Não lembro exatamente como conheci Gwen Stefani, mas lembro qual foi a música que me apresentou a ela, e ela ao mundo. Apesar de na época o No Doubt já existir e estar na estrada desde 1987, foi com a baladinha sofrida “Don’t Speak”, lançada em 1996, que todos conheceram o potencial vocal e letrista da banda e, mais especificamente, de Gwen.
Eu era adolescente quando tivemos nosso primeiro contato. Como pouco drama é bobagem, abracei “Don’t Speak” como se fosse para mim e com a letra recortada de uma revista para meninas da época, cantei com meu inglês estrambólico todos os seus versos raivosos. Me encantava ter uma música tão forte e expressiva para ouvir, principalmente porque a música em questão era cantada por uma garota como eu. Quando assisti ao vídeo de “Don’t Speak” pela primeira vez na MTV, fiquei ainda mais hipnotizada pela canção e, obviamente, por Gwen Stefani. Me deixava arrepiada vê-la exorcizando todos os seus demônios bem ali na frente de seu ex-namorado, destinatário da música e companheiro de banda, Tony Kanal.
Desde aquele encontro predestinado, eu e Gwen andamos de mãos dadas. Ela se transformou em um ícone de estilo e atitude, alguém em quem eu me espelhava mesmo que não tivesse coragem (ou vontade) de platinar os cabelos ou deixá-los cor de rosa. A força de Gwen, uma mulher à frente de uma banda de rock, me fazia admirá-la e compreender que o girl power era real e muito importante. Nos anos 1990, Gwen e o No Doubt se transformaram em unanimidade quando o assunto era bandas de rock com vocais femininos: você até poderia se lembrar de outras cantoras da época, mas Gwen Stefani e sua voz característica eram singulares. Com seu visual, sua atitude e músicas autorais, Gwen entrou para ficar na história da música e continua servindo de inspiração para milhares de pessoas mundo afora.
O álbum que alavancou o No Doubt para a fama mundial foi o terceiro lançado pela banda, Tragic Kingdom, de 1995. Além de contar com a já citada “Don’t Speak”, é nesse álbum que nos deparamos com o lado feminista de Gwen. Por meio de sua autoral “Just A Girl”, Gwen grita a quem quiser ouvir sobre como está cansada dos estereótipos com os quais as mulheres têm de conviver o tempo inteiro e, para uma canção escrita nos anos 1990 dá para dizer que ela, infelizmente, permanece atemporal. Os versos da letra de Gwen, embebidos em um sarcasmo feroz, fazem pouco da ideia que os homens têm de que são responsáveis por nos proteger como se fossemos frágeis e fáceis de quebrar. É até um pouco triste notar que todos os versos de Gwen, escritos vinte anos atrás permanecem tão atuais. Os tempos são outros, mas meninas ainda são ensinadas a sentirem medo ao fazerem coisas simples sozinhas como se, apenas por serem garotas, não pudessem ir e vir como quisessem. Em tradução livre, ela canta “Sou uma garota, uma pequena garota/ Não me deixe fora da sua vista/ Sou apenas uma garota, pequena e delicada/ Então não me deixe ter algum direito.
“I’m just a girl, little ‘ol me
Don’t let me out of your sight
I’m just a girl, all pretty and petite
So don’t let me have any rights”
Outro trecho da música exalta como Gwen (e todas nós, diga-se de passagem) está cansada de ser julgada ou tratada como se fosse de porcelana apenas por ser uma garota. E apesar de toda garota comum conseguir se ver na letra de “Just A Girl”, a música fala de perto com a situação que Gwen vivia à época como mulher em um banda de rock nos anos 1990. Em um cenário dominado por homens, Gwen provavelmente teve de encarar a dificuldade de não ser vista como igual por eles durante um longo período. Em seus versos repletos de sarcasmo e ironia ela consegue demonstrar sua insatisfação com a diminuição das mulheres na música, exemplifica como está cansada dos estereótipos de gênero e como a visão dos homens em relação às mulheres é retrógrada, e ainda ajuda a cimentar para sempre seu lugar na história da música por meio de versos de empoderamento feminino.
Após o estouro de Tragic Kingdom, a banda saiu em turnê arrastando multidões por onde passavam. Lançaram outros dois álbuns, Return of Saturn em 2000 e Rock Steady em 2001, para depois entrarem em um hiatus que só terminou com o lançamento de Push and Shove, em 2012. Durante esse período de pausa todos os membros da banda se dedicaram a outros projetos. Gwen aproveitou a pausa da banda para investir em sua carreira solo com músicas mais pop e dançantes, diferentes das músicas escritas para o No Doubt. Seu primeiro álbum solo, Love. Angel. Music. Baby. veio repleto de músicas que logo se tornaram populares, tais como “What You Waiting For?”, “Rich Girl” e, claro, “Hollaback Girl”. Essa música, inclusive, é outro exemplo de empoderamento visto que Gwen canta, basicamente, que não levará desaforo para casa. Em 2014, em uma nova empreitada solo, Gwen lançou Spark the Fire que, novamente, exalta o poder das garotas embalando sua mensagem em uma música pop com batida marcante que é para ninguém esquecer.
“Let’s go hard, let’s go hard, hard as can go
It is time for the girl species to grow
2015, we take off our shell (hey)
I am a Libra, let’s balance the scales
Lol, the world should get ready
Cuz we will prevail”
E como ser uma estrela da música não é suficiente, Gwen mostra que pode ser líder de banda de rock, esposa, mãe e empreendedora. Uma “função” não limita a outra e ela arrasa em todas elas. Durante seus anos com o No Doubt, Gwen acostumou-se a confeccionar e escolher suas roupas de show, então criar uma linha própria de roupas, a L.A.M.B., parece ter sido apenas o caminho natural de algo que ela realmente gostava de fazer. A partir da L.A.M.B. despontou logo em seguida a Harajuku Lovers que tem todo tipo de item fofo e fashionista, bem ao estilo Gwen Stefani de ser. Como se não bastasse ter assegurado seu lugar na história da música, Gwen também deixou sua marca no mundo da moda. Com seu estilo ousado, batom vermelho e cabelo impecavelmente platinado, ela está sempre se reinventando e expandindo seus negócios.
É importante ter modelos como Gwen Stefani na indústria da música, do entretenimento e de modo geral. É importante que meninas possam se ver representadas como líderes de uma banda de rock de sucesso, como vocalistas solo, como apresentadoras de reality show, como estilistas, e — por que não? — como mães. É importante saber que podemos ser aquilo que desejarmos ser e que escolher qualquer um desses caminhos, ou todos eles, não nos limita, mas expande. E isso Gwen canta em outros versos, “arrisque, você pode crescer. O que está esperando?”
“Take a chance cause you might grow
What you waiting for?”