Categorias: TV

Verdades Secretas 2: nem tudo precisa de continuação

Quem assistiu Verdades Secretas em 2015 ou na reexibição especial em 2021, provavelmente considera o final da novela como um desfecho satisfatório para a trama ousada de Walcyr Carrasco.

Atenção: este texto contém spoilers!

A morte trágica de Carolina (Drica Moraes), a recuperação de Larissa (Grazi Massafera), o assassinato de Alex (Rodrigo Lombardi) e a revelação de uma nova face de Angel (Camila Queiroz) fizeram jus ao folhetim das onze da Rede Globo, que tanto chamou atenção pelas histórias pesadas, atuações poderosas, trama cativante — livremente inspirada na minissérie Sex Appeal, de 1993 — e fotografia com nuances noir. A maneira diferente de construir uma novela, com um quê de série à la HBO, agradou o público e a crítica, chegando até mesmo a ganhar o prêmio de Melhor Novela no Emmy Internacional de 2016.

Seguindo a prática dubitável que vem assombrando o audiovisual nos últimos tempos, em que séries e filmes nunca têm fim porque seus criadores e estúdios sentem a necessidade de espremer cada gota de projetos que fazem sucesso, Verdades Secretas ganhou uma continuação. Em 2021, Verdades Secretas 2 foi lançada exclusivamente no Globoplay, sendo a primeira novela criada para um streaming. A exibição dos capítulos tentou agradar os maratonistas ao mesmo tempo em que se apegava a suas raízes noveleiras. A cada 15 dias, 10 episódios de cerca de 50 minutos eram disponibilizados na plataforma, permitindo o binge-watching típico do formato, mas ainda mantendo a expectativa que o público sente na TV.

A segunda parte começa com Angel em um acidente de carro. Casada com Guilherme (Gabriel Leone) e mãe de uma criança, fica desamparada quando o marido morre e a deixa sem nada. Com isso, é obrigada a voltar para São Paulo e a assumir a profissão de modelo novamente. Mas tudo se torna muito mais complicado quando descobre que o filho é portador de uma doença grave, o que a obriga a voltar a fazer o Book Rosa para conseguir mais dinheiro para pagar os tratamentos necessários.

Giovanna (Agatha Moreira), no entanto, também volta para o Brasil depois de uma temporada em Paris com o objetivo obsessivo de provar que Angel matou seu pai e finalmente tomar posse de sua herança. Como Alex morreu em uma lancha em alto mar, seu corpo não foi encontrado, o que significa que o processo criminal continua aberto e todos os seus bens estão congelados.

O primeiro ponto de interrogação em relação ao roteiro começa aí. Se ela está tão convencida que a ex-amante de Alex foi sua assassina, e tem uma motivação tão forte quanto uma herança milionária, por que esperou cinco anos — espaço de tempo entre as duas temporadas de Verdades Secretas — para tentar coletar as provas necessárias para mandá-la para cadeia? A morte de Guilherme pode ser uma justificativa, já que isso deixaria Angel mais vulnerável, mas se Giovanna tinha tanta certeza de sua acusação, por que não começou a investigar antes, mesmo que de longe, para ter algum tipo de início?

Giovanna, então, contrata um detetive particular para conduzir a investigação. Cristiano (Rômulo Estrela) é um policial afastado por cometer um erro fatal em uma operação. Com a promessa de recuperar a carreira ao desvendar o mistério da morte de Alex, ele aceita o trabalho e rapidamente inicia um caso com Giovanna. O plano é que ele entre na agência em que Angel trabalha como um modelo qualquer e se aproxime dela para coletar as informações necessárias. Sem muitas surpresas, ele se apaixona por ela.

