No início da década de 90, as comédias românticas estavam em seu auge. Lideradas por Julia Roberts e seu Uma Linda Mulher, os filmes do gênero invadiram os cinemas com suas histórias doces, lindos protagonistas e relacionamentos amorosos de tirar o fôlego, fazendo com que uma geração inteira de garotas sonhasse acordada com príncipes encantados parecidos com Richard Gere. É o que acontece com a jovem Natalie (Alex Kis) logo no início de Megarrromântico — até que sua mãe, sem meias palavras, diz que histórias de amor como as dos filmes não estão destinadas à mulheres como elas, comuns e em nada parecidas com Julia Roberts.
Atenção: este texto contém spoilers!
A partir de então, Natalie cresce para se transformar em uma arquiteta tentando se provar no emprego em Nova York e que encara com ceticismo toda e qualquer menção às comédias românticas, revirando os olhos sempre que alguém pontua o quanto esse tipo de filme é incrível. Natalie, interpretada por Rebel Wilson na fase adulta, desacredita totalmente no amor romântico e, frustrada com sua vida amorosa e profissional, não vê graça alguma nos filmes que antigamente faziam seus olhos brilharem. Tudo muda, no entanto, quando, depois de levar uma pancada na cabeça no metrô, ela acorda em uma Nova York que poderia ter saído dos roteiros de Nora Ephron, com pessoas bonitas a cada esquina, cores fortes e muitas flores por todos os lados.
Ao acordar no hospital, após o acidente, Natalie dá de cara com um médico gato (Tom Ellis), que não para de conversar com ela olhando em seus olhos, algo com que Natalie não está acostumada, visto que sempre é ignorada pelas pessoas, mesmo em seu ambiente de trabalho. A partir desse momento ela já percebe que tem algo extremamente errado e a situação consegue ficar ainda mais estranha quando Blake (Liam Hemsworth), um rico cliente do escritório de arquitetura que até então a confundia nas reuniões com a moça do cafezinho, a convida para sair. Natalie não entende como isso pode estar acontecendo com sua vida sem graça e, somando isso aos caras extremamente bonitos convidando-a para sair, ela encontra seu apartamento pequeno e bagunçado totalmente reformulado no melhor estilo Pinterest e com um amigo gay, Donny (Brandon Scott Jones), sempre a postos para ajudá-la com os conselhos de que precisa para seguir em frente em sua narrativa, ignorando qualquer vida própria que ele possa ter além dela, um cachorrinho de banho tomado e pelo hidratado, e um closet de milhões de dólares digno de Carrie Bradshaw (Sarah Jessica Parker) em Sex and the City.
Sim, Natalie está presa dentro dos filmes que tanto odeia, e precisa passar por cada um dos tropos que conhece tão bem para retornar à sua realidade, mas não sem antes viver uma jornada de redescobertas no processo. Megarrromântico, filme do diretor Todd Strauss-Schulson com roteiro de Erin Cardillo, Dana Fox e Katie Silberman, é, sim, uma comédia romântica, mas o longa busca subverter as narrativas com que estamos acostumadas adicionando uma protagonista não convencional à fórmula, uma mulher cética e que, embora tenha crescido ao som de Pretty Woman, há muito deixou de acreditar no amor. Natalie é uma mulher gorda, mas isso não é, em momento algum, apontado como algo inesperado ou balizador de sua narrativa, e nenhum dos personagens se choca com isso ou a questiona por sê-lo. Mesmo que sua nêmesis, Isabella (Priyanka Chopra), seja uma modelo, ela não é vista como o oposto de Natalie, mas apenas uma personagem que preenche mais um tropo das comédias românticas, o da mulher encantadora que está prestes a se casar com o melhor amigo da protagonista e que também é o cara por quem Natalie está apaixonada, algo que ela só se dá conta quando o casamento entre Josh (Adam Devine) e Isabella está prestes a acontecer.
Megarrromântico se vale dos clichês para construir sua trama, mas são clichês até então negados às mulheres gordas da mesma maneira que foram, por anos, negados às mulheres negras. Natalie tem um pretendente saído das páginas de uma revista de modelos na figura de Blake, um apartamento glamouroso em uma das cidades mais icônicas do mundo e um closet incrível, mas nada disso é o que ela realmente deseja para si e ela tenta, desesperadamente, retornar à sua realidade normal, comum e acinzentada. Em quase noventa minutos de filme, que passam voando, Megarrromântico se propõe a preencher cada uma das caixinhas dos clichês das comédias românticas, e faz isso enquanto ri de si mesmo e aponta os absurdos que encantaram, por anos, audiências em todo o mundo.
