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Por que amamos Lewis Hamilton

Escrever sobre os nossos ídolos nunca é uma tarefa fácil, principalmente quando o amor e a admiração ultrapassam os limites descritivos das palavras. Porém, em alguns infelizes casos, é necessário conseguir explicar o que, para alguns fãs, nunca devia ser um tópico.

Afinal, por que amamos Lewis Hamilton? Por que é importante conceder o título de cidadão honorário brasileiro a um piloto britânico de Fórmula 1? Por que existe tanta admiração em torno de uma figura que não é nacional? Depois de dias, senão meses e anos, vendo alguns fãs de automobilismo descredibilizando e questionando a importância de Hamilton enquanto figura pública, atleta e ser humano, eu decidi exercer o meu papel social de jornalista. Por isso, estou escrevendo para responder, o mais educadamente possível, algumas das dúvidas que ouvi e encontrei na internet.

Como sempre, vamos por partes.

Quem é Lewis Hamilton na fila do grid de largada? 

Sir Lewis Carl Davidson Hamilton, como é conhecido e reconhecido pelo Governo Britânico, é um automobilista que nasceu no dia 7 de janeiro de 1985, na cidade de Stevenage, em Hertfordshire. Aos 37 anos de idade, acumula sete títulos mundiais de Fórmula 1 (embora haja questões sobre esse número ser maior) e atua, principalmente, como automobilista. Desde os veículos mais imparciais até os portais mais objetivos, a descrição da biografia de Hamilton não foge de expressões como “o maior piloto de todos os tempos” ou “o atleta mais bem sucedido da história”. Para explicar o motivo, não precisamos ir tão longe.

Como representante da equipe Mercedes, na posição de piloto principal, Hamilton possui o maior número de vitórias em corridas da Fórmula 1. Em específico, são 103 lideranças, mais de 186 vezes no pódio e 7 títulos mundiais que o fazem o primeiro em número de campeonatos na categoria. Além disso, possui outros importantes recordes absolutos. Entre eles, o maior número de pontos na carreira, com 4.165,5 desde sua estreia em 2007, o maior número de pole positions, também com 103, e o maior número de voltas lideradas, ultrapassando 5.396 lideranças em corridas.

Em seu tempo na equipe McLaren, e mais recentemente na Mercedes, Hamilton tem quebrado recordes que antes pertenciam a campeões como Ayrton Senna e Michael Schumacher. Com início da carreira no karting, ainda em 1995, o atleta acumula títulos desde os 10 anos de idade. No ano de 2021, foi condecorado como Cavaleiro da Ordem do Império Britânico pelo serviço prestado ao automobilismo enquanto representante da Inglaterra. Mais recentemente, no dia 7 de setembro de 2022, recebeu o título de cidadão honorário do Brasil pela Câmara dos Deputados.

Mais do que redefinir recordes, Lewis Hamilton tem redefinido limites e quebrado barreiras em um esporte majoritariamente elitista e branco.

Quem é Lewis Hamilton fora das pistas?

Como os números não são suficientes para explicar a admiração e o amor, pelo menos para alguns insistentes e apaixonados em odiar, é importante olhar para o Lewis Hamilton fora das pistas. Além de automobilista, existem diversas outras faces que o tornam tão importante. Em 2020, Lewis utilizou de sua plataforma para dar visibilidade ao movimento Vidas Negras Importam. Além da participação em manifestações contra o racismo e publicações em suas as redes sociais, o atleta utilizou da sua fama durante as corridas e entrevistas para defender o fim da violência policial, o combate à corrupção dentro das instituições de segurança e a justiça social para a população negra no mundo inteiro.

Na época, Hamilton entrou em conflito direto com a Federação Internacional do Automobilismo (FIA) sobre a utilização de camisetas de cunho político nos pódios e pistas da Fórmula 1. Durante o GP da Toscana de 2020, Hamilton subiu no lugar mais alto do pódio com uma camiseta exigindo a prisão dos policiais que assassinaram Breonna Taylor nos Estados Unidos. Na semana seguinte, a FIA proibiu o uso de camisetas a fim de impedir manifestações políticas durante a cerimônia de premiação. Apesar disso, ele seguiu correndo durante toda a temporada com adesivos de combate ao racismo colados no carro da Mercedes e capacetes personalizados com cunho ativista relacionados também a diferentes causas.