Angel retorna à carreira como a modelo mais requisitada da agência Blanche Models, tanto como modelo quanto como garota de programa. Em um Book Rosa, conhece Percy (Gabriel Braga Nunes), um empresário que fica obcecado por ela. Com isso, a novela cria dois triângulos amorosos — Giovanna, Angel, Cristiano e Cristiano, Angel e Percy. As relações de Angel com cada um desses homens são perturbadoras. Cristiano é um cara legal no primeiro momento, mas não demora muito para que ele mostre sua possessividade e descontrole. Ele é do tipo de homem que soca a parede quando está com raiva, que mente repetidamente e que chantageia sem remorsos, tudo em nome do “amor”. Com voz mansa e um caráter manipulador, ele é a representação de uma personalidade masculina assustadoramente real.

Percy, por sua vez, é o Christian Grey brasileiro. Ele é rico, poderoso, com fetiches específicos e uma enorme representação errônea do BDSM — conjunto de práticas sexuais que envolve bondage (amarração), dominação, submissão e sadomasoquismo. Em primeiro lugar, o texto de Walcyr Carrasco nunca cita a denominação correta para as práticas do personagem. A novela diz, repetidamente, que ele tem “gostos estranhos”.

Como paga pelos serviços de Angel, ele a obriga a realizar diversos atos de BDSM, o que não é nem um pouco ideal já que ela não é adepta e não sente prazer com isso. Obviamente, isso já mostra que Percy não é uma boa pessoa, já que não se deve forçar qualquer tipo de fetiche em que não o adere. Não há dúvidas de que existem pessoas de caráter duvidoso que praticam BDSM, já que existe gente assim em qualquer meio da sociedade. O grande problema do personagem é que a novela dá a entender que ele é ruim porquê é praticante de BDSM. É como se o roteiro dissesse “é claro que um cara com esse tipo de vida sexual nunca poderia ser uma pessoa do bem”. E isso não poderia estar mais errado, já que o verdadeiro BDSM é baseado em consentimento e respeito.

Cristiano e Percy, por mais diferentes que sejam, têm algo em comum: desejam controlar Angel. Seguindo a primeira parte, Verdades Secretas 2 coloca a personagem como a mulher que deixa os homens loucos. Ela tem um jeito doce, mas se transforma em uma espécie de femme fatale quando quer. Assim como Alex, eles não a veem como uma pessoa, mas como uma coisa bonita e detentora da capacidade de proporcionar prazer e que devem possuir. Para isso, cometem todo tipo de violência emocional e psicológica contra ela. Em certo ponto, os dois dizem que Angel vai aprender a amá-los com o tempo.

Outra trama de suma importância para a novela é o de Lara (Júlia Byrro), irmã por parte de pai de Guilherme. Antes de sua morte, ele sempre oferecia ajuda financeira para ela e sua mãe, Araídes (Maria Luísa Mendonça). Mas isso acaba porque Angel, antes de descobrir que não tinha mais nada, se recusa a continuar com o suporte. A vida de mãe e filha é difícil. Vivendo humildemente em Taubaté, interior de São Paulo, Araídes é casada com Nicolau (Júlio Machado), um homem que a agride e que tem atitudes predatórias em relação à Lara. Em certo momento, ele tenta estuprá-la. Para se defender, ela o mata e a mãe é quem assume a culpa pelo assassinato, sendo, assim, presa em um sanatório. Para conseguir dinheiro para libertar a mãe, Lara parte para a capital para tentar a carreira como modelo, tendo Angel como sua inspiração, mesmo que sustente um forte rancor por ela ter se recusado a continuar ajudando sua família.

O enredo de Lara é um como um dèja vu. Mãe e filha que só têm uma à outra, um padrasto assediador, a luta para entrar no mundo da moda, a eventual introdução à prostituição. Fica muito claro que Lara é um paralelo de Angel — e uma espécie de substituta — apenas com algumas diferenças. Apesar de interessante, a história fica levemente cansativa porque o espectador já viu isso antes, sem contar que a Lara não tem o mesmo carisma de sua antecessora.

