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Odiar Crepúsculo é tão 2010

Edward Cullen foi o meu primeiro amor. Eu tinha doze anos quando minha irmã comprou a saga em alguma revista de perfumaria. Meus pais nunca foram leitores e não existiam outros livros em minha casa além dos didáticos. Crepúsculo foi meu primeiro e mais arrebatador romance. Devorei suas páginas em dias, sempre sedenta pelos próximos capítulos. Bella e Edward iam comigo para cima e para baixo, eu sempre engolia uma página ou outra entre as aulas. Gostar de Crepúsculo era fácil. Porém, esconder essa paixão era difícil.

Eu não contava aos meus amigos sobre como Edward era doce e poético, sobre como sua pele assemelhava-se a diamantes. Eles não sabiam sobre os pôsteres do McFly nas paredes de meu quarto, sobre as revistas Capricho em minha cabeceira, ou sobre minhas fanfics com o One Direction. Não, eles não podiam saber. Eram segredos sórdidos, cuja única testemunha era meu pequeno diário cor-de-rosa. E bem, eu tentei odiar Crepúsculo como os meninos da minha turma faziam com tanto afinco. Aliás, boa parte de minha adolescência foi uma frustrada tentativa de odiar minhas paixões. Porque amar vampiros que reluziam contra a luz do sol era coisa de menininha. E eu não queria ser uma menininha.

Após Crepúsculo, vieram outros. Bella Swan me apresentou Shakespeare e Emily Brontë. O hábito que adquiri com meu primeiro livro permaneceu durante todo o colégio: sempre havia um livro em minha mochila durante as aulas. Clássicos, como Orgulho e Preconceito e Mulherzinhas, eram elogiados pelos meus professores, eles não me repreendiam quando os livros tinham para lá de um século. Porém, comédias adolescentes não me rendiam os mesmos louvores. Minha professora de português do oitavo ano chamou O Diário da Princesa de literatura vazia. E era, na verdade. Entretanto, isso não era um problema, como minha professora expressava em suas palavras.

Existe uma verdade enraizada no conhecimento comum: a de que brasileiros não leem. Uma grande mentira, aliás. Lemos em diferentes formatos, crescemos acompanhando Mônica e Cebolinha, assistimos clássicos literários às noites, como Gabriela e Dona Flor e Seus Dois Maridos, importantes livros escritos por Jorge Amado e adaptados para a televisão e para o cinema. Estamos acostumados com esta literatura fácil, onde conseguimos nos identificar com os personagens e digerir o enredo sem percebemos. Essas literaturas de massas, comumente ridicularizadas, possuem um papel fundamental na construção de uma sociedade leitora. Li Crepúsculo com tanto afinco porque enxergava parte de mim em Bella Swan. Uma literatura adolescente, autoras como Paula Pimenta e Carina Rissi, constroem uma identificação em seus livros, facilitando o hábito, tornando possível tomar gosto pela leitura. Jovens brasileiros leem. Leem livros, leem gibis, leem novelas, leem séries, leem fanfics. E são estas literaturas vazias que formam uma base para a leitura de clássicos, como O Senhor dos Anéis.

Mesmo dezessete anos após o lançamento do primeiro volume da saga, os vampiros com pele de diamante ainda são lembrados com amargor por boa parte do público masculino. E sendo a obra um romance voltado para um público feminino e adolescente, fica fácil entender a aversão que muitos homens possuem sobre o livro. Existe um silencioso, porém poderoso pacto social decidido a menosprezar coisas que possuam um apelo maior para mulheres. Meninos apaixonados por times de futebol são torcedores, admiradores quando muito. Garotas aficionadas por bandas, ou por livros, são fangirls, obcecadas e loucas. O dicionário Aurélio define fã como um admirador exaltado de certo artista, categorizando a palavra como um adjetivo de dois gêneros. O termo, porém, costuma estar associado a mulheres, sempre pejorativamente. “As pessoas me chamam de louca. É compreensível; fangirls sempre tiveram uma má reputação. Eles dizem que somos esquisitas, histéricas, obcecadas e estúpidas. Mas essas pessoas não entendem. Apenas porque eu amo muito alguma coisa não significa que eu sou louca”, escreveu Goldy Moldavsky no livro Kill The Boy Band.

