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Mother, May I Sleep with Danger: subversão no Lifetime

Em 1996, Tori Spelling, conhecida principalmente pelo papel de Donna Martin na série Barrados no Baile (Beverly Hills, 90210), estrelou o telefilme Mother, May I Sleep with Danger?. Vinte anos depois, ela voltou (assim como Ivan Sergei, o outro protagonista do original) para o suposto remake, feito pelo canal americano Lifetime. Digo “suposto” porque, apesar de ter sido anunciado como um remake, o filme de 2016 transforma e subverte tanto do enredo original que a comparação nunca nem seria feita se o título fosse diferente.

No original, a jovem universitária Laurel se apaixona por Kevin. No entanto, Kevin é mesmo Billy, um homem que matou sua ex-namorada e mudou de identidade para fazer o mesmo com outra mulher. Kevin/Billy vai demonstrando comportamentos cada vez mais abusivos e violentos, e a mãe de Laurel tenta interferir no relacionamento, preocupada com a filha (daí o título); no entanto, como é comum em casos de abuso, isso leva a mais conflitos, e Laurel acaba forçada pelo namorado a se isolar. Drama vai, drama vem, o filme acaba com Laurel e sua mãe acreditando que Kevin/Billy morreu, mas com os espectadores cientes de que ele só mudou de identidade de novo, provavelmente com a intenção de torturar e matar outra garota.

Já o remake é sobre uma gangue de vampiras lésbicas que matam estupradores.

Mother, May I Sleep with Danger?

Mais especificamente, o remake é também sobre uma jovem universitária que se apaixona. Mas, diferente do original, Leah, a jovem em questão, se apaixona por Pearl. E, diferente do original, Pearl não é um homem abusivo e assassino, mas uma vampira relutante que salva universitárias de estupradores no campus (e depois se alimenta do sangue dos estupradores). No remake, então, a relação com a mãe do título (interpretada pela própria Tori Spelling) também é muito diferente — não envolve a preocupação de uma mãe com a filha envolvida em um relacionamento abusivo, mas o preconceito de uma mãe ao ver a filha se relacionar com outra mulher (que, sim, é uma vampira, mas essa informação não é conhecida pelos personagens a princípio).

Caso não esteja claro, o remake (assim como o original), é trash. As atuações são no mínimo ruins, os diálogos não parecem ter sido escritos por alguém que regularmente conversa com outras pessoas, e o enredo envolve uma série de absurdos. No entanto, Mother, May I Sleep with Danger? sabe que é trash, e aproveita todos esses elementos para trazer ao Lifetime (um canal conhecido por dramas trágicos e exagerados) uma história centrada em um casal lésbico apaixonado, que aborda homofobia e cultura do estupro em campus universitários. E, apesar de ser um filme atribuído principalmente a James Franco (a ponto de ele estar no pôster promocional, ao lado de Tori Spelling, mesmo que nenhum dos dois seja protagonista), que é produtor executivo e creditado pelo argumento, é dirigido e escrito por duas mulheres, Amber Coney e Melanie Aitkenhead.

Mother, May I Sleep with Danger?

Não estamos falando de um filme revolucionário, nem excelente. Mesmo no tratamento dos temas interessantes que aborda, o filme tem seus problemas — por exemplo, como aponta a crítica de Sam Adams na Rolling Stone, a experiência do casal principal no campus parece presa em 1996, marcada por isolamento total de qualquer semblante da comunidade LGBT; e, mais grave, na minha opinião, o personagem que nos é mostrado como o mais detestável do filme, o jovem homofóbico apaixonado por Leah que busca violência contra Pearl, sobrevive como vampiro no final do filme, num paralelo mais claro com Kevin/Billy do original. Falamos de um filme que permite personagens femininas interpretando vítimas e “vilãs”, mas que aponta homofobia e cultura de estupro como os verdadeiros problemas; um filme que não mostra as duas protagonistas lésbicas tendo dúvidas sobre sua orientação ou sofrendo por isso; um filme que, ignorando qualquer tipo de sutileza, encaixa cenas de uma aula sobre metáforas ligadas a sexualidade em narrativas de vampiros. Falamos de um filme subversivo um pouco como Pretty Little Liars é subversivo, empacotando de forma palatável para um público relativamente conservador mensagens que não são tão conservadoras assim.