Criado no final dos anos 1970, o Festival de Sundance vem ganhando mais força e olhar curioso do público ano após ano ao reconhecer produções independentes que posteriormente disputaram grandes premiações, como o Oscar. Minari (2020) e Whiplash (2014) foram alguns dos vencedores do Grande Prêmio do Júri a ter uma trajetória de destaque a partir do festival. Porém, em 2021, outro filme independente chamou atenção da audiência e da imprensa, não apenas por vencer os prêmios do Júri e do público, mas também por ser arrematado pela Apple por US$25 milhões (cerca de R$ 134,1 milhões), batendo o recorde de maior valor de aquisição por um produto audiovisual em Sundance. Antes mesmo de terminar de assistir a CODA, ou No Ritmo do Coração, como ficou o título em português, fica evidente o porquê da Apple ter apostado tão alto nessa produção.
O filme escrito e dirigido por Siân Heder (Tallulah, 2015), é um remake do francês A Família Bélier (2014), grande sucesso de bilheteria em seu país de origem, porém muito criticado por não trazer representatividade em seu elenco. Assim como a produção francesa, No Ritmo do Coração acompanha um jovem adolescente, Ruby Rossi (Emilia Jones), que é uma CODA (Child of Deaf Adults), única em sua família que não é surda. Diferente do original francês, o filme de Heder coloca a família Rossi como pescadores em Gloucester, Massachusetts.
Ao mesmo tempo em que enfrenta os desafios da adolescência, Ruby se encontra em um dilema: continuar com seu importante papel de intérprete para os pais e o irmão no barco de pesca da família, uma vez que essa é a única forma que os garante sustento, ou seguir com seu sonho de cantar e fazer faculdade em Boston.
Quem der o play na produção, disponível no Brasil na Amazon Prime Video, não vai encontrar nenhuma surpresa. O longa é previsível desde o seu início e conta com diversos clichês, como o professor linha dura, mas com um grande coração, que ajuda Ruby a superar seus limites para garantir sucesso na audição da universidade que deseja ingressar; o envolvimento amoroso de Ruby com o parceiro de dueto, Miles (Ferdia Walsh-Peelo), que segue a receita de bolo dos filmes de romance adolescente; ou ainda o bullying que a protagonista sofre dos colegas por conta da sua família e do seu trabalho no barco pesqueiro. Ainda que formulaico, No Ritmo do Coração é um comfort movie bem feito e que, ao lado de produções como Ted Lasso, é um respiro em meio a filmes e séries dramáticas e cínicas que ganharam força nos últimos anos.
O filme de Heder vem na mesma esteira de O Som do Silêncio (2019) e Eternos (2021) ao lançar luz sobre pessoas ainda muito marginalizadas. No Ritmo do Coração sai na frente da produção original francesa ao escalar atores surdos para interpretar as personagens com a mesma condição.
As personagens e o elenco principal são o maior mérito do filme. O roteiro entrega pessoas reais, complexas e passa longe de representar a comunidade surda com coitadismo. O grande destaque vai para a dupla que faz os pais da Ruby, interpretador por Marlee Matlin (Jackie Rossi) e Troy Kotsur (Frank Rossi). Cheios de carisma, os dois são os principais responsáveis pelo humor do filme, além de representarem muito bem as áreas cinzas de seus personagens. Emilia Jones encarna com precisão a protagonista, completamente relacionável a qualquer um, afinal, quem nunca, quando jovem, não se sentiu incompreendido pela família? Outro membro da família Rossi, Leo, irmão mais velho de Ruby, é um bom contraponto à protagonista. Os dois mostram duas visões diferentes da dinâmica familiar e a relação entre os irmãos e os pais são eficiente em demonstrar ao público o quanto Ruby se sente deslocada dentro da própria família.
Milimetricamente calculado para emocionar, algumas escolhas do filme podem gerar reviradas nos olhos em muitos momentos, como o conflito entre Ruby e seu professor, que poderia ter sido facilmente resolvido com uma simples conversa entre os dois, ou a cena da audição da protagonista, açucarada em demasia, mas não tão emocionante quanto o esperado. Ruby — de forma proposital ou não — não é uma cantora nos moldes de deixar o público de queixo caído, fazendo com que o foco da cena seja sua relação com a família, nem tanto seu dom para o canto. Mas, apesar das falhas, não há como negar que No Ritmo do Coração termina com uma nota positiva e é um daqueles filmes perfeitos para se assistir em dias insípidos e ficar com o coração quentinho — se você não sentiu um pingo de emoção na cena entre Ruby e o pai, mais ao final do filme, você morreu por dentro.
No Ritmo do Coração recebeu 3 indicações ao Oscar, nas categorias de: Melhor Filme, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Ator Coadjuvante (Troy Kotsur).
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