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Comunicação em libras e representatividade na cultura pop

Durante um dos discursos para anunciar quem seria o eliminado do Big Brother Brasil, o apresentador Tadeu Schmidt surpreendeu os espectadores quando se comunicou em Libras (Língua Brasileira de Sinais). O recado em sinais foi direcionado para a sister Jessilane, que estava no paredão. Ela, que é professora de biologia, já deu aula para alunos surdos e começou a estudar Libras para se comunicar melhor com eles e toda a turma.

A ação do apresentador chamou a atenção do público e repercutiu positivamente nas redes sociais e outras mídias, uma vez que colocou em horário nobre um idioma com pouquíssima representatividade na televisão e ainda pouco conhecido e usado entre ouvintes. Todavia, é essencial que saibamos que celebrar um momento pontual e raro não é suficiente: afinal, onde está a Libras no entretenimento brasileiro?

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Ao me propor escrever esse texto pensei em exemplos de personagens que fizeram o uso da Libras na teledramaturgia brasileira e só consegui pensar em uma referência: Milena, interpretada por Giovanna Rispoli, de Malhação: Toda Forma de Amar (2019-2020). Surda oralizada, ela usava a língua de sinais como um complemento na comunicação. Nesse contexto, a personagem apresentou ao público teen uma das várias identidades surdas, visto que a surdez é algo plural. Por exemplo, existem surdos que se comunicam usando Libras e os que não usam a língua de sinais, pois oralizam. Existem os que usam aparelhos auditivos ou implantes cocleares, assim como os que fazem leitura labial. Ou seja, como já destacado, a surdez é diversa.

Na história da teledramaturgia brasileira, já é uma prática corriqueira que autores criem tramas com fundos educacionais para mobilizar a população sobre um determinado tema escolhido. Racismo, violência contra a mulher, LGBTfobia e o preconceito com as pessoas que têm Síndrome de Down são algumas das temáticas que, por infelizmente permearem a sociedade brasileira, já foram abordadas em diversas produções a fim de conscientizar o público. Nesse contexto, empiricamente observa-se a invisibilidade da comunidade surda, principalmente daquelas  que têm como maior representação a língua de sinais. Na maioria das vezes sequer prestamos atenção nessa questão. No entanto, precisamos ter consciência que a falta dessa representatividade colabora para  a manutenção de um ciclo de exclusão social e comunicacional das pessoas surdas.

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Diante desse contexto, a visibilidade da Libras, que desde 2002 é reconhecida no Brasil como língua oficial, em novelas, séries e filmes, relembraria a audiência que essa língua é o meio de comunicação diária de milhares de pessoas da comunidade surda brasileira. Em outras palavras, o audiovisual ajudaria a dar uma visibilidade maior para a necessidade de uma inclusão comunicacional e talvez despertar nas pessoas o interesse na aprendizagem da língua de sinais, em aprender sobre a cultura surda.

Como exemplo, em âmbito internacional, Eternos (2021), ao apresentar Makkari, a primeira super-heroína surda do Universo Marvel, causou o aumento nas pesquisas sobre língua de sinais. A heroína com poderes de supervelocidade, interpretada por Lauren Ridloff, que também é surda, se comunica por meio da Língua Americana de Sinais (ASL), com a inserção de legenda para o público que desconhece a língua.  Segundo um levantamento da Preply, plataforma de aprendizagem de línguas, divulgado pelo The Independent, buscas como “aprender linguagem de sinais para iniciantes” aumentou em 250% em comparação ao ano passado.

Vale destacar que a expressividade da pesquisa também vem na sequência de longas-metragens que apresentam personagens surdos, como No Ritmo do Coração (2021). Premiado em Sundance e como Melhor Filme no Oscar, entre outras categorias, o filme conta a história de Ruby (Emilia Jones), a única pessoa de sua família que não é surda. Na trama, a personagem se vê dividida entre suas obrigações familiares, ela é a intérprete da família, e a vontade de seguir sua paixão pela música em outra cidade. A diretora do longa, Sian Heder, transita de forma admirável entre o drama e humor, e, sem forçar a barra, nos apresenta as dificuldades diárias vividas pela comunidade surda. Vale notar que a maior parte das conversas do filme acontecem em ASL e todos os três personagens surdos (mãe, pai e irmão de Ruby) são interpretados por atores surdos, que entregam atuações repletas de nuances.

De volta ao contexto brasileiro, sabemos que novelas, séries e filmes dão visibilidade a problemas sociais, emocionam e causam impacto nas pessoas. Diante do exposto, o entretenimento é umas das ferramentas que podem fazer com que a Libras chegue cada vez a mais pessoas. E, numa época em que estamos abraçando histórias diferentes e personagens mais plurais, a representatividade das mais diversas identidades surdas é essencial para sua inclusão na sociedade e para o combate ao preconceito.


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