Maior bilheteria de 2022, com 1.4 bilhões de dólares arrecadados ao redor do mundo, Top Gun: Maverick se provou um dos fenômenos do ano, além de ser considerado o grande salvador dos cinemas, diretamente afetados pela falta de lançamentos durante a pandemia. Mais do que isso, a produção chega para mostrar a força de Tom Cruise na indústria, o qual mostra saber como revisitar pela primeira vez um personagem que marcou a história de Hollywood. Apesar do roteiro relativamente genérico, Top Gun: Ases Indomáveis, de 1986, soube se utilizar bem de seus símbolos e cravar seu nome como um clássico, o que justifica o cuidado do ator para aceitar um retorno a este mundo.
Da jaqueta bomber marrom cheia de patches relacionados aos top guns da marinha, ao óculos modelo aviador da marca Ray Ban e a inseparável motocicleta, que acompanha o personagem principal para além dos aviões, e uma canção que se provou um sucesso pop romântico reconhecido pelo Oscar de Melhor Canção Original, tudo contribuiu para que Ases Indomáveis atravessasse o tempo de forma bem-sucedida.
Para os brasileiros, isso parece ter sido ainda mais fácil. Não foram uma nem duas as vezes que o filme foi reprisado pela Sessão da Tarde, da Globo, fincando na mente do público o toque inesquecível de “Take My Breath Away”, do grupo Berlin, além de frases e gestos de efeito que, imediatamente, ativam uma onda nostálgica de reconhecimento e afeição.
Atenção: este texto contém spoilers!
Por isso, não é surpresa que, mais de trinta anos depois, a sequência direta, Top Gun: Maverick, tenha um efeito tão avassalador em um público que já possui uma empatia por Pete ‘Maverick’ Mitchell e o cenário super tecnológico, veloz e perigoso da Força Aérea dos Estados Unidos. Especialmente porque, para além de tudo isso, tanto quanto no primeiro filme, a produção sabe que seu cerne, mais do que nas incríveis cenas acrobáticas de ação no céu, está nas relações entre os personagens.
Se em Ases Indomáveis, Maverick (Cruise) tem o apoio de seu eterno melhor amigo, Goose (Anthony Edwards), e antagoniza com inimizades tão fortes quanto significativas na balança de poder das forças armadas, dessa vez, o — ainda — Capitão precisa lidar com as consequências de seus atos e uma nova geração de pilotos parecida demais com a sua, ao menos no que diz respeito às interações.
Isso dá peso ao argumento do próprio filme de que, ainda que o futuro bata à porta na questão da modernização da aviação e dos combates aéreos, tudo o que envolve as relações humanas é mais durável, tem mais peso, transcende melhor o tempo, pois inevitavelmente remonta às mesmas questões e padrões de sempre, pois cada pessoa possui uma abordagem diferente sobre o conflito que se abre em determinada trama e isso, inevitavelmente, gera faíscas.
Assim, se Maverick é o protagonista perfeito, talentoso, mas indisciplinado e até soberbo, Iceman (Val Kilmer) é o antagonista perfeito, o que se repete com Miles Teller e Glenn Powell em 2022, principalmente porque, em detrimento de outras generalidades, não recai no maniqueísmo do mocinho versus vilão: todos estão do mesmo lado e, apesar dos problemas, o inimigo está lá fora. Portanto, os maiores conflitos de Top Gun 2 se desenrolam internamente, tanto em relação às questões de Mitchell com insubordinação quanto sobre seu novo desafio: ensinar os graduados da Top Gun, a melhor academia de pilotos dos Estados Unidos, a voar em um terreno perigoso para destruir uma usina construída em violação a um tratado da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte).
Como se trata de uma área muito bem vigiada, no território inimigo, em local de difícil acesso, a missão se torna perigosa apenas por si mesma e pelo pouco tempo que os pilotos dispõem para aprender as manobras necessárias e para, de fato, executá-la no ar. O alvo, porém, não é importante para o filme, pois a jornada até ele é muito maior e significativa. Para Maverick, o agravante é que, dentre os pilotos da Top Gun, está Bradley “Rooster” Bradshaw (Teller), filho de seu amigo e companheiro de combate, Goose, que morreu em uma missão ao seu lado. Para além desta mágoa específica que, inevitavelmente, os liga de forma muito acentuada, Mitchell utilizou de sua posição para barrar a entrada de Rooster na Academia de Pilotos, pois não queria que ele se colocasse neste tipo de risco, o que torna a relação entre ambos tensa até o terceiro ato do filme.
Durante toda a produção, Rooster tem uma opinião perfeitamente formada sobre Maverick e o que aconteceu no passado, enquanto o mais velho parece tatear como irá lidar com a situação, que afeta diretamente a missão, mas, mais do que isso, o coloca de frente novamente com seus demônios. Como o próprio personagem questiona: se não o escolher para pilotar um dos caças ao final, Rooster nunca irá perdoá-lo; se escolher, pode estar determinando um futuro trágico, como o do pai.
Tanto Miles Teller quanto Tom Cruise souberam adentrar muito bem as nuances do que se mostra o relacionamento mais cheio de feridas do filme. O primeiro não tem medo de se mostrar um homem maduro, provavelmente diferente do menino ao qual Maverick o associa, enquanto o segundo sempre sabe o momento certo de se deixar levar pela culpa do que aconteceu com Goose, ainda muito presente, mesmo depois de quase 35 anos. Porém, como aconselha Iceman, em uma participação mais do que especial de Val Kilmer: Maverick precisa deixar o passado no passado de uma vez por todas.