Isso puxa uma questão muito incômoda: a repetição. Não apenas de enredos, mas também de falas. A quantidade de vezes que as frases “Eu preciso ficar com meu filho”, “Eu vou controlar a Angel” e “Gostos/fetiches estranhos”, para citar apenas algumas, é exorbitante. A trilha sonora também se torna extremamente maçante. É comum que novelas tenham suas músicas temas, mas o formato de exibição, com um capítulo por dia, não permite que o espectador sinta tanto. No caso de Verdades Secretas 2, que liberou vários episódios de uma vez, ouvir “you should see me in a crown”, da Billie Eilish, e “The Curse”, de Agnes Obel, a todo momento, em todos os capítulos, é intragável.

As cenas de sexo também são elementos que acontecem de novo e de novo e de novo. Em 50 capítulos, há 67 cenas eróticas dos mais variados tipos, nos mais diversos lugares. No começo, é curioso assistir, já que a direção artística de Amora Mautner traz uma estética performática visualmente agradável. Mas pela vigésima cena de Cristiano transando com Giovanna e a décima vez que Angel chora por fazer o que não quer com Percy, o celibato já parece uma boa ideia para o espectador. É uma vantagem que a novela tenha sido lançada no streaming; assim, é possível pular essas partes que logo se tornam desinteressantes e sem nenhuma relevância para o enredo.

Os cenários também são questionáveis. Na primeira parte da novela, a direção artística foi assinada por Mauro Mendonça Filho, trazia ambientações que tinham coerência. A casa de pessoas pobres, por exemplo, realmente passava essa intenção. Nas mãos de Mautner, personagens que se dizem financeiramente debilitados têm apartamentos enormes no centro de São Paulo. O abuso de luzes neon, especialmente na cor vermelha, é desesperador. As luzes vermelhas estão presentes em elevadores, no banheiro de Giovanna, na piscina de Percy e no quarto do filho doente de Angel. É fato que a iluminação dita o tom da obra, como em Atômica e nos filmes da franquia John Wick, mas isso só funciona quando faz sentido. Quando a iluminação no quarto de uma criança com leucemia é vermelha como a de uma casa noturna, fica difícil não torcer o nariz.

As tramas de outros personagens, no decorrer dos capítulos, também se tornam exaustivas. O enredo de Laila (Erika Januza), Ariel (Sérgio Guizé) e Blanche (Maria de Medeiros) se arrasta, embora traga momentos brilhantes para a atuação de Erika Januza — mesmo que sua personagem seja meio unidimensional. Rainer Cadete é ótimo como Visky, proporcionando momentos mais cômicos assim como na primeira fase da novela, mas fica difícil entender como alguém tão conectado a questões sociais da atualidade, que se refere às pessoas com o gênero neutro, seja capaz de tantos comentários gordofóbicos contra Lourdeca (Dida Camero). A trama de Matheus (Bruno Montaleone) é divertida de acompanhar, mas culmina em uma cena estranhamente caricata e anticlimática.

Entre dezenas de furos de roteiro e histórias controversas, o que chamou atenção de verdade foi o relacionamento repentino entre Angel e Giovanna. Todo o ódio que a personagem de Agatha Moreira tinha era, na verdade, amor — mesmo que nenhum mínimo indício dessa paixão tenha sido sugerido antes de mais da metade dos capítulos. Depois de 30 episódios, Giovanna começa a apresentar alguma vulnerabilidade, dando a entender que gosta de alguém e que sua obsessão por Angel é mais profunda. Angel, por sua vez, também dá sinais de que poderia corresponder, como quando ela se cala quando Visky diz que, já que ela não é de fato apaixonada por Cristiano e muito menos por Percy, ela deveria gostar de outra pessoa.

