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Grid Girls: hipersexualização na Fórmula 1

Quando se pesquisa o termo “grid girls” no Google, encontramos diversas imagens de mulheres exuberantes, em meio aos carros e pilotos, em roupas curtas e coladas ao corpo. Presentes desde o final da década de 1960 em competições automobilísticas, elas, entre suas funções, realizavam presença antes das largadas de cada corrida, acompanhavam os pilotos com um guarda-chuva para protegê-los do sol ou da chuva, além de posarem para fotos com a logo da equipe ou das marcas patrocinadoras do evento. Uso os verbos no passado pois, desde 2018, elas não são mais vistas dentro e fora dos padoques, salvo poucas exceções.

Essa decisão foi tomada em um contexto no qual o movimento #MeToo provocou um aumento nas discussões sobre a situação das mulheres no mercado de trabalho, além de críticas relacionadas à objetificação dos corpos femininos. Ao anunciar o fim da presença das garotas do grid no esporte, um dos chefes da F1, Sean Bratches, explicou que apesar da “prática de empregar grid girls tenha sido um elemento básico de GPS de Fórmula 1 por décadas, […] não acreditamos que a prática é apropriada ou relevante para a Fórmula 1 e seus fãs, antigos e novos, em todo o mundo”. Evidentemente, não podemos deixar de considerar que essa mudança, provavelmente, parte de uma preocupação dos patrocinadores de sofrerem o desgaste de imagem relacionado a possíveis alegações de impropriedade sexual na sequência do #MeToo. Além dos mais, a Liberty tinha (e ainda tem) como um de seus objetivos aproximar a F1 de um público mais jovem, atraindo, consequentemente, mais espectadores do sexo feminino.

Quando a decisão foi divulgada, as modelos reagiram negativamente à novidade, alegando que ao menos foram ouvidas sobre o assunto, e que trabalhar como “grid girl” é um trabalho digno, como qualquer outro. Não podemos deixar de notar que, além de afetar diretamente a renda delas, os quatro dias de evento proporcionavam uma grande visibilidade, o que poderia  abrir portas para novos trabalhos. Nesse contexto, destaca-se que várias modelos culparam o politicamente correto e as organizações feministas, que, majoritariamente, celebraram a decisão da Fórmula 1 de retirá-las das corridas, como a Women’s Sport Trust. Na época, por exemplo, Rebecca Cooper, que atuou por cinco anos como  garota do grid na F1, desabafou em seu Twitter: “É ridículo que mulheres que dizem lutar pelos “direitos femininos” querem dizer o que outras devem fazer ou não. Tiraram a gente do nosso trabalho que amamos e estão orgulhosas disso”.

Pilotos, comentaristas esportivos e uma legião de fãs do esporte, também não gostaram dessa decisão. A argumentação desse grupo, em sua maioria, se consolida na defesa de uma tradição, que — supostamente — atribui mais “glamour” ao esporte, tornando-o mais agradável. É isso mesmo, há quem acredite que é preciso lotar um espaço, ainda predominantemente masculino, de mulheres bonitas para torná-lo mais atraente para espectadores, mídia e profissionais das escuderias. Mas também existem os que argumentam: “lugar de mulher não é onde ela quiser? Mas, agora, se ela quiser ser grid girl, não pode mais”.

Considero que o problema central é a hipersexualização das mulheres em espaços notoriamente machistas, como ainda são os esportes a motor. Obviamente, acredito que lugar de mulher é onde ela quiser e sou uma entusiasta da presença feminina no esporte, mas também sei que as “grid girls” são uma criação feita para o “male gaze”, ou olhar masculino em português. Esse termo, cunhado pela teórica Laura Mulvey em Prazer Visual e Cinema Narrativo (1975), descreve e explica como as personagens femininas são, muitas vezes, retratadas como seres que estão, antes de qualquer coisa, à disposição sexual masculina. Isso se dá principalmente porque a indústria cinematográfica é dominada por homens, seja na criação, direção, roteiro, produção e no protagonismo. Desse jeito, eles acabam produzindo construções do feminino a partir de uma ótica masculina. A Fórmula 1 não se distancia muito da realidade, assim como em outras formas de mídias, como propagandas televisivas, novelas e reportagens.

Apesar de fazer mais de quatro anos da decisão da Liberty Media, o assunto, vez ou outra, retorna. No início de novembro deste ano, o piloto francês da Alpha Tauri, Pierre Gasly, voltou a trazer a polêmica das “grid girls” à tona no mundo da F1. No Grande Prêmio do México de 2022, o francês postou, em seu Twitter, uma foto ao lado de uma mulher, dizendo que estava feliz das “grid girls” voltarem à categoria. A publicação em si não tem nada demais, no entanto, o que chama atenção é o subtexto ali presente. Apesar dos figurinos das “grid girls”, com o passar do tempo, terem ficado menos reveladores, o imaginário coletivo sobre as garotas do grid é formado por imagens de mulheres usando roupas sexy, sempre simpáticas, que entretêm as equipes e os frequentadores dos padoques, além de fazerem sombra para os pilotos. Então, porque ele estaria feliz? Acho que já sabemos a resposta.

Não só as 20 vagas de pilotos no grid são ocupadas por homens (quase todos brancos), mas, também, a maioria dos postos de trabalho, seja como dirigente ou mecânico. Essa decisão da Liberty Media, evidentemente, é paliativa e não resolve o machismo na Fórmula 1, que precisa lidar com diversas outras questões, como: onde estão as mulheres na F1? Quais são as medidas da instituição contra quem assedia torcedoras durante os grandes prêmios? Porque, por mais competentes que sejam, as mulheres pilotos ainda não conseguem entrar no grid?

Não podemos deixar de reconhecer, como afirmado por várias ex-grid girls, que, com essa proibição, várias mulheres perderam uma renda importante. E elas estão certas! Vejo as “grid girls” como mulheres livres, que aprenderam a explorar o sistema, que sempre ganhou muito explorando os nossos corpos, mas isso, infelizmente, não apaga o fato de que vivemos em um mundo que, há séculos, faz das mulheres produtos para serem consumidos.