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folklore, as histórias confortáveis e familiares de Taylor Swift

“Minha intuição me diz que se você faz algo que ama, simplesmente dê ao mundo.”

Foi assim, em um post em seu Instagram nas primeiras horas de ontem (23 de julho de 2020, caso você esteja lendo esse texto no futuro), que Taylor Swift resolveu anunciar que o novo disco, folklore, estaria disponível hoje. Pra combinar com 2020, esse ano atípico na vida de todo mundo, Taylor nos dá um motivo para abraçar as incertezas com relação a tudo que estamos vivendo — “[esses tempos] segue me lembrando que nada é garantido“, diz ela também no mesmo post do Instagram.

Junto com o anúncio, ela não poupou informações: avisou que o disco contaria com dezesseis faixas na versão standard, com uma faixa bônus na versão deluxe, oito versões de disco comum, oito versões de vinil e uma versão em fita cassete. Cada versão tem suas próprias fotos, capa e encarte. O disco, produzido em isolamento, contou com a colaboração de Aaron Dessner (da banda The National), que co-escreveu com Taylor onze das dezesseis músicas da versão standard, Bon Iver, banda que co-escreveu “exile” e também canta na faixa, e o já conhecido do fandom, Jack Antonoff. folklore é o segundo álbum de Taylor cujos direitos são 100% dela. A disputa de Taylor começou em julho de 2019, quando a Big Machine Records, ex-gravadora da cantora, foi comprada pela gravadora de Scooter Braun, levando-o a adquirir também os direitos das músicas dos primeiros seis discos de Taylor — discos que ele se recusou a vender na ocasião. Em entrevista na época de Lover, Taylor chegou a dizer que pretende regravar todos esses seis discos.

Se em seus posts do Instagram Taylor diz que está pronta para abraçar a incerteza do “novo normal”, seu trabalho em folklore em contrapartida ainda é extremamente confiável no sentido de acalentar os fãs com músicas que com certeza vão se transformar no imaginário e no coração de quem as ouvir. “the 1” é como o início de um filme, menos intensa que “I Forgot that You Existed” de seu antecessor, mas igualmente ressignificante. Mais do que revisitar memórias de um relacionamento passado, é uma música que mostra que Taylor não só continua muito apaixonada, sim, obrigada, mas que também mostra o quanto ela aprendeu de uns tempos pra cá — o quanto consertou em si mesma o que podia ser consertado, e o quanto o erro estava no outro, fora de seu controle. A razão para tal paz no coração está na próxima faixa e carro-chefe do álbum, “cardigan”.

E quando eu senti que era um cardigã velho
Embaixo da cama de alguém
Você me vestiu e disse que eu era seu favorito

Como single, essa é a escolha mais segura, por ser forte e ao mesmo tempo sensível, e por ser musicalmente melhor aceita dentro do conceito que Taylor Swift está propondo para o álbum. E isso não é ruim, já que a música é justamente sobre encontrar um lugar seguro, confortável, quentinho. É sobre como conhecer alguém tão intimamente que sua presença é tão confortável quanto as roupas que a gente tem usado em isolamento social. É sobre quando o previsível se torna familiar, e bom.

O clipe é a mais pura materialização do que a música de Taylor é para os fãs, mas não só isso, do que a música num geral é pra qualquer um que precise ouvir: um portal para lugares inexplorados e mágicos, um bote salva-vidas, um refúgio, um cardigã quentinho. Em um post no Instagram, Taylor garante que havia um médico à postos no set de filmagens, as pessoas não se encostaram, e deixa subentendido que não houve equipe de maquiagem: “Eu inclusive fiz meu próprio cabelo, maquiagem e figurino.