O maior trunfo de Top Gun: Maverick é, talvez, também o seu maior defeito, contudo: estar inteiramente fincado no primeiro filme. Apesar de ser uma verdadeira continuidade de Ases Indomáveis, uma vez que dá sequência à história de Mitchell, contando por onde ele esteve e o que andou fazendo de forma bastante satisfatória por conta do lapso de tempo desde então, o filme gasta minutos preciosos fazendo paralelos excessivos com a trama dos anos 80, rememorando velhos conhecidos, voltando aos mesmos divertimentos, se utilizando de simbolismos já estabelecidos sem realmente olhar para o futuro.
Do ponto de vista do fã, não há o que reclamar, tem service para todos os gostos, dos mais sutis aos mais descarados, o que não é um demérito, pois leva a emoção de maneira natural e imersiva, como tudo progride no filme. No entanto, é também por crer que fatos do primeiro filme são o bastante para justificar as escolhas dos personagens neste, mesmo depois de tanto tempo, que existe uma “trava” no desenvolvimento dos mesmos, especialmente em relação ao duo Maverick e Rooster.
Em certo ponto, Mitchell confessa que estava tentando ser o pai que o mais novo não teve, mas isso é algo que pode ser apenas presumido, pois se trata do filho de seu melhor amigo morto e há um sentimento persistente de culpa. Porém, não é uma relação que se estabelece neste sentido. Em um primeiro momento, é como se Rooster sequer conhecesse Maverick até ficar claro que o estava ignorando. Isso porque não é mencionado se eles tiveram contato, de fato, enquanto o menino crescia ou se o piloto estava, simplesmente, o vigiando à distância. O sentimento de afeição que se espera de uma relação entre pai e filho não é explorado em nenhum sentido e nem seria necessário se o filme permitisse que Maverick fosse apenas o mestre que Rooster precisa, uma vez que apenas sua presença exige que o piloto mais jovem se prove para além da promessa de ser bom.
Assim, a trama da paternidade persiste em diversos momentos de forma forçada, pois o filme insiste, também, em manter a imagem jovial e um tanto imatura de Mitchell: sem família e com uma carreira repleta de altos e baixos, uma vez que não consegue deixar de lado seu fascínio pelo perigo em nome de seu talento, ele não pode desempenhar este papel junto a Rooster, ainda que a consideração — e a dívida — que sente em relação a ele seja altíssima. Esta deliberada falta de amadurecimento do personagem leva também a outro ponto pouco agradável do filme: o romance de Pete com Penny Benjamin. Interpretada por Jennifer Connelly, a personagem citada, mas nunca vista no filme de 1986, serve apenas como a voz da consciência na cabeça de Maverick, além de estar em tela para cumprir a necessária cota do romance, afinal, Tom Cruise é um galã.
Sem mencionar o fato deliberado de terem “esquecido” a atriz Karen McGillis, que interpretou o interesse romântico do protagonista no primeiro filme, muito provavelmente por conta da aparência física coerente com sua idade atual — 65 anos —, Top Gun acerta em estabelecer uma relação com um pano de fundo bem construído sem que fosse necessário vê-lo acontecendo. Porém, as interações românticas, de fato, entre o ator e a atriz, para além das pequenas provocações, são inteiramente superficiais, a todo o instante, relembrando o público que este é um “amor cinematográfico”, construído unicamente para as câmeras.
Jennifer Connelly faz o que pode para tornar a personagem simpática, mas isso é tudo o que consegue com um roteiro que pouco a ajuda e não se importa verdadeiramente com seu crescimento, bem como tudo o mais relacionado a este romance. Enquadramentos um tanto constrangedores entre atores que não demonstram química alguma — culpa da direção criativa do filme —, fazem imaginar se não seria melhor que a parte romântica fosse deixada de lado em nome de uma boa e duradoura amizade existente sob uma chama de possibilidade.
Entretanto, como já foi citado, o filme precisa manter a imagem jovial e imatura de Maverick, ainda que esteja na casa dos cinquenta anos, se relacionando com uma mãe divorciada. Do contrário, este protagonista se tornaria muito diferente daquele que o público conhece e, talvez, não funcionaria tanto quanto aconteceu. Pois o fato é que Top Gun: Maverick funciona e, não apenas no sentido satisfatório, como se cumprisse tabela, mas muito bem. Apesar da história previsível, trata-se de um roteiro bem equilibrado, capaz de balancear perfeitamente os momentos de tensão, emoção e humor, que demonstra como o indicado ao Oscar sabe agradar ao seu público, o qual, majoritariamente, não deseja ver inovações arriscadas, mas algo que faça jus ao peso do primeiro filme.
Top Gun: Maverick é uma boa diversão dentro do que está destinado a ser: um blockbuster em sua essência, com grandes cenas de ação, mas inteiramente centrado nas relações de Maverick, especialmente com seu passado, bem feito no que diz respeito às interações masculinas, ainda que recaia em alguns clichês que o estacam no tempo assim como acontece com o filme dos anos 80 — como a falta de representatividade feminina e a tentativa de enganar o público em relação a isso com o destaque à pilota Phoenix (Monica Barbaro). Acima de tudo, o filme é uma bomba nostálgica para qualquer pessoa que tenha apreço a Ases Indomáveis e a uma das maiores amizades do cinema, Goose e Maverick, de forma que o reconhecimento pelo Oscar se mostra totalmente adequado.
Top Gun: Maverick recebeu 5 indicações ao Oscar, nas categorias de: Melhor Filme, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Canção Original, Melhores Efeitos Visuais, Melhor Montagem e Melhor Som.