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No Oscar, histórias sobre mulheres não merecem indicação a Melhor Filme

No seu discurso pelo Oscar de Melhor Atriz em 2002, a primeira e única artista negra a ganhar a categoria principal de atuação, Halle Berry, brincou que precisava de um tempo a mais para o seu discurso, justamente por ser a primeira a conquistar o troféu em 74 anos de premiação. “Esse momento é muito maior do que eu”, ela disse na ocasião. “É para todas as mulheres negras, sem rosto e sem nome que agora tem uma chance porque essa porta foi aberta esta noite.” Vinte anos depois, não só mais nenhuma atriz negra venceu a premiação como protagonista de um longa, como histórias sobre mulheres continuam tendo pouquíssimo espaço no Oscar. Basta olhar as indicações desse ano para perceber que, não só além de todas as indicadas serem mulheres brancas, nenhuma das histórias que protagonizam concorrem a Melhor Filme.

As cinco indicadas são Jessica Chastain, por Os Olhos de Tammy Faye, Olivia Colman, por A Filha Perdida, Kristen Stewart, por Spencer, Nicole Kidman, por Apresentando os Ricardos e Penélope Cruz, por Mães Paralelas. Ainda que, por outro lado, apenas dois dos atores indicados a categoria principal de atuação — Will Smith, por King Richard e Benedict Cumberbatch, por Ataque dos Cães — tenham seus longas concorrendo ao maior prêmio, fica claro que, ao analisarmos que apenas dois dos dez nomeados têm mulheres como protagonistas de suas histórias — Licorice Pizza e No Ritmo do Coração —, narrativas femininas não tem espaço no Oscar.

No entanto, este não é o primeiro ano em que histórias sobre mulheres são jogadas para escanteio na categoria principal. Em 2021, apenas dois filmes indicados a Melhor Filme concorreram também a Melhor Atriz, enquanto, no equivalente masculino, quatro dos cinco atores indicados tinham seus filmes listados ao maior prêmio da noite. Nos últimos cinco anos, o mesmo aconteceu em 2020, enquanto, na maior parte dos anos, a categoria de Melhor Atriz alcançou no máximo três indicações coincidindo com Melhor Filme. Em 2017, apenas La La Land esteve presente em ambas as posições. Isso porque só estamos levando em consideração o gênero: se afunilarmos para a questão racial, o funil fica ainda mais estreito.

No vídeo do canal Entre Migas, as apresentadoras explicam que, para que um filme seja indicado às categorias do Oscar, os estúdios precisam fazer lobby, isto é, uma espécie de divulgação para que os membros da Academia vejam o filme em questão. A pergunta que fica é: se essa divulgação é feita para a categoria de Melhor Atriz, por que esses filmes, que em geral tem como narrativa principal a história de mulheres, também não são considerados para serem os escolhidos dos estúdios para ganhar investimento para a divulgação voltada para Melhor Filme?

É como se, a cada ano, estivéssemos vivendo de migalhas em relação à presença de mulheres no Oscar. E não estamos tirando o mérito dessas mulheres, pelo contrário: ficamos muito felizes quando Jane Campion se tornou a primeira diretora a concorrer à categoria de direção duas vezes, quando Ari Wegner tornou-se a segunda a concorrer à Direção de Fotografia, também por Ataque dos Cães, ou mesmo como aconteceu em 2021, quando pela primeira vez, duas mulheres concorreram como diretoras: Emerald Fennell, por Bela Vingança, e Chloé Zhao, por Nomadland. Zhao e Kathryn Bigelow, por Guerra ao Terror, são as únicas que já venceram na categoria, em 2021 e 2010, respectivamente.

Não é de hoje que a Academia tenta se atualizar e estar mais atenta a questões envolvendo diversidade. Em 2016, quando a #OscarSoWhite dominou as redes sociais devido a falta de indicação de atores negros nas categorias de atuação e fez com que celebridades como Will Smith e Spike Lee boicotassem a cerimônia, o corpo de votantes sofreu grandes mudanças, junto com o acréscimo de novas regras para que os filmes pudessem concorrer. Conforme explica matéria da revista Marie Claire, as normas previram maior pluralidade no elenco e na produção, além de maior luz em histórias sobre mulheres, pessoas negras e LGBTQIA+ e mais oportunidades de estágios para minorias nessas produções.

Em 2018, o drama se repetiu com a #OscarsSoMale que levantou como principal questão a falta de mulheres indicadas às categorias técnicas. A hashtag veio meses depois do #TimesUp, movimento que pedia maior representatividade das mulheres na indústria cinematográfica e se opunha ao assédio moral e sexual, após vir à tona todas as acusações contra Harvey Weinstein, produtor e co-fundador da Miramax. No mesmo ano, as atrizes foram de preto à cerimônia como forma de apoio à causa.

Por mais que tente se manter relevante, a cada ano, a audiência do Oscar é cada vez menor. Em 2022, a estratégia foi tirar do ao vivo oito entregas do prêmio e a criação do Oscar Fan Favorite, filme votado pelo público via Twitter, uma espécie de categoria voltada para filmes mais populares. Mas, mesmo com todas as tentativas, a principal falha é, apesar de todas as promessas, não conseguir construir uma premiação de fato representativa, em que apenas histórias em sua maioria protagonizadas por homens brancos merecem uma chance de ser premiadas com a maior honraria da noite.


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