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Fórmula 1: onde ativismo e esporte não andam na mesma velocidade

A Fórmula 1 volta das férias neste final de semana, com muitas novidades: vários pilotos saíram da categoria, outros mudaram de equipe e brasileiros estarão presentes no paddock neste ano. Mas, nem todas as mudanças entusiasmam. No fim de 2022, a Federação Internacional de Automobilismo (FIA) divulgou nova regra que limita manifestações políticas de pilotos na F1 para 2023.

O novo código afirma que a promoção e exibição de declarações ou comentários políticos, religiosos e pessoais serão uma violação do princípio de neutralidade da FIA. As exceções abrangem apenas  as manifestações previamente aprovadas pela Federação ou, em alguns casos, por associações esportivas nacionais.

ativismo fórmula 1

Essa decisão evidencia ainda mais que a F1 não enxerga (e nunca enxergou) com bons olhos a mistura entre esporte e política. Ano passado, o atual presidente da FIA, Mohammed ben Sulayem, criticou os pilotos Lando Norris, Sebastian Vettel e Lewis Hamilton, que usam sua visibilidade para tratar de temas como o anti-racismo, conscientização ambiental, defesa da comunidade LGBTQIA+ e saúde mental.Niki Lauda e Alain Prost só se preocupavam em pilotar. Agora, Vettel anda numa bicicleta com o arco-íris, Lewis é apaixonado por direitos humanos e Norris aborda a saúde mental. Todos têm o direito de pensar. Mas para mim, trata-se de decidir se devemos impor, a toda a hora, as nossas crenças”, disse.

Quando o movimento Black Lives Matters, após o assassinato de George Floyd, tomou força e se espalhou pelo mundo, o piloto britânico Lewis Hamilton levou a discussão sobre discriminação racial para dentro da Fórmula 1 ao criticar a falta de posicionamento da categoria e de seus colegas pilotos a respeito do que estava acontecendo no mundo. Nesse contexto, foi criado pela FIA a campanha We Race As One (“Nós Corremos Como Um”, em tradução livre) com o objetivo de promover a diversidade, além de se posicionar contra o racismo dentro do esporte. A partir de então, antes da corrida começar, os atletas podiam expressar seu apoio à luta anti-racismo — alguns optaram por se ajoelhar, outros não.

Nesse contexto, em 2020, Lewis, no Grande Prêmio da Toscana, subiu ao pódio vestindo uma camiseta pedindo justiça para Breonna Taylor, mulher negra morta por policiais que invadiram seu apartamento nos Estados Unidos. Sem exibir os patrocinadores da Mercedes, a camisa trazia a mensagem “arrest the cops killed Breonna Taylor”, em português: “prendam os policiais que mataram Breonna Taylor”. Em resposta a esse ato, a FIA passou a deixar claro que os pilotos tinham que manter seus macacões fechados até o pescoço no pódio e, também, nas entrevistas após provas.

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O piloto alemão Sebastian Vettel, por exemplo, foi repreendido por ter usado uma camiseta arco-íris com as palavras “Same Love” [“Mesmo Amor”] estampadas, defendendo os direitos dos LGBTQIA+ na Hungria, em 2021. Na época, o parlamento do país havia aprovado uma lei que associa a homossexualidade ao crime de pedofilia e proíbe conteúdo sobre sexualidade nas escolas. Na ocasião, a justificativa foi que, durante cerimônias antes da prova, não era permitido usar outros tipos de vestimentas, apenas trajes de corrida.

Vettel, também, utiliza sua visibilidade para chamar atenção a respeito das mudanças climáticas. No Grande Prêmio em Miami, ele usou uma camisa que tinha o texto “Miami 2060: 1º Grande Prêmio debaixo d’água. Aja agora ou nade depois”. Vettel, devido ao  seu interesse em causas ambientais, muitas vezes foi alvo de críticas por sua suposta “hipocrisia”. Isso porque a Fórmula 1, com milhares de pessoas e cargas envolvidos em uma temporada da competição, deixa uma baita pegada de carbono, já que consome milhares de litros de combustíveis fósseis.

Ao contrário de Hamilton e Vettel, Lando Norris nunca sofreu uma reprimenda ou punição da FIA por falar abertamente sobre saúde mental no esporte, mas o comentário de Sulayem aponta para um descontentamento a respeito das ações do piloto.

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Chegar agora com o papo de que os pilotos devem apenas pilotar e não usar sua voz para falar a favor de uma Fórmula 1 mais inclusiva e socialmente consciente é, no mínimo, um retrocesso. Eles, os atletas, apesar de todo o media training, falam, fazem graça, ficam zangados e, também, de vez em quando, emitem opiniões. Algumas perguntas, que só teremos respostas daqui a um tempo, ficam no ar: Todos os pilotos vão se calar? As punições, caso aconteçam, afetarão diretamente os campeonatos? Como serão aplicadas as advertências?

Ao criar esse controle de manifestações políticas, ou melhor, censurar seus atletas, a FIA propicia um ambiente mais confortável para os patrocinadores e para os países, com histórico de desrespeito aos direitos humanos, que recebem a competição. Além de reforçar a ideia de que campanhas como a We Race as One são voltadas apenas para o marketing, algo realizado para passar a impressão de progresso, quando a realidade não é bem essa.