Produtos criados, escritos, voltados para mulheres são odiados por homens e Jill J. Avery, professora de administração de empresas na Harvard Business School, nomeou esse ódio como contaminação de gênero. Avery explica que “a contaminação de gênero ocorre quando um gênero está usando uma marca como símbolo de sua masculinidade, ou feminilidade, e a incursão do outro gênero na marca ameaça isso”. Ela estudou o caso do Porsche Cayenne, lançado pela empresa em 2002 e que sofreu uma enorme rejeição masculina por ser um SUV, um carro associado às mães, na época. Mesmo a Coca-Cola sofreu com a contaminação de gênero: as suas latas de Coca-Cola Zero deixaram de ser prateadas e tornaram-se pretas para conseguir um apelo maior no público masculino, uma vez que o produto era consumido, em sua maior parte, por mulheres.

Katrine Marçal, por sua vez, citou a contaminação de gênero narrando um encontro com Harry Styles na coletiva de imprensa do filme Dunkirk, onde o cantor foi o único a perceber que as mulheres da sala estavam com frio e pediu para aumentarem a temperatura. Mesmo que o exemplo pareça simples, ele diz muito sobre como Styles lida com a tal contaminação de gênero. Quando questionado pela Rolling Stone sobre a pressão para provar-se como um músico sério para um público adulto, ele respondeu “quem pode dizer que meninas que gostam de música pop tem um gosto musical pior do que um cara hipster de trinta anos? Isso não cabe a você dizer. […] Garotas gostam de Beatles. Você vai me dizer que eles não estão falando sério?”. Anos depois, Harry não apenas foi o primeiro homem a estampar sozinho a capa da Vogue norte-americana, como usou um vestido na ocasião, gritando de maneira óbvia que ele não temia que sua imagem fosse “contaminada” pelo feminino.

O estereótipo das fangirls histéricas, aliás, afetou a carreira do músico ainda em seus tempos de banda. O documentário Crazy About One Direction, lançado pela emissora britânica Channel 4 em 2013, acompanhou fãs que apresentavam comportamentos tóxicos, como ameaças de morte a Taylor Swift, namorada de Harry na época. As hashtags #ThisIsNotUs e #Channel4ThisIsNotUs tomaram os primeiros lugares nos Trending Topics do Twitter. Em sua resposta, o This Is Us, documentário oficial da banda, trouxe o neurocientista Stefan Koelsch para explicar que assim que as fãs ouvem a música, seus cérebros liberam dopamina, a substância responsável pela sensação de felicidade. Koelsch afirmou que tremores, arrepios e prazer intenso são sintomas comuns e não determinam loucura, apenas mostram um estado de euforia.

Crepúsculo

Mulheres representavam, em 2009, 80% do consumo no país. Fossem os Beatles ou Star Trek, seja o recente fenômeno do true crime, o público feminino determina o que se torna tendência — do barbiecore às fanfics. Sendo, portanto, a maior parcela do público composta por mulheres, o senso comum tende a menosprezar e transformar em piadas produtos populares. Essa contaminação de gênero deixa a mostra, sobretudo, uma violência de gênero. Homens cis acreditam reger o mundo desde os primórdios. Clássicos são clássicos por possuírem um maior apelo masculino e, portanto, produtos femininos são frequentemente considerados leituras vazias. Por isso, não importa quanto tempo passe ou quantas protagonistas como Bella Swan apareçam, ou quantos homens doces como Edward Cullen sejam escritos: eles sempre serão tratados como uma minoria ridicularizada.

Em um tweet viral recente, um autor brasileiro conta que sempre pergunta sobre O Senhor dos Anéis para um fã de Crepúsculo quando o encontra e, em um tom vexatório, questiona porque boa parte diz não ter entendido a obra. Ora, Crepúsculo foi feito para mulheres. Logo, uma literatura vazia. E sendo a obra de Tolkien escrita por um homem para outros homens, ela deve ser uma obra mais inteligente. Porém, como Robert Pattinson disse em uma entrevista de divulgação para o filme Batman, não é mais legal odiar Crepúsculo. Além disso, Stephenie Meyer não escreveu seus livros para serem O Senhor dos Anéis, ou qualquer outra obra. Nem tudo precisa ser Tolkien. E ainda bem que nem tudo é Tolkien.