Aí vai a mulher mais louca que essa cidade já viu, ela se divertiu muito arruinando tudo” é uma das frases mais marcantes da terceira faixa, “the last great american dynasty”. Se as duas primeiras músicas são sobre o quão familiar e confortável está o lado de dentro, agora a história de Taylor já nos leva pra uma perspectiva de como o instável está do lado de fora. O sentimento é de que a música poderia ser o final da grande festa que ela nos deu em “This Is Why We Can’t Have Nice Things”, como se a letra refletisse os pensamentos de quem a vê de fora — tanto a casa quanto a decadência da última grande dinastia.

exile” é o grande trunfo de Taylor nessa história reflexiva e ninguém melhor que Bon Iver pra acompanhá-la nisso. Musicalmente, a voz mais grossa de Justin Vernon é um grande contraste com a doçura do resto do álbum, e pode soar estranho de início, mas o propósito da música aqui é exatamente esse: mostrar que não se vive uma história só, e que às vezes você precisa parar e ouvir o ponto de vista de outra pessoa por mais que ele contraste com o seu de uma forma esquisita. “Você era minha cidade e agora estou exilado” e não dá pra deixar de pensar em uma das pessoas que saiu da festa e agora vê tudo passar de longe. O que era familiar, nessa narrativa virou memória — “eu não sou mais problema seu, então quem eu estou defendendo?

O grande ponto alto de “exile” é a briga que vai e volta — “você nunca me deu um sinal” versus “eu dei tantos sinais!”—, o que nos faz pensar sobre como a falta de diálogo prejudica qualquer relação que seja. Não por coincidência “my tears ricochet”, a música seguinte, é muito sobre não se sentir compreendida, e muito sobre o sentimento de satisfação ao saber que a mesma falta de paz também está no outro. Sobre não conseguir deixar ir apesar de se ver morta nas memórias de outra pessoa, mas ao mesmo tempo estar presente em tantos pequenos sinais e lágrimas compartilhadas. Um fantasma de conversas inacabadas que não conseguem fazer sua passagem, por estarem incompletas, e por serem remoídas constantemente.

“mirrorball” é a música “feliste” do álbum — batida feliz e letra triste —, e conta um filme que já vimos muito: se esforçar, em um relacionamento, para exaltar tanto o seu melhor quanto o da outra pessoa, ser quem ela precisar que você seja, ainda (e especialmente) que não seja de todo você. Na música, Taylor canta sobre continuar na corda-bamba se esforçando pra fazer a outra pessoa rir, sobre não ter um dom natural de nada mas tentar muito, sobre manter seus olhos grudados nela.

O maior folclore de todos do disco talvez seja “seven”, que nos dá um vislumbre de como era a mini-Taylor. É claramente muito pessoal, mas se propõe a pintar uma imagem que não tem exatamente uma forma e sim um sentimento. É uma ode ao seu passado e que remonta em nossas cabeças o que ela sentia sobre cada pessoa que passou pela vida dela aos sete anos, nos ajudando a entender que nada é efêmero quando se é uma criança e tudo é impressionante e novo. Você pode esquecer fisionomias, mas nunca vai esquecer como uma pessoa fez você se sentir. E falando em efemeridades, “august” pode até continuar a falar sobre como pequenos momentos e garrafas de vinho passam rápido, mas a melodia e a mensagem são as coisas que mais ficam e a música é um presente, uma das maiores forças e personalidades do folklore. Ao mesmo tempo que ela canta que “você nunca foi meu”, ela canta “você só foi meu para que eu pudesse perdê-lo”.

“this is me trying” marca a metade do disco e também a mudança de tom da história, que passa a ser de melancolia — ainda otimista, mas uma melancolia no final das contas. Essa é uma daquelas músicas que você termina de ouvir até meio sem fôlego, e que fala sobre coisas que a gente não quer ouvir: sobre saber que nem sempre o brilhante é suficiente, nem sempre a solução pra tudo é estar presente e sim saber o que dizer, mas que o importante no final das contas é tentar. E tentar também quer dizer que às vezes a gente vai tentar errado, como contado em “illicit affairs”, e vai insistir em algo que todo dia morre de milhões de jeitos diferentes.