As cenas de Angel e Giovanna tomaram as redes sociais. A cena de sexo é longa e coberta pela perspectiva do male gaze. Os diálogos beiram a comicidade, como é o caso de quando Giovanna diz que nunca vai machucar Angel como os homens fazem, ainda que ela tenha a prejudicado de inúmeras maneiras nos 45 capítulos anteriores. O roteiro mira em um longo enemies to lovers, mas acaba acertando na descrença do público. Apesar de tudo isso, a química entre as atrizes é uma das melhores da obra, tornando as cenas, ao menos, interessantes de assistir.

Em mais um pioneirismo na dramaturgia brasileira, Verdades Secretas 2 lançou dois capítulos finais com desfechos alternativos. No primeiro, Angel embarca no jatinho particular para tratar o filho fora do país, deixando Giovanna para trás, mas é surpreendida por Alex como piloto. No segundo, ele a mata e Giovanna presencia a cena do pai ressuscitado e de Angel em uma poça de sangue.

Os dois finais são ruins pelo simples fato de que Alex está de volta. A morte do personagem na primeira fase foi uma ótima maneira de fechar o ciclo e fazer com que ele pagasse pelo o que fez, além de trazer ainda mais profundidade para Angel. Revelar que ele não morreu é como um retrocesso, ainda mais no segundo final. Matar Angel e manter Alex vivo é apagar a personagem e invalidar todos os abusos e manipulações que ela sofreu, sem contar que não faz o menor sentido. Alex é morto com sete tiros no peito e desovado em alto mar. Não existe possibilidade de que alguém pudesse sobreviver a isso.

Quando a novela ainda estava em andamento, a notícia de que Camila Queiroz foi demitida do projeto, apesar de ainda ter cenas que deveriam ser gravadas, foi um choque. Motivos à parte, esse fato proporcionou muita atenção sobre a novela. Os espectadores ficaram curiosos para ver como a Globo fecharia a história sem sua atriz principal — a solução: computação gráfica, o famoso CGI —, o que resultou em mais de 50 milhões de horas assistidas de Verdades Secretas 2 no Globoplay.

Diante disso, o anúncio de que uma terceira parte já está nos planos da emissora não foi surpresa nenhuma. Agora, o que resta é torcer para que Verdades Secretas 3, no mínimo, sirva para redimir as inconsistências da segunda fase e voltar à qualidade original.


Somos parceiras da Kult, uma plataforma de compartilhamento conteúdos de cultura e entretenimento. Se você gostou desse texto e quiser mais dicas da nossa equipe, clique aqui!

1 comentário

  1. Nossa, concordo com tudo o que foi lido aqui. Assisti ‘Verdades Secretas II’, realmente a gente percebe logo de cara que não tem o mesmo brilho que a primeira parte de 2015 teve. Eles parecem ter priorizado mais as cenas de s3x0, o que não é ruim, do que a história mesmo. Lógico que a primeira parte, também teve cenas ousadas. Mas se formos comparar com a segunda parte… Parece até cineband privê. Eu cheguei a pular ALGUMAS cenas de s3x0, simplesmente porque achei desnecessária, em momentos que não era apropriado, uma vez eu estava assistindo e meu pai entrou na sala, fiquei super constrangida porque na hora rolou uma “cena quente”, por isso eu pulava algumas. Mas uma coisa realmente ninguém pode negar em ‘Verdades Secretas II’, a qualidade está digna de uma série hollywoodiana. As atuações estão maravilhosas, mesmo com o furo no roteiro. Agora aqueles dois finais, estragou tudo. A volta do Alex (Rodrigo Lombardi), foi uma ofensa, um insulto a nossa inteligência. Ele não merecia voltar, pois foi culpado de muita coisa alí. Eu sou super fã da novela de 2015, é raro eu acompanhar uma novela do começo ao fim, mas essa me prendeu do começo ao fim. Assisti a segunda parte, mesmo sabendo da demissão da Camila Queiroz da Globo. Espero que na parte III, tudo se resolva entre a emissora e a atriz Camila Queiroz, para que assim, ela retorne. Pois a personagem Angel, merecia um final melhor que aqueles.

Fechado para novos comentários.