6 comentários

  1. Que lindo❤️
    Eu nunca entendi o apelo em odiar alguma coisa só porque a maioria gosta, por melhor que a obra seja. “Não sigo modinha” parece uma frase que neutraliza o tipo de comportamento citado no texto, pelo menos na cabeça das pessoas que a usam até cansar a voz.
    Já perdi as contas de quantas vezes ouvi essa frase esdrúxula. Mas, quer saber? Podem falar o que quiserem sobre Crepúsculo. Não vai alterar o peso que a saga teve na vida de muita gente, cujas portas da leitura se abriram ainda mais. Recentemente eu finalizei Vida e Morte e nunca fiquei mais curiosa do que agora para ler 20 mil léguas submarinas, livro favorito do protagonista.
    Amei o artigo❤️ me sinto muito menos sozinha agora

  2. Eu amo crepúsculo! Eu tinha 29 anos Qdo eu conheci a saga. Foi meu 1° romance. Eu já lia, mas nem tanto. Brasileiro não lê mais porque livro é caro. Tem lançamento a R$59! Eu li muito gibi da turma da Monica, lia revistas e jornais emprestados. Livro não tanto por falta de $ mesmo. Na minha fase adulta pós crepúsculo, enchi minha biblioteca de livros e tenho orgulho dela, mesmo com alguns livros de romance. Tenho meu Senhor dos Anéis, e amo essa saga pelos filmes, mas ainda não li os livros. Em breve.
    Eu já era uma adulta qdo Crepúsculo bombou, e vi o preconceito bater a porta. Ainda mais por conta da minha idade, na época. Crepúsculo era tudo como livro adolescente aqui no Brasil, qdo lá fora era lido por pessoas com + de 30, + de 40. Não tinha preconceito qto a isso.
    Sobre os garotos, eles ficam loucos com jogadores de futebol? Que moral eles têm pra falar de uma fangirl? Eles brigam e tudo por causa do esporte. Até se matam! Não vejo fã de artista brigando com a outra não!
    Eu sou fã dos Backstreet boys tbm, então eu sei que lá garotos ficavam com ciúmes deles, pois a gente só falava de Backstreet boys. Então, qdo um homem falar qqr coisa, é puro despeito. É ciúme. Eles queriam atenção e a gente tava procurando um Edward em tudo e todos. Pode passar a observar! Ciúme dos grandes!

    Homens, eternos meninos!

  3. Achei o texto fantástico. Só não acho que Tolkien escreveu O Senhor dos Anéis apenas pra homens, considerando todas as personagens mulheres extremamente empoderadas na trama.
    No mais… Também considero que nem todo entretenimento tem necessidade de ser tão edificante assim… Pode ser só uma história gostosa de ler que relaxa a cabeça dos problemas do dia a dia. Isso não só é bom como muito saudável. Eu leio de Crepúsculo a Edgar Alan Poe sem torcer o nariz. Concordo com sua professora: não tem NADA de errado com leituras rasas. ♥️

  4. Cara perfeito sério! Eu adoro crepúsculo e senhor dos Anéis, já achei ambos igualmente perfeitos e sem defeitos, confesso que meus gostos amadureceram com o tempo então hj em dia tem várias coisas que acha defeituosas em ambas as obras pq meus gostos foram se moldando juntamente a minha personalidade, mas isso é muito chato se vc gosta de algo como crepúsculo tu não é capaz de gostar/compreender uma obra tida pela sociedade como “mais complexa”…

  5. Respeito sua opinião, mas não concordo que o menosprezo a Crepúsculo seja por ser uma obra literária voltada para o público feminino, sou mulher e sou tão 2010, não gosto de Crepúsculo, prefiro romances mais envolventes e menos melosos, meus livros favoritos são O morro dos ventos e uivantes e a Ira dos Anjos, quanto a história de vampiros, nada se compara ao filme Drácula de Bram Stoker.
    Um grande exemplo hoje em dia, são esses romances que vexatóriamente são atribuídos ao público feminino, “obras literárias” como Cinqüenta tons de cinza e 365, parecem que estão querendo ridicularizar as mulheres com obras vazias, onde se a mulher não é subjugada, é um objeto, isso que chamo de retrocesso.

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