainda se constrói sobre essa ideia quando Taylor opta por incluir versos que afirmam que todos os mentirosos estão dizendo que ela mente. Novamente, ela não está errada, mas é uma narrativa um pouco unidimensional e, por isso mesmo, menos interessante quando forma um todo maior. Se Taylor adotava as serpentes como parte de seu novo imaginário, por exemplo, ao mesmo tempo parecia não conseguir abraçá-lo completamente. São justamente nos momentos de respiro quanto à sua vida pública, mas ainda muito marcados negativamente por ela (“Delicate”, “Dancing with Our Hands Tied”, “Dress”), que aquele álbum mais brilha.

“New Year’s Day” destoa bastante do restante do álbum (musicalmente falando), mas é a perfeita transição para o que viria menos de dois anos depois (quebrando mais uma vez aquele ciclo que Taylor por tanto tempo respeitou): objetivamente, o dia de ano novo não significa muita coisa, mas seu significado simbólico é enorme. Lover, que Taylor cogitou chamar de “Daylight” como a canção que o encerra, é uma espécie de reinvenção do dia que Taylor sempre representou de maneira mais confortável em sua música. Lover é mais interessante do que seu predecessor porque deixou a vida pública de Taylor — com a qual, especialmente quando colocada em termos tão específicos nas letras, é um pouco mais difícil de gerar identificação — em segundo plano para voltar àquilo que ela sempre fez de melhor: contar histórias superficialmente prosaicas, mas ricas em detalhes muito específicos nos quais a maioria de nós nem mesmo prestaria atenção.

Se canções como “The Archer” ainda apresentam um eu-lírico profundamente machucado, também é mais maduro e autoconsciente quando reflete que, sim, já foi a presa, mas também já foi o arqueiro, que pode até dizer que não quer o combate, mas no fundo talvez queira, um pouco. No clipe de “Look What You Made Me Do”, Taylor é particularmente autorreferente quando traz quinze versões diferentes suas lado a lado, algumas delas representações mais diretas de momentos específicos de sua carreira, outras parecendo mais percepções absorvidas de fora. Por um tempo, por causa disso, acreditei na teoria não concretizada de que em reputation Taylor revisitaria todos os seus eus do passado. Mas é em Lover que isso começa a acontecer mais claramente. O eu-lírico de “The Archer” olha muito para quem já fora antes, e isso se repete de modo particularmente perceptível em “Daylight”, uma das canções mais bonitas do disco, quando referencia diretamente as cores-como-metáfora que atravessam não só “Red”, a canção, mas todo o álbum. A referência nos lembra de quanta coisa mudou — do lado de dentro e do lado de fora, mas principalmente do lado de dentro — de lá para cá. Em dois versos, Taylor conta toda uma história para quem a acompanha há muito tempo.

“I once believed love would be burning red
But it’s golden”

folklore: as histórias que contamos

“Um conto se torna folclórico quando é passado adiante e sussurrado por aí. Às vezes até cantamos sobre ele. As linhas entre fantasia e realidade viram um borrão e os limites entre verdade e ficção se tornam quase indiscerníveis”, diz Taylor na espécie de pré-texto para folklore que foi postado em suas redes sociais, já que o lançamento do álbum aconteceu inicialmente apenas de forma digital. No texto, Taylor avisava que as histórias contidas no álbum não seriam só suas, mas também de pessoas nas quais ela se pegou pensando, conhecidas pessoais suas ou não. Apoiada na ideia do folclore, Taylor constantemente olha para o próprio passado nas composições. Mas o aviso nos lembra de que aquilo que parece falar tão diretamente dela talvez não seja autobiográfico, ou ao menos não completamente. Porque canções como “the last great american dynasty” (em terceira pessoa) e “epiphany” (uma mistura de primeira e segunda pessoa) são tão obviamente sobre outras experiências das quais Taylor é mera espectadora, que ela embaça o processo de leitura de folklore num todo ao dificultar a identificação do que é fantasia, realidade, verdade, ficção.

Mas tudo é atravessado pelo ato de narrar.

“invisible string” talvez seja minha canção favorita do álbum porque trabalha diretamente com as ideias de passado entrelaçado em futuros possíveis e a narrativização da vida. Em The White Album, Joan Didion afirma que todos nós contamos histórias a nós mesmos para viver e, principalmente quando somos escritores, “vivemos inteiramente por meio da imposição de uma linha narrativa sobre imagens desconexas, por meio das ‘ideias’ com as quais aprendemos a congelar a fantasmagoria cambiante que é nossa verdadeira experiência”. O eu-lírico de “invisible string” olha para o próprio passado, que um dia causou dor e raiva, com enorme paz de espírito.