No enredo há a arqui-inimiga da protagonista na figura da, antes doce, Whitney (Betty Gilpin), assistente de Natalie no trabalho, os números musicais que acontecem sem aviso prévio (destaque para a cena do karaokê com o elenco cantando “I Wanna Dance With Somebody (Who Loves Me)”, de Whitney Houston) assim como o amor à primeira vista que se dá entre Josh e Isabella, além de encontros românticos em barcos e a luz de velas. E tudo isso funciona justamente pelo fato de que Megarrromântico se vê como uma paródia ainda que, ao final dessa jornada, ele seja, realmente, uma comédia romântica — mais uma da safra que a Netflix vem meticulosamente liberando e que está acompanhada de filmes como Para Todos os Garotos que Já Amei, O Plano Imperfeito, Sierra Burgess é uma Loser e Felicidade por um Fio, só para citar alguns títulos.
No entanto, mesmo com toda essa desconstrução de tropos tão famosos, Megarrromântico não consegue ser tão subversivo quanto parece pretender. Ainda que o enredo, em alguns momentos, aponte críticas a respeito de aspectos problemáticos das comédias românticas em geral, como quando fala do patriarcado e a instituição do casamento, o roteiro logo se perde quando encerra a história de Natalie com uma mensagem simples de ame a si mesmo. Sim, é importante apontar que amar a si mesma é o primeiro passo para ser feliz, mas Megarrromântico não consegue ir muito além disso durante a epifania de Natalie nos momentos finais do filme. Mesmo assim, o longa se prova mais um acerto da Netflix e é capaz de entreter seu público enquanto ri dos aspectos que fizeram das comédias românticas um sucesso durante anos, mostrando os motivos pelos quais ainda adoramos esse tipo de filme mesmo em 2019.
Comédias românticas podem ser bobinhas e previsíveis, e precisamos acreditar naquilo que estamos assistindo para poder apreciar suas histórias (lembra do princípio da suspensão de descrença? É isto.), mas, às vezes, tudo o que a gente precisa, realmente, é acreditar. Acreditar que o amor pode não ser capaz de consertar tudo, mas que pode fazer a jornada valer a pena. Em Megarrromântico demora um pouco até que Natalie perceba que ela não precisa necessariamente estar apaixonada por Blake ou Josh a fim de mover sua narrativa adiante e que o verdadeiro amor que ela busca é o próprio, e tudo bem. A jornada de Natalie é muito mais sobre como a protagonista descobre quem ela verdadeiramente é do que descobrir se, ao subir dos créditos, ela estará nos braços de Blake ou Josh. Nos primeiros minutos do filme, Natalie é invalidada diante das outras pessoas, principalmente em seu ambiente de trabalho: colegas exigem coisas que não fazem parte de seu cargo como arquiteta, e ela permite que eles continuem a menosprezá-la diariamente, sem forças para ir à luta por si mesma. Mas isso muda no decorrer do filme quando ela percebe que era a si mesma a quem deveria amar desde o princípio — um clichê, mas um clichê totalmente necessário.
Megarrromântico pode não ser completamente inovador, mas é um filme adorável que te deixará com o coração quentinho — muito por conta da presença espirituosa e talentosa de Rebel Wilson. A atriz abraça a verdade de sua personagem seja vivendo na Nova York em tons de cinza e toneladas de lixo nas ruas ou na cidade que substituiu todas as lojas de bebidas por cafeterias fofas, lojas de cupcake e vestidos de noiva. Rebel Wilson nos faz acreditar em Natalie e torcer por ela, e por isso o filme funciona tão bem. Ao final dos noventa minutos do longa, já não nos importamos tanto com Blake ou Josh, ou quem conquistará a mocinha, mas tudo o que queremos é que Natalie aprenda a se impor, a ir a luta por si mesma e suas ideias. Megarrromântico pode ter nascido como uma paródia das comédias românticas, mas termina nos mostrando que filmes desse tipo podem ir além do romance e que o que importa, no final, é se amar em primeiro lugar. De novo, clichê. Mas, de novo, essencial.