Categorias: MODA, MÚSICA

Harry Styles não é tão revolucionário

Não é de hoje que acompanho a carreira de Harry Styles. Do X-Factor a One Direction ao hiato do grupo e sua carreira solo e os trabalhos no cinema, Harry pavimentou o caminho para se tornar um dos artistas mais icônicos da sua geração — o que não é de todo uma surpresa. Desde os tempos de One Direction, Harry era tratado como frontman pela mídia e pelos fãs, um termo que, nesse caso, não deveria existir. Se esse seria um privilégio ou um fardo é difícil dizer (muitos inconvenientes recaíram sobre seus ombros), mas não se pode negar que os holofotes renderam bons frutos, muito mais, inclusive, do que para os outros quatro integrantes da banda.

Desde o seu primeiro single, “Sign of the Times”, lançado em abril de 2017, a indústria musical assistiu a ascensão interminável de Harry Styles. Seu autointitulado primeiro álbum estreou como número 1 nas paradas de mais de cinco países, recebeu certificado de platina no Brasil, México, Canadá, Itália, Reino Unido, Estados Unidos e Austrália, e, segundo a Federação Internacional da Indústria Cinematográfica, foi o nono álbum mais vendido naquele ano globalmente, superando a marca de um milhão de cópias.

Fine Line, seu segundo trabalho, lançado em 2019, foi indicado como Álbum do Ano pelo Brit Awards, Álbum Internacional do Ano pelo Danish Music Awards e pelo LOS 40 Music Awards, Melhor Álbum Vocal de Pop e Melhor Álbum de Áudio Imersivo no Grammy Awards. Além das indicações citadas, venceu premiações como Melhor Álbum de Pop/Rock no American Music Awards, Melhor Artista Internacional no ARIA Music Awards e Álbum Internacional do Ano no Juno Awards. Fine Line também garantiu a Harry o topo das paradas em mais de 15 países entre 2019 e 2021, e estreou no número 1 da Billboard 200. Em maio deste ano, o cantor lançou seu terceiro álbum, denominado Harry’s House, estreia marcada pela aclamação da crítica e a inclusão de todas as 13 faixas no Top 30 da Billboard. “As It Was”, single de estreia do álbum, permaneceu por quatro semanas como número 1 no Billboard Top 100.

Harry Styles

Toda a visibilidade e aclamação do público e da crítica fizeram com que Harry se tornasse uma figura icônica no cenário da música pop mundial: em seu crescimento como artista, o cantor desenvolveu uma personalidade expressada não apenas em suas músicas, mas em sua maneira de agir, falar e, principalmente, no modo de se vestir — como o uso de muitos acessórios (com ênfase em colares de pérolas e miçangas), roupas coloridas, estampas e unhas pintadas.

Em novembro de 2020, Styles se tornou novamente assunto global ao ser o primeiro homem a estampar sozinho a capa da revista Vogue dos Estados Unidos. Na ocasião, Harry posou com um longo e esvoaçante vestido azul, o que acendeu uma discussão interminável sobre como seus privilégios o levaram até ali e o permitiam continuar a se vestir e agir da maneira que deseja sem ser silenciado ou massacrado por isso — o que faz bastante sentido.

Não é necessário ir muito longe para notar as referências musicais recentes no trabalho de Styles. “As It Was”, primeiro single de Harry’s House, tem a mesma pegada oitentista encontrada em Dawn FM, do The Weeknd, e Future Nostalgia, da Dua Lipa. Apesar de Harry’s House não ter um apelo oitentista em seu conteúdo integral, “As It Was” é uma excelente jogada de marketing, que se aproveita justamente da onda nostálgica atual. É normal que tenhamos pessoas que sirvam como referência para como nos vestimos, agimos e, no caso de Harry, trabalhamos, criamos. Em 2022 é praticamente impossível criar algo 100% inovador e, mesmo quando tentamos esconder nossas referências, inevitavelmente elas ficam evidentes em algum momento. Não é difícil, então, perceber que a excentricidade das roupas de Styles exala artistas como David Bowie e Elton John. É também possível encontrar traços de influência de Bowie também no processo criativo de Harry, considerando que suas músicas vão de baladas dançantes a canções românticas, ou melancólicas e solitárias. Quanto à desenvoltura nos palcos, notam-se características que remetem a Mick Jagger, vocalista da banda britânica Rolling Stones.

Admito que fico feliz por vê-lo se expressar livremente e fugir da estética bad boy que lhe foi imposta anos atrás. É imprescindível, contudo, que a comunidade que o segue entenda que ele não inventou a excentricidade.

Harry Styles não foi o primeiro homem a usar um vestido na mídia internacional nos últimos anos. Billy Porter, por exemplo, possui um longo histórico de aparições em grandes eventos usando vestidos belíssimos, além de ter uma notável carreira como ator, cantor e cineasta, mas não instiga tantas discussões quanto Styles de vestido na capa da Vogue. Em entrevista ao Sunday Times Style, em 2021, Porter salientou não ter nada contra Styles, mas se mostrou insatisfeito com a decisão da revista, pois se considera pioneiro na moda não-binária (isto é, vestimentas sem definição de gênero) dos últimos anos.