“Um conto que se torna folclore é aquele que é passado pra frente e sussurrado pelos cantos”, Taylor diz na carta aos fãs. Grande parte do folclore das nossas próprias vidas é feito de experiências e amores que revivemos de tempos em tempos. O principal denominador comum na fórmula mágica dessa equação é o tempo, e não tem música melhor para isso que “invisible string”, um conto sobre ainda estar ligado a algo ou alguém por um fio invisível, e mesmo assim aceitar que já foi.

A perspectiva de fora volta em “mad woman”, e é um grande alívio perceber que sempre que Taylor Swift se descreve como uma mulher louca, dá pra saber que ela está falando sobre como as pessoas ao redor a enxergam assim, e quem são os verdadeiros culpados por ela estar louca. Em “epiphany” ela continua falando sobre sua própria vida como se a visse de fora, um exercício, como tirar uma lição de um acidente terrível que está acontecendo e que você não consegue parar de ver.

A pior coisa que eu fiz
Foi o que eu fiz com você

Assim como no disco antecessor, a Taylor que a gente vê é a Taylor que possui não apenas os direitos das próprias músicas como a que assume os próprios erros, e como se o disco inteiro não fosse uma confirmação disso, ela faz questão de escrever uma longa carta de desculpas em “betty“. Nos apegamos aos amores de Taylor sem perceber que a reduzimos apenas a isso, mas uma vida é recheada de muitas histórias que a gente não entende na hora, só entende depois, quando tudo vira folclore.

Cantar sobre seu eu-jovem é cantar sobre se perdoar, sobre colocar pontos finais em suas próprias dúvidas. “betty” cumpre muito bem esse papel, pois além de poder ser um grande exemplo do que o disco é musicalmente, ele carrega todas as visões que Taylor já mostrou durante todas as músicas que vieram antes: a visão de alguém de fora (que espalha rumores), a visão dela própria (que não entendia muito bem o que estava fazendo), e a visão da pessoa atingida (a Betty, que foi machucada e precisou seguir em frente).

peace” e “hoax” são as últimas páginas de uma série de histórias que foram contadas perfeitamente. Nelas, Taylor Swift faz duas promessas a si mesma: na primeira, ela promete falar tudo que tem pra falar sempre, dar o silêncio que apenas duas pessoas que se entendem intimamente conhecem, nunca mais se esconder ou se podar — como se ela nos avisasse que um disco como esse não vai acontecer de novo. Não haverão mais sentimentos guardados a serem remoídos. Na segunda, ela promete a si mesma não mais acreditar no que dizem de fora, e ao mesmo tempo parece que ela fala sobre outra pessoa e sobre si mesma. Não precisa necessariamente focar suas atenções em outra pessoa para não prestar atenção no barulho que vem de fora, você pode apenas olhar para o próprio reflexo no espelho.

folklore é um álbum que se compromete a contar histórias fantásticas sobre pessoas como eu, como você, como ela mesma. Em suas próprias palavras, “me vi escrevendo não só as minhas próprias histórias, mas também histórias sob perspectivas de pessoas que eu nunca encontrei, pessoas que conheci e pessoas que eu queria não ter conhecido.” Parece até falso e programado que em um momento onde precisamos olhar tanto para o outro e ter empatia pelo outro, que esse álbum fale tanto sobre outros olhares, mas dizer que isso nunca fez parte da composição de Taylor Swift seria mentira.

O que mais aproxima Taylor de seus fãs é a admiração que ela tem pela capacidade deles de pegar uma música composta por ela e a ressignificar completamente. O que quer que ela tenha sentido ao escrever, é só dela, e o que o fã entende, é só dele. A experiência de cada um é diferente, e isso se dá não só pelo fato do sentimento musical ser universal mas também por ser uma evidência de quão puras e maleáveis são suas composições.

Como lugares seguros e familiares do nosso próprio folclore pessoal.

