Categorias: CINEMA

O caminho do artista e a corrida contra o tempo em Tick, Tick… Boom!

É em outro musical cinematográfico (Moulin Rouge, de 2001) que consigo encontrar a frase para definir não só Tick, Tick… Boom!, o filme, mas também para definir o escritor e compositor Jon Larson: “Mas eu sei sobre arte e amor, porque eu anseio por isso com todas as fibras do meu ser”. Tick, Tick… Boom! é um longa que mostra a vida de Jon antes do sucesso de Rent — musical que ele, infelizmente, não chegou a ver, devido ao seu falecimento um dia antes da noite de estreia — e mostra os caminhos percorridos por ele antes de nos deixar, a jornada de um homem que desejava tanto viver da sua arte que acreditava correr contra o tempo.

O tempo talvez seja nosso maior inimigo. Jon trabalhou em grande parte da vida para conseguir montar uma peça que, no fim, não veio à luz, mas que o levou para um trabalho que iria revolucionar o mundo da Broadway. Ele mudou a vida de muita gente, inclusive de Lin Manuel-Miranda — diretor do filme e também responsável pelo sucesso do musical Hamilton —, mas mesmo assim não pode estar aqui para ver toda a mudança que sua arte proporcionou.

Tick, Tick... Boom!

Em se tratando da direção, Lin Manuel-Miranda trouxe para Tick, Tick… Boom! uma história que entrega uma biografia musical de Jon ao mesmo tempo que adapta o musical homônimo, como uma espécie de metalinguagem. O filme nos leva a acompanhar a jornada de Jon — em uma interpretação singular de Andrew Garfield que lhe rendeu uma indicação ao Oscar em 2022  — que, prestes a completar 30 anos, está em crise a respeito de sua vida e carreira até o momento. É logo na abertura que o filme apresenta “30/90”, uma canção que fala sobre a crise dos trinta anos e sobre se sentir vazio por não ter conquistado o que se queria até ali. Tick, Tick… Boom! usa a peça homônima off-Broadway como pano de fundo para a narração enquanto no conduz pela vida de Jon durante semana que antecede seu trigésimo aniversário, e a estreia do workshop de Superbia.

Algo marcante é quando, ao fim do workshop, a agente de Jon o aconselha a continuar escrevendo. Ele está obviamente decepcionado, porque um trabalho de muitos anos aparentemente não deu em nada, já que a peça, mesmo elogiada, não foi tão compreendida na época. A agente então recomendo que, da próxima vez, ele tente escrever sobre algo que conheça. Todo artista já deve ter escutado a mesma frase uma vez na vida. Mais tarde, com o conselho do compositor Stephen Sondheim, uma pessoa muito importante em sua vida, Jon decide desengavetar um antigo projeto.

Tick, Tick... Boom!

Tick, Tick… Boom! se trata de fragmentos da vida de Jon. No filme, conhecemos Susan (Alexandra Shipp), sua namorada cujo amor pela dança a levou a fraturar o joelho e se afastar dos palcos, buscando, mais tarde, se torna professora de dança em uma escola; e Michael (Robin de Jesús), amigo de infância de Jon que abandona a arte para se tornar publicitário. Jon não consegue entender porque ambos decidiram seguir caminhos que não o artístico e, em busca por criar uma peça e ser reconhecido por ela, acaba não enxergando os problemas de duas pessoas importantes em sua vida. Ele se fecha para a mulher por quem era apaixonado — o que rende a bela sequência de “Therapy”, com cortes entre a cena do workshop entre ele e Karessa (Vanessa Hudgens), e dele com Susan em seu apartamento. Susan sente como se Jon a tivesse resumido à namorada do artista, e sente o afastamento entre os dois. Ele não enxerga as coisas da mesma forma, mas, mais tarde, consegue entender o que ela quer dizer quando escreve a música que faltava para Superbia: “Come to Your Senses” — que, no filme, é cantada por Vanessa e Alexandra.

Com Michael, Jon acaba não enxergando que o amigo e outras pessoas a sua volta correm contra o tempo por estarem lidando com o auge da AIDS nos anos 1990. Em determinada cena do filme, Jon reconhece seus privilégios e dilemas acerca da escrita da peça e adia o quanto puder a conversa séria que precisa ter com a namorada, enquanto um de seus amigos está no hospital.

Tick, Tick... Boom!

Jon tinha em sua cabeça muitas questões que esperava responder em projetos futuros, e ele respondeu algumas dessas perguntas em Rent, quando descreveu medidas do tempo que compunham as estações do amor na canção “Seasons of Love”. Tick, Tick… Boom! faz pequenas referências e homenagens ao seu trabalho, como em uma cena em que Jon está com um forte bloqueio criativo, mas dedilha em seu teclado uma introdução que se tornaria querida para os fãs de Rent, a música “One Song Glory”.

O filme também trata de homenagear a Broadway como um todo, em meio à enorme carta de amor que é para Jon Larson e sua vida. Como o filme foi produzido durante a pandemia, a Broadway estava fechada, e logo, Lin Manuel-Miranda tratou de chamar grandes nomes da comunidade artística para uma cena em que Jon imagina uma música, baseada em Sunday in The Park With George, de Stephen Sondheim, cuja protagonista da peça original, Bernadette Peters, faz parte do multiverso visto na sequência. O trecho de “Sunday…” é um grande abraço para os amantes da Broadway, com uma enorme metalinguagem, dado o fato da música ser inicialmente uma inspiração de Jon em Sondheim, que infelizmente veio a falecer em 2021. A cena conta com a reunião do elenco original de Rent, que é de emocionar.

O elenco de Tick, Tick… Boom! conta com nomes familiarizados com o trabalho de Jon. Além de Robin de Jesús e Vanessa Hudgens, que já participaram de produções anteriores de Rent, o filme também conta com a presença de MJ Rodriguez, como Carolyn. Como Jon Larson, a performance brilhante de Andrew Garfield presenteia o público e faz jus a todo o amor pela arte do escritor e compositor. Tick, Tick… Boom! é um filme sobre os sonhos de alguém que desejava criar arte e tinha muito amor pelo o que fazia. É um filme que lida com a perda, inclusive do próprio Jon. Em uma entrevista, Garfield comentou como o filme significou para ele, que tinha perdido sua mãe, e como a arte ajuda a lidar com o luto. “É somente o amor não expressado, o luto permanece conosco, até que a gente se vá também. Porque nunca vamos conseguir tempo suficiente uns com os outros.” Voltamos, então, ao começo de Tick, Tick… Boom!, quando Jon abre com sua música pedindo para o relógio parar.

Com todas as mensagens do filme, Tick, Tick… Boom! deixa a certeza de que o tempo passa e é preciso viver um dia de cada vez. Que é importante não romantizar um futuro que podemos não presenciar, mas que cada um está correndo contra o tempo de formas diferentes. Podemos e devemos ter sonhos, e planejar um futuro melhor, mas com ações no dia de hoje. Porque, assim como Jon cantou (e escreveu), as ações falam mais alto do que as palavras.

Tick, Tick… Boom! recebeu 2 indicações ao Oscar, nas categorias de: Melhor Montagem e Melhor Ator (Andrew Garfield).


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