“Sinto que a moda me aceitou porque foi obrigada. Não estou necessariamente convencido e aqui está o porquê. Eu criei a conversa [sobre moda não-binária] e ainda assim a Vogue colocou Harry Styles, um homem branco heterossexual, em um vestido na sua capa pela primeira vez.” — Billy Porter em entrevista ao Sunday Times Style

Considerando os discursos inclusivos de Harry, é preocupante que sua base de fãs ainda utilize discursos que o mantenham no centro de discussões que caberiam melhor a outras pessoas. É importante, claro, que uma pessoa com tamanha visibilidade levante bandeiras como a normatização da moda não-binária, racismo, igualdade de gênero, direito das mulheres e da comunidade LGBTQIA+. No entanto, é também de suma importância que a mídia, tanto quantos os próprios fãs, compreendam a importância do termo local de fala. Harry defende que todos sejam respeitados e felizes pelo que realmente são e, efetivamente, tenta não ocupar um lugar que não é seu, mas as reações exageradas que o envolvem fazem parecer que ele tem propriedade para falar sobre tudo quando, na verdade, está muito longe disso. O que um homem branco, cisgênero, rico, que tem um histórico de relacionamentos públicos com mulheres que seguem determinado padrão estético (brancas, magras e, algumas vezes, com falas e atitudes problemáticas) tem a ensinar sobre preconceito de gênero, raça ou machismo?

Harry Styles

As unhas pintadas também não são exclusividade do britânico. Muito antes, grandes personalidades aderiram a essa quebra de padrões, tais como Kurt Cobain, David Bowie e Ozzy Osbourne. Atualmente, além de Styles, artistas como Adam Levine, A$AP Rocky, Alessandro Michele e Tyler, the Creator já fizeram aparições públicas com as unhas pintadas, enquanto que, nas Olimpíadas de 2021, o pugilista australiano Harry Garside exibiu as unhas pintadas ao avançar para a semifinal em sua categoria. Em entrevista, o atleta afirmou que gosta de quebrar estereótipos: “Eu sou um grande adepto disso. Há muitas pessoas por aí que sentem que têm que ser algo porque são homens ou mulheres. O meu objetivo é apenas ser diferente.” Se tantas celebridades já aderiram ao estilo, qual o motivo de tantos holofotes em Harry?

É preciso lembrar que, apesar de ser uma pessoa de carne e osso, desde sua participação no X-Factor, Harry deixou de ser apenas uma pessoa física para ser, também, jurídica. Seu nome, aparência e maneira de agir publicamente são a sua marca. Fica muito claro que seus posicionamentos são genuínos, mas é impossível não notar que, mesmo quando estes são mais rasos do que deveriam, são tratados pela mídia e pessoas que o acompanhar como uma grande mudança social.

Criticar alguém que admiramos é como arrancar um band-aid rápido demais: dói, mas é necessário. Podemos discordar de falas e atitudes de pessoas que gostamos e isso não nos torna menos admiradoras, muito pelo contrário: admirar é saber que ninguém é perfeito. Essa discussão não começou com Harry Styles e não vai terminar com ele, e justamente por isso é fundamental seguirmos pessoas que apoiam causas pertinentes à evolução social. Mas é ainda mais importante entendermos que ninguém tem propriedade para falar sobre todas as coisas. Para além de dar voz a comunidades invisibilizadas, é essencial respeitar seus locais de fala.

Bianca Smiderle Lemos é jornalista em formação, apaixonada por cultura pop e viciada em dar pitaco em tudo desde criança. Aquela totalmente de humanas que pode dar uma palestra sobre qualquer assunto, mas se assusta com um cálculo simples de matemática básica.

2 comentários

  1. Texto excelente! Eu sou grande admiradora de Styles, mas me incomoda profundamente essa apropriação dele sobre assuntos sobre os quais ele não se aprofunda, como se estivesse mais interessado no Pink e Black Money.
    A seita que o rodeia é extremamente cega e vão na onda de levantar bandeiras de forma totalmente rasa (creio que seja esse o maior defeito da geração Z)
    Volto a afirmar que amo suas músicas e ele é um bom rapaz, tenho certeza que não é a intenção dele ser um ícone de uma geração pois eles mesmo já afirmou que não é (e nem deseja) pioneiro em nada, mas está na hora de começarem a dar voz para quem realmente representa um grupo marginalizado

  2. Literalmente nenhum fã acha que ele é inovador nessas coisas, literalmente nenhum. Só estamos expressando felicidade por ele ser como ele quiser, e isso não é crime. Na verdade, boa parte dos fãs que tem “ reações exageradas”, como foi colocado, fazem parte da comunidade LGBTQIA+ e ficam extremamente felizes em ver seu ídolo os apoiando. Artigo desnecessário que ataca um problema inexistente, não só isso mas também sugere a diminuição e a restrição da demonstração de afeto de fãs para seu ídolo.

Fechado para novos comentários.