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A falta de inventividade em Ghosted

Em inglês, o termo “ghosting” se refere à prática de abandonar alguém durante um relacionamento sem dar qualquer explicação, ou seja, simplesmente sumir e ignorar qualquer tentativa de contato da outra pessoa. Com essa premissa, o filme Ghosted se sobressaiu sem esforços no catálogo da Apple TV+, se tornando a maior estreia da história do serviço de streaming.

Estrelado por Ana de Armas e Chris Evans e com participações-surpresa de luxo, a produção apresenta Sadie (Armas) que, após um encontro quase perfeito, faz exatamente isso: desaparece e não responde mais as mensagens de Cole (Evans), um romântico incurável. No filme, a necessidade do personagem de tentar dar continuidade a uma relação que pareceu promissora em um primeiro momento é vista como carência e uma certa dependência. Porém, não é a primeira nem a última história em que o personagem sente algo mais à primeira vista. As maiores histórias de amor de Hollywood seguem exatamente este roteiro, de forma que os desafios da jornada só podem fazer com que cresça a certeza sobre esse sentimento.

Ghosted

Certo de que é necessário um grande gesto para que as coisas se resolvam, Cole consegue rastrear Sadie até Londres de maneira inusitada, mas acaba sequestrado em um mal entendido e se vê no meio de uma trama de espionagem internacional, pois há um motivo para que a mulher tenha desaparecido. Apesar da aparência delicada, Sadie é uma agente da CIA, altamente treinada para combate em campo, e não uma curadora de arte, como havia se apresentado inicialmente.

Ghosted não é a primeira comédia romântica de ação, mas é, talvez, a primeira grande produção que tenta subverter o gênero e investe na mulher como espiã e salvadora do dia com todos os estereótipos e clichês característicos. O filme, no entanto, parece atrasado demais para quebrar o tabu sobre mulheres em filmes de ação e soa pouco natural, apesar da desenvoltura de Ana de Armas em acrobacias.

Sem entrar no mérito dos diálogos engessados da atriz e exigindo muito da suspensão de descrença, o filme entrega momentos divertidos, não por conta do gênero que se propõe a revisitar, mas sim porque Ghosted é feito preenchendo tabelas, o que não seria um problema se os dois protagonistas conseguissem dar alguma credibilidade a este roteiro plastificado.

Ghosted

Este não é o caso, porém. Chris Evans e Ana de Armas estão mais à vontade sendo eles mesmos, em sua amizade fora das telas, do que com quem deveriam ser na produção. Ao assistir qualquer vídeo promocional com a presença de ambos, é possível enxergar toda a química que os produtores gostariam de explorar: ele, consagrado no papel de super-herói e galã, que acabou de chegar aos 40 anos, o que parece ter consolidado um posicionamento mais maduro, que cativa o público feminino com facilidade; ela, um rosto relativamente novo em Hollywood, aparentemente perfeita, de origem latina e chamariz de grandes marcas. É óbvio que existe a tentação para colocá-los juntos nas telas, mas Ghosted é a prova de que, diferente de Ryan Gosling e Emma Stone ou Julia Roberts e George Clooney, que já repetiram suas parcerias em diversas produções de maneira bem-sucedida, ambos prometem mais do que entregam e, para funcionar em um mesmo filme, precisam estar em núcleos separados — caso de O Agente Oculto, da Netflix, onde a atriz parece muito mais natural e à vontade ao lado do personagem de Gosling.

Isso porque, aqui, na medida do possível, Evans consegue entregar a atuação física que seu personagem e as situações em que se envolve pedem, inclusive com caricaturas, que não soam exagerados no contexto do filme. No entanto, De Armas deixa a desejar com uma interpretação engessada, que chega a ser ultrajante após Blonde.

Sem adentrar os pontos negativos da cinebiografia de Marilyn Monroe, nele, a atriz funciona como um retrato convincente da lenda e entrega tudo o que se propõe, acabando por tornar sua atuação maior do que o próprio filme — sendo prova disso sua indicação ao Oscar, ainda que Blonde devesse estar escondido no catálogo da Netflix.

Ghosted

Em Ghosted, parece não existir nada de especial sob a camada inicial da personagem. Sadie é apenas uma mulher desenhada para ser muito bonita, muito boa em seu trabalho, muito irreal, como um símbolo da perfeição fabricada de Hollywood sob o selo dos novos tempos, afinal, Ana de Armas estrela grandes produções sob o peso de uma origem latina anteriormente rejeitada na terra do Tio Sam. Não é como se se tratasse de uma atriz medíocre, mas sorrir de maneira fofa e executar coreografias de luta — também pouco naturais — é tudo o que Ana de Armas pode fazer com um roteiro pouco inventivo que nasce, se desenvolve e termina em um terceiro ato previsível.

Considerando que faz pouco do básico, não se trata de um filme que deva esperar o replay tão cedo, especialmente quando há similares que rendem melhor em tela, tais como Guerra é Guerra! (2012), com o trio Reese Witherspoon, Chris Pine e Tom Hardy, Par Perfeito (2010), com o rei e a rainha das comédias românticas, Ashton Kutcher e Katherine Heigl, bem como o recente, mas bem-sucedido, Casamento Armado (2022), com Jennifer Lopez e Josh Duhamel.

Sem funcionar como uma nova sobrevida ao gênero nem como um aceno nostálgico ao passado, pois seria um insulto às produções que se sobressaem de forma mais natural, Ghosted chegou com um ruído que parece ter cessado muito rápido, especialmente levando em consideração os nomes envolvidos na produção, por conta da própria falta de inventividade.