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O Brasil dos privilegiados em Os Coadjuvantes, de Clara Drummond

Terceiro romance de Clara Drummond, lançado pela Companhia das Letras, Os Coadjuvantes (2022) usa do humor para tecer crítica a elite artística brasileira obcecada em preservar as aparências e o status social em um país partido pela desigualdade social e a violência.

A escritora carioca, autora dos livros A Festa é Minha e Eu Choro se Quiser (2013) e A Realidade Devia Ser Proibida (2015), traz como narradora e personagem principal Vivian, uma jovem de trinta e poucos anos que vive entre Rio e São Paulo. Curadora independente, Vivian trabalhou em galerias, museus, ateliês e exposições que lhe garantiram prestígio no meio, porém quase nenhum dinheiro. Ignorar as questões financeiras é um luxo que a personagem pode se permitir, uma vez que é de família rica e o próprio apartamento em que vive, em Botafogo, com porteiro vinte e quatro horas por dia e chão de taco, foi presente dos pais em seu trigésimo aniversário.

os coadjuvantes

Com um passado doloroso que se revela aos poucos, Vivian passeia entre os círculos sociais da alta classe com olhar analítico, sem pudor de apontar as contradições e o forte apego pelas aparências que perpassam todas as relações entre as pessoas dessa camada da sociedade. Sem nenhuma hesitação, Vivian desnuda sua vida no circuito das artes, das festas da alta classe e dos códigos da tradicional família brasileira, sempre ciente das incoerências que norteiam suas vidas. Tudo o que essa elite faz é regida pelo capital social, desde ir à igreja aos domingos, ter amigos gays e comprar obras de arte com críticas sociais. Nada é genuíno, tudo é calculado a fim de mostrar a melhor imagem possível de si mesmo:

“A cada dia aprendo a não mais passar recibo de menina rica. Tenho amigos de todos os tipos e todas as cores, posso ir de canto a canto da cidade, desenvolta, sempre natural, jamais fresca. Não sou burra, sei que se trata mais de capitalização imaterial do que de virtude. Ninguém quer ser a sem-noção que vai à favela, posa para um retrato na frente do barraco abraçando o vendedor de chinelo de dedo e posta nas redes sociais com uma legenda engraçadinha, no fundo ofensiva. Hoje, pelo menos no universo que habito, meus amigos gays têm mais valor de mercado que a herdeira blogueira.”

Embora completamente cínica em relação ao dinheiro da família e desperta para as contradições de sua realidade, Vivian não abre mão dos seus privilégios. A personagem critica e renega sua mãe, figura que exerce grande opressão na protagonista, mas ambas seguem o mesmo ideal narcisista e individualista. Apesar de serem de diferentes gerações e ambientes aparentemente díspares, a mãe em jantares chiques com figuras políticas e Vivian em boates descoladas, ambas pertencem a uma classe que nunca tem o coletivo como pauta, buscando apenas o sucesso e aprovação em seu meio.

Clara Drummond brinca com as expectativas do leitor quando coloca no caminho de Vivian a personagem Darlene, uma mulher simples que vende bebidas em frente ao apartamento da protagonista. Um ato de violência contra Darlene parecia ser o que faltava para colocar o mundo de Vivian em confronto com uma realidade que ela se sente confortável em ignorar. Mas a autora mantém a personagem em seu estado de semiconsciência. Vivian sabe do mal-estar em que o Brasil se encontra e do seu papel na manutenção de um constante estado febril em nossa sociedade, no entanto, ela, assim como os seus semelhantes, segue, passo a passo, uma dança milimetricamente coreografada que mantém as coisas exatamente como estão.

Os Coadjuvantes é um livro enxuto, com pouco mais de 100 páginas, porém é profundo o suficiente para atingir o leitor no estômago. Mas, ao mesmo tempo em que mostra um retrato nefasto da elite brasileira, o faz com muito humor. Tal como a personagem principal de A Pediatra, de Andréa Del Fuego, Vivian não tem filtro algum ao tecer seus comentários, e sua crueza, sinceridade e melancolia compõem o imã que faz com que o leitor não queira desviar da narrativa. Ainda que centrada em pouco personagens, na capital do Rio de Janeiro, Clara Drummond encontrou caminho para retratar uma elite cujos discursos e comportamentos cruzam fronteiras e são encontrados e perpetuados por todo o Brasil.


** A arte em destaque é de autoria da editora Ana Luíza. Para ver mais, clique aqui!

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