Chamado pela imprensa de “líder do combate ao racismo e desigualdade racial na Fórmula 1”, Lewis Hamilton foi responsável pela criação do projeto The Hamilton Commission. Com o principal objetivo de investigar as causas e impactos da exclusão de pessoas negras e de outras comunidades étnicas na Fórmula 1, tanto como pilotos quanto nas equipes titulares. Porém, o ativismo de Hamilton em 2020 não foi o primeiro, e nem o último, momento de manifestação política e social. Em outras ocasiões, ele defendeu atletas como Colin Kaepernick e Serena Williams de episódios de racismo e censura dentro de seus respectivos esportes.

Conhecido como o primeiro e único piloto negro da história da Fórmula 1, o ativismo e representatividade de Lewis Hamilton se expande a diversos campos, para além da luta antirracista. Defensor da causa animal e vegano desde 2017, o atleta chegou a abrir um restaurante especializado em hambúrgueres de origem vegetal em Londres. O lançamento da Neat Burger em 2019 iniciou o projeto de uma rede de restaurantes que, além de servir alimentos com base vegetal, também utilizam diversas estratégias éticas e sustentáveis com o meio ambiente. O empreendimento surgiu de uma parceria com a Beyond Meat, uma empresa norte-americana de destaque na produção de substitutos de carne à base de plantas.

No campo da sustentabilidade e ativismo ambiental, Hamilton também defende medidas de aproveitamento e limpeza dentro da Fórmula 1. Defensor da Floresta Amazônica e de outros patrimônios naturais mundiais, ele se posicionou e apoiou causas importantes relacionadas ao combate do desmatamento irregular e das queimadas, tanto em países da América do Sul quanto em regiões da África. Essas décadas de luta e manifestações culminaram na fundação do Mission44. Lançado oficialmente em julho de 2021, o Mission44 é uma instituição de caridade que começou com o investimento de 20 milhões de euros proveniente da fortuna pessoal de Lewis Hamilton.

Com o principal objetivo de “apoiar, defender e capacitar os jovens de grupos carentes para o sucesso através da redução das lacunas de oportunidades na educação, emprego e na sociedade em geral”, como descrito no site da fundação, o projeto é tocado por uma equipe de especialistas. Em entrevistas, Hamilton defendeu a iniciativa como uma forma de dar voz a pessoas que, como ele, são desencorajadas pelo sistema e pela sociedade. Atualmente, a fundação atua no campo da educação, emprego e fortalecimento para gerar uma transformação social positiva. Entre os feitos da instituição, existem diversas parcerias com grandes empresas e instituições como a Sky, Mercedes Benz, Motorsport UK e a Black Equity Organization. Por meio de doações, patrocínios e apadrinhamentos, o Mission44 ajudou milhares de jovens em diferentes lugares do mundo a acessar educação de qualidade e, assim, criar novas perspectivas para o próprio futuro.

Por que amamos Lewis Hamilton?

Antes de responder a questão principal desse texto, foi importante mapear e exemplificar a representatividade de Hamilton para que a admiração não seja reduzida somente a mais um relacionamento parassocial com uma celebridade. Ainda que seja um fenômeno comum às novas gerações, não se pode resumir todo o sentimento dos fãs a uma relação unilateral e idealizada.

No geral, existem pessoas que tratam esse tipo de admiração e amor como algo inconsequente, infantil e até mesmo fora de época. Com argumentos como “ele nem se importa com a sua existência” ou “ele não sabe que você existe”, fãs de qualquer tipo de conteúdo estão acostumados a terem os sentimentos diminuídos gratuitamente. Porém, o motivo pelo qual amamos Lewis Hamilton ultrapassa a vontade de ser reconhecida por ele, porque se trata também de um símbolo, e não somente de uma pessoa pública. Com todas as conquistas e feitos elencados anteriormente, tanto dentro quanto fora das pistas, é inegável que estamos falando sobre um ser humano incrível.