5 comentários

  1. Oie, queria comentar de alguns pontos do texto, por favor não leve como ofensa pois não é minha intenção.

    1. Existem três personagens criados pela Taylor e eles tem três músicas distintas mostrando seus respectivos pontos de vista, Taylor inclusive se referiu a eles como “jovem triangulo amoroso” que não tem nada a ver com ela. Ela explicou no chat da live de Cardigan. Os personagens são Betty (Cardigan), James (Betty) e a “amante” (August). Cada música dá a versão deles do fato. a traição.

    2. Bon Iver é uma banda, no texto parece que é um cantor.

    3. No prólogo do álbum Taylor dá a entender que nem tudo é sobre ela, mas sim sobre personagens e pessoas que ela conheceu. Por exemplo em Epiphany ela fez inspirada pelo avô dela que foi médico na segunda guerra mundial e aparentemente faz um paralelo com o que os médicos atualmente tem enfrentado com o Covid-19, não é sobre a vida dela.

    4. Cardigan não é uma música de amor, é a versão da Betty revisitando os momentos bons, mas sabendo que aquilo acabou. Tanto que ela fala na letra “ir atrás de duas garotas, perder a certa”. A música não é sobre encontrar um lugar seguro, confortável, quentinho, é sobre ser traída mesmo quando você achava que era valorizada e amada.

    5. “invisible string um conto sobre ainda estar ligado a algo ou alguém por um fio invisível, e mesmo assim aceitar que já foi”. A música é sobre ela e o Joe, fala como eles já estiveram nos mesmo locais, mas não ao mesmo tempo, como se um fio invisível os unisse. Ninguém se foi já que eles continuam juntos. Ela cita inclusive “cordas erradas me levando ao bar” em inglês ela diz “dive bar” que provavelmente é o “Dive bar on the East Side” q ela cita em Delicate de quando começou a se encontrar com o Joe. Ela tam´bém cita uma viagem que fizeram juntos, no aniversário de 3 anos de namoro, para os “Lakes” que provavelmente é referência a música The Lakes que tá no deluxe. “A jornada foi um inferno (os ex), mas me trouxe o paraíso (a vida agora com o Joe)”.

    6. The Last Great American Dynasty é sobre Rebekah Harkness, a antiga dona da casa da Taylor em Rhode Island, no finalzinho da música a Tay se compara a ela, mas a letra quase toda é sobre a história de vida da Rebecak

    1. Oi Fran! Agradecemos o comentário! Só gostaríamos de deixar assinalado que esse texto foi publicado na manhã de lançamento do álbum, portanto está repleto das sensações que a Duds teve ao ouvi-lo pela primeira vez. Depois foram saindo mais informações a respeito das composições e sobre o que Taylor queria dizer com cada uma delas – mas no momento da publicação desse texto, éramos só sentimentos. Um beijo!

  2. Complementando o comentário do colega ali em cima, tem músicas como Mirrorbal que falam sobre uma angústia em se manter relevante, mesmo que isso às vezes machuque por dentro. Ela fala um pouco sobre essa questão no Miss Americana, que talvez o tempo dela na indústria estivesse acabando, por estar com 30 anos e tal. E Epiphany conta a história do avô dela, que participou da 2 guerra, mas também dos profissionais do Covid. My tears ricochet e Mad Woman falam sobre as tretas com o Scooter Braun e Scooter Borchetta. Sempre curto as análises de vocês, mas acho que nessa faltou um pouquinho de pesquisa…até sobre coisas que a própria Taylor e o Aaron Dessner já falaram sobre as músicas.

    1. Oi Gabriela! Obrigada pelo comentário! Só gostaríamos de pontuar que esse texto saiu na manhã do lançamento do álbum. Hoje já temos mais informações a respeito das sensações e das histórias que Taylor queria contar com o álbum, mas no dia em que a Duds publicou o texto foram com as primeiras impressões dela. Como a própria disse, “a experiência de cada um é diferente, e isso se dá não só pelo fato do sentimento musical ser universal mas também por ser uma evidência de quão puras e maleáveis são suas composições.”. Um beijo!

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