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Turning Red e as dores do amadurecimento

Quando lembro da minha adolescência agradeço por só ter que passar por ela uma vez. Mas depois de assistir Turning Red — ou Red: Crescer é Uma Fera —, novo filme dos estúdios Pixar/Disney, passei a lembrar com mais carinho dessa época tão intensa. Assim como Meilin Lee, a protagonista do filme, todos tivemos que enfrentar as dores do crescimento, os conflitos familiares e as inevitáveis mudanças.

Atenção: este texto contém spoilers!

Todos nós ficamos vermelhos

Um dia, Meilin Lee, uma adolescente de 13 anos sino-canadense, acorda transformada em um panda-vermelho e descobre que é uma maldição familiar. Agora, toda vez que tiver uma forte emoção, seja de dor, felicidade ou raiva, irá soltar o panda. Turning Red é uma animação que quebrou diversos tabus ao abordar a tão temida puberdade com foco nas diversas mudanças que ocorrem no corpo. Por meio de Mei-Mei podemos explorar todos esses desconfortos, como os pelos que surgem por todo lugar, o suor com cheiro forte que faz do desodorante nosso melhor amigo e, no caso das pessoas que menstruam, cólicas, irritação e sempre ter que dar aquela conferida da roupa para ver se o absorvente não vazou.

Em entrevista a Folha de S. Paulo, Domee Shi, diretora de Turning Red e ganhadora do Oscar de Melhor Animação em Curta-Metragem por Bao (2018), revelou o que queria trazer com essa transformação de Mei: “evocar esse momento da vida, em que as meninas menstruam e todos estão sempre com o rosto corado por vergonha, raiva ou qualquer outro sentimento na montanha-russa emocional que vivemos”. Turning Red é a primeira animação que Domee Shi dirige, mas não somente: ela também é a primeira mulher a dirigir tanto uma animação como um curta-metragem da Pixar, estúdio que existe desde 1986.

O mais interessante é que a animação traz todos esses elementos em uma linguagem leve e mágica por meio das tradições familiares. E tudo se passa no ano de 2002, época em que as boy bands (4-Town Forever!), CD’s e tamagotchi estavam em alta. Quando Mei nos apresenta ao seu grupo de amigas — Miriam, Priya e Abby —, a conexão é imediata visto que na adolescência, sempre temos nossas parceiras de crime para atravessar todas essas transformações. Não podemos esquecer das humilhações que essa época traz, e como tudo parece ser o fim do mundo. Me identifiquei com diversas situações que Mei passou, principalmente quando a mãe dela, Ming, mostra o absorvente da filha para escola toda.

Abrace quem você é — incluindo as partes ruins

Nesta fase, em que se não é bem uma criança nem um adulto, viver nesse meio campo cinzento é bem complicado. A busca pela aceitação para se encaixar e descobrir quem se quer ser. Mei está nessa encruzilhada que perpassa também a questão de sua ancestralidade chinesa. Ela convive com toda a cultura adolescente do ocidente, mas também há as tradições chinesas que a aproximam da mãe. Mesmo sendo uma nerd confiante e divertida, ela sente medo de perder esse laço se não atender às expectativas da mãe.

Mei está crescendo e quer descobrir quem é. Sua mãe, Ming, também vivenciou isso e carrega os traumas da repressão que sofreu durante a adolescência na vida adulta. Sem querer, Ming acaba reproduzindo a educação rígida e sufocante que recebeu de seus pais em Mei. Isso não quer dizer que ela não a ame, ou que é a vilã, mas que ela também traz os próprios machucados. O ritual para trancar o espírito do panda-vermelho também funciona como uma metáfora para o ensinamento reproduzido pela rede familiar de que algumas coisas não devem ser faladas, nem sentidas. Que devem ser colocadas em um baú e esquecidas.

Ming quer fazer o certo, conforme foi ensinada. A beleza do terceiro ato de Turning Red é justamente ver mãe e filha se abrindo e sendo sinceras na sua relação. Mei é uma adolescente, que gosta de garotos, de rebolar e de escutar música alta. E no final, Ming acolhe essas características porque entende. Tanto Mei como Ming tentaram ser filhas perfeitas, com notas altas e obediência. Mas a perfeição nunca é alcançada. Não somos perfeitos. Somos quem somos, e às vezes já é o suficiente. Vemos isso quando Mei aprende a acalmar o panda após se sentir acolhida pelas amigas. Elas amam Mei com panda ou sem panda, a aceitando de imediato. É aquela amizade dos 12 anos que nunca mais nos encontramos, como já dizia o filme Conta Comigo, de 1986.

No documentário O Abraço do Panda — A Fera Vermelha, que traz os bastidores do filme, descobrimos que Mei e suas amigas carregam muito da equipe criativa da produção. Além de Damee Shi como diretora, o filme conta com mulheres em diversos cargos de liderança, como produção executiva, roteiro e designer de produção. Todas trazem um pouco de sua adolescência para a construção estética e narrativa da animação.

Apesar de ser um projeto tão diverso, Turning Red vem recebendo críticas de telespectadores que alegam que o filme “dialoga com um público específico” ou criticam o design da animação que traz claras referências a animes, como Sailor Moon, animações japonesas como Meu Amigo Totoro (1988), do Studio Ghibli, e coloca elementos da cultura pop como uma boy band e Crepúsculo — Priya ama vampiros e tem sua própria versão para a saga de Stephenie Meyer no longa. Turning Red abraça também as referências asiática e isso é ótimo.

Todos os anos crianças asiáticas, muçulmanas e indianas são limitadas a consumir histórias que trazem apenas a vivência ocidental americanizada, que é vendida como algo universal. Então por que as histórias delas se tornam específicas e limitantes para o mundo? Eu, que cresci em uma região periférica da cidade de São Paulo, me identifiquei com a necessidade que Mei tem pela aprovação da mãe, com a solidão do crescimento e os sentimentos confusos. O que poderia ser mais universal que isso?

“A luta da Mei nesse filme é está dividida entre ser a boa filhinha da mamãe e acolher sua fera interior. Essa é a luta universal pela qual muitas crianças passam, especialmente para crianças imigrantes, há mais dessa obrigação de continuar o legado de sua família e garantir que os sacrifícios deles em vir para um novo país não foram em vão. Ela está presa nesses dois mundos”, — Domee Shi no documentário O Abraço do Panda.

A diversidade no filme não ficou só na produção. A dublagem também buscou vozes asiáticas, como Sandra Oh, que dubla Ming. Priya, que é uma adolescente de origem indiana, é dublada por Maitreyi Ramakrishnan, atriz canadense de origem tâmil, conhecida pela série Eu Nunca, da Netflix. Outro destaque do filme é ter uma boy band viciante — com músicas de Billie Eilish e FINNEAS, o 4-Town tem tudo para ser a primeira banda de uma animação no Top10 do Spotify. Alguém conseguiu tirar “Nobody Like U” da cabeça? Eu sei que não.

Red: Crescer é uma Fera recebeu 1 indicação ao Oscar, na categoria de: Melhor Animação. 


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