Nós amamos Lewis Hamilton porque ele pediu uma bandeira do Brasil no GP de Interlagos em 2021 e homenageou Ayrton Senna ao repetir o seu gesto 30 anos antes, mas não somente por isso. Amamos Lewis Hamilton porque ele tem a coragem de lutar contra a injustiça social em um esporte que usa a diversidade como publicidade e moeda de troca há décadas.

Porque ele reconhece a sua potência, visibilidade e plataforma, e escolhe impulsionar narrativas de pessoas marginalizadas ao invés de ampliar as desigualdades e reforçar preconceitos. Não ironicamente, Hamilton também recebeu destaque durante o Met Gala de 2021, pois comprou uma mesa inteira para que designers negros pudessem ocupar um espaço tão excludente e elitista como esse evento. Os fãs que amam Lewis Hamilton, acompanham o seu trabalho e o defendem arduamente também reconhecem as suas falhas e erros, porque se trata de admirar um ser humano no final das contas. Entretanto, celebramos as conquistas, as manifestações políticas, a luta social e a representatividade que existe ao redor dessa figura.

O motivo por que amamos Lewis Hamilton refere-se à representatividade de ver onde um homem preto chegou, mesmo sendo desencorajado desde a infância e lidando com o racismo em suas diversas nuances a vida inteira. É sobre ver que sonhar é difícil, mas não impossível quando existe um octacampeão ocupando constantes pódios na Fórmula 1. É sobre se ver em um homem preto que continua quebrando barreiras, abrindo portas e lutando a favor de maior diversidade em um esporte excludente, elitista e desigual em diversos aspectos. É sobre acreditar que o esporte, e também o mundo, pode ser um lugar de mais esperança para as próximas gerações.

Mais do que passar pano para um esporte que, em suas nuances, segue limitado e problemático em diversos aspectos, os admiradores de Hamilton e do automobilismo reconhecem que existe espaço e urgência para mudanças na categoria. Mudanças essas que estão em curso por conta de ações como o The Hamilton Commission, Mission44 e manifestações corajosas de atletas como Lewis Hamilton e Sebastian Vettel, por exemplo. Com certeza, sempre existirão odiadores e pessoas chatas que têm como hobbie destilar negatividade em tempo integral, por todos os meios disponíveis. Apesar disso, é importante ressaltar os pontos positivos em momentos assim para encontrar um respiro, mas também para informar aqueles que preferem navegar na onda do ódio ao invés de aprender de verdade.

Não se trata do número de vezes que ele veio, ou não, ao Brasil e o itinerário que terceiros, em sua posição de superioridade e prepotência, acreditam que devia ter sido realizado por Hamilton. Não é somente sobre um título honorário que nem o Senna teve, como diz o meme, ou um carro que falhou com as expectativas dos fãs. Diante da grandeza do ser humano que é Lewis Hamilton, todas essas questões se tornam simbólicas, ainda que em níveis e por motivos diferentes. Quando perguntam por que amamos Lewis Hamilton a resposta é simples e complexa ao mesmo tempo, por todas as questões discutidas até aqui.

Mais do que buscar uma resposta definitiva, talvez o ponto principal desse diálogo seja praticar o exercício de ver além do seu próprio umbigo. O exercício de olhar para os lados ao invés de olhar somente para si mesmo e perceber que sim, existem outras pessoas e outras questões mais urgentes do que os nossos interesses pessoais.  Ao terminar esse texto, me pergunto como seria o mundo se essa prática fosse tão comum quanto o ódio gratuito. Talvez, seria como uma daquelas imagens do mundo utópico e ficcional que vemos na internet. Talvez, seria mais próximo da realidade que Hamilton, assim como outras milhares de pessoas, lutam para tornar real.


** A arte em destaque é de autoria da editora Ana Luíza. Para ver mais, clique aqui!