“Cold was the steel of my axe to grind for the boys who broke my heart
Now I send their babies presents”

“invisible string” conta duas histórias paralelas, a do eu e do você que trilham caminhos separados até encontrarem um ao outro, quando passam a caminhar juntos (refletindo outro verso de que gosto muito, em “Lover”, numa daquelas imagens tão absurdamente simples, mas que carregam um mundo de significado, nas quais Taylor é tão boa: “at every table I’ll save you a seat”). Taylor canta sobre como duas histórias tão distantes se tornaram entrelaçadas e pergunta: não seria bonito pensar que durante todo esse tempo existia uma linha invisível prendendo você a mim?, trazendo à tona as ideias de destino e alma gêmea. Todos os erros e sofrimentos do passado, ela reflete, a trouxeram aqui. O que, é claro, é parte do ato de narrar — é impossível saber se, caso alguns fatores no meio do caminho tivessem sido diferentes, o destino seria o mesmo. Mas não é bonito pensar que sim?, ela nos pergunta, e também nos desarma, porque a pergunta também mostra que ela sabe que sua narrativa é mera expressão de um desejo de trazer sentido àquilo que viveu. Nós contamos histórias a nós mesmos para viver, afinal.

Taylor Swift

Ouvindo folklore, é impossível não pensar em canções (algumas delas de muito sucesso) que Taylor um dia escreveu. O triângulo amoroso que recebe voz alternadamente em “cardigan”, “august” e “betty” faz pensar nas muitas vezes em que Taylor cantou a partir de uma única perspectiva em meio a tantos outros triângulos: a da menina traída (“Should’ve Said No”), a da menina que foi trocada por outra, que ela descreve como “mais conhecida pelo que faz no colchão” (a já citada, e erradíssima, “Better Than Revenge”), a da menina que gostaria que seu amigo largasse a namorada ao perceber que seu lugar é com ela, o eu-lírico (“You Belong With Me”). Ninguém mais tem espaço para falar nessas narrativas — o que não é um problema, é uma escolha. Em folklore, a escolha é diferente (e bastante nova para a obra de Taylor): Betty tem espaço para estar machucada e para afirmar que quando você é jovem eles presumem que você não sabe nada, mas que ela sabia uma porção de coisas; por outro lado, James se desculpa dizendo que não sabe nada, ele só tem dezessete anos. Múltiplos pontos de vista não necessariamente tornam uma história mais rica — isso vai sempre depender do artista por trás —, mas eles têm potencial para enriquecer uma narrativa e, aqui, é o que eles fazem.

Enquanto não faltam especulações internet afora sobre em que medida folklore reflete ou não o status do relacionamento extremamente privado de Taylor com Joe Alwyn (o “você” das canções mais tristes seria ele? Estaria Taylor grávida? Seria ele o misterioso “William Bowery que aparece nos créditos de “exile” e “betty”?), o álbum lembra a todo o momento que interpretações muito literais e muito autobiográficas dessa vez são desencorajadas — um movimento interessante vindo de uma artista que revelou no começo do ano, em seu documentário, a extensão do sofrimento que sua vida muito pública e muito dissecada já causou a ela.

Dessa vez, o jogo público mudou de ares, porque não houve tempo para a construção de uma persona tão intricada, e a música teve absoluta precedência. Seria ingênuo acreditar que Taylor Swift já não se importa mais com charts e números (quer dizer, ela lançou oito versões do disco que só estariam disponíveis para venda durante uma semana, mais oito vinis, mais uma fita cassete), mas as condições de lançamento foram outras. Enquanto Taylor parecia se aproximar do público ao abrir mão da construção tão metódica de um contexto de recepção maior, as letras parecem criar algum afastamento. Não um afastamento emocional — há emoções muito fortes ao longo das dezesseis canções —, mas já não parece tão importante que elas sejam de interpretação tão fácil, ou que sejam sobre “Tay” ou “Adam” ou “maple lattes”.

Não temos como saber se folklore marca uma guinada definitiva na carreira de Taylor ou se será um trabalho único, marcado pelo contexto da pandemia que vivemos em 2020, num estilo musical ao qual ela não retornará mais. E isso na verdade não importa: em tudo que se propôs a fazer até hoje, Taylor fez um trabalho bem feito. Mas folklore traz, dentre todos os seus álbuns, a letrista mais madura. Seja lá para que caminho o pós-pandemia levará as canções de Taylor Swift, espero que ela leve consigo a perspectiva (ou melhor, as muitas perspectivas) que adotou em seu trabalho mais recente. Com “Daylight”, Taylor fechava Lover dizendo que queria ser definida pelas coisas que amava, não pelo que odiava, não por aquilo de que tinha medo. Quem ou o que Taylor ama mudou ao longo dos anos, e nós a acompanhamos nesse processo. Mas seu amor evidente por contar histórias transparece desde os primeiros versos de “Tim McGraw” e, para além da vida de Taylor Swift, a persona que se construiu diante dos holofotes, existe um mundo enorme de histórias para ela nos contar.


** A arte em destaque é de autoria da editora Ana Luíza. Para ver mais, clique aqui!