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Além do romance: a sensibilidade e contemporaneidade da obra de Beth O’Leary e Jojo Moyes

Existe algo de especial sobre relacionamentos e mistérios que acontecem entre xícaras de chá e biscoitos. Isso foi provado há muito tempo por autoras pioneiras, como Jane Austen e Agatha Christie, que exibiram o cotidiano aristocrático inglês por meio de suas obras, clássicos que ajudaram a moldar a imagem do país no imaginário popular.

Séculos e décadas depois, essa tradição segue por meio de autoras contemporâneas que estão alcançando grande sucesso de vendas e também com adaptações para cinema e TV. Falo aqui mais especificamente de dois fenômenos atuais: Beth O’Leary e Jojo Moyes. A adaptação bem-sucedida para o cinema de Como Eu Era Antes de Você atraiu os olhos do grande público para a obra de Jojo Moyes, que já contava com premiações e segue lançando livros e adaptações bem recebidas pelo público. A obra de Beth O’Leary é mais recente, mas a autora já chamou atenção com o primeiro romance publicado, em 2017, Teto Para Dois, com a série recém lançada pela Paramount+.

Nas obras das duas autoras, o romance clássico permeia as histórias. A paixão aparece de surpresa, se desenvolve lentamente e, então, o final trágico ou feliz. Mas é nos personagens e no entorno que estão os aspectos mais interessantes e complexos, que ajudam as leitoras a se identificarem e a tornarem essas obras ainda mais relevantes. Estamos falando aqui de trabalhos frustrantes, cidades grandes e cansativas, além de problemas pessoais e dramas de amigos. No entanto, as autoras conseguem ir além, tratando de temáticas sensíveis e sempre atuais.

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Em comum entre esses livros, estão as protagonistas, em geral mulheres jovens, que estão lidando com problemas reais e desconcertantes, ao mesmo tempo em que repensam suas vidas, escolhas e relacionamentos. Claro que se tratam de mulheres brancas e com diversas camadas de privilégio, o que reflete o perfil das autoras. Ainda assim, encontramos nessas obras uma representação contemporânea feminina e de alguns de nossos grandes desafios.

A Garota que Você Deixou para Trás, de Jojo Moyes, relata uma violência sexual, enquanto Teto Para Dois, de Beth O’Leary, traz o ponto de vista da vítima sobre um relacionamento abusivo. Em A Troca, também de Beth O’Leary, além da violência doméstica que aparece em segundo plano, entra o etarismo, particularmente cruel com mulheres. A obra exibe com delicadeza a segregação e abusos cometidos contra pessoas idosas, além de um processo complexo de luto, o que também ocorre em A Garota que Você Deixou para Trás. Algumas dessas questões valem a pena serem exploradas com mais detalhes.

Como vimos, o machismo e a violência contra mulheres é um ponto em comum nessas narrativas. Claro que essa crítica já aparecia de maneiras mais sutis nas obras dos últimos séculos das autoras que citei no início do texto. Agora, a sutileza já não é mais um requisito e as autoras atuais conseguem abordar essas pautas de forma mais aberta, crítica e até realista.

Teto Para Dois, em uma primeira camada, é um romance fofo, diferente e engraçado. Mas os indícios do relacionamento abusivo e cruel em que a protagonista estava envolta não demoram a aparecer. Tiffy não percebia isso, o que torna esse relato ainda mais pessoal e importante. O leitor descobre ao lado dela, conforme a personagem lembra do passado. Provavelmente porque não era óbvio, já que estamos falando de um abuso psicológico, ainda mais difícil de ser percebido pelas vítimas.

Metade da história de A Garota que Você Deixou para Trás se passa na França, durante a Primeira Guerra Mundial. Nesse caso, Jojo Moyes não poupa sofrimento, angústia e lágrimas. A história triste de Sophie culmina em violência sexual, julgamento público e uma sequência de abusos de guerra. No presente, a protagonista, Liv, tenta seguir a vida após a morte do marido e se agarra ao quadro que retrata Sophie.

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Apesar de estarmos falando em sua maioria de mulheres jovens, A Troca traz uma mudança positiva, com uma protagonista com mais de 70 anos. Eileen resolve se aventurar em Londres e percebe o abandono e descaso contra pessoas da sua idade. Além disso, sua melhor amiga está presa em um casamento violento há décadas. Enquanto isso, Leena, a outra protagonista, percebe que não encarou a morte da irmã, descobre a traição de seu namorado e tenta reconstruir uma relação com a mãe.

Todos os conflitos, descobertas e sofrimentos levam essas mulheres a pontos de virada. Claro que durante essas jornadas um interesse romântico está logo ao lado, além de outros personagens importantes nas tramas. Os novos romances acontecem após turbulências, são divertidos e os protagonistas masculinos são um oposto da masculinidade tóxica. Um grande exemplo de como aquele ideal romântico que envolvia ciúmes, possessividade e “vale-tudo por amor” está ficando para trás. No lugar disso, entram homens compreensivos, calmos e honestos como parceiros ideais.

No caso dos livros de Beth O’Leary, não poderia esquecer os amigos que tornam o plano de fundo e diálogos ainda mais interessantes e divertidos. Eles também trazem uma atualidade necessária aos romances, mostrando a frustração dos aplicativos de namoro, problemas com carreira, diversidade e também o apoio e parceria necessários em momentos difíceis.

As personagens não refletem todas as mulheres e há um distanciamento quando levamos em conta cor e classe. Ainda assim, são exemplos de mudança e de contemporaneidade na literatura feminina. Não há como mensurar o impacto dessas histórias para mulheres que, em alguma medida, se identificam com o que essas personagens enfrentam ao longo desses e de outros romances que conseguem abordar esses temas de maneira adequada. Sem falar na mudança representada por esse novo ideal de relacionamento encontrado pelas protagonistas. De maneira mais ampla, também estamos falando de personagens que demonstram fragilidade e se encontram muitas vezes perdidas, mas que também conseguem, em algum ponto, encontrar um caminho para o final feliz.


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