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Sete Anos de Escuridão: somos as escolhas que fazemos

Sete anos se passaram desde que uma menina foi encontrada morta no lago Seryong, o mesmo período desde que Sowon, um adolescente, viu Hyonsu, seu pai e a pessoa responsável pelo assassinato, pessoalmente. Durante esses sete anos, Sowon foi ridicularizado, deixado de lado pelos parentes, que não queriam ter nenhuma relação com ele, e obrigado a mudar de escola sempre que seu passado o alcançava. Sowon é o filho de um assassino e sete anos se passaram desde que seu pai foi preso acusado de matar uma menina no lago Seryong.

Sete Anos de Escuridão é o mais recente thriller escrito por You-jeong Jeong, autora de O Bom Filho e uma das mais célebres escritoras da Coreia do Sul. Publicado pela editora Todavia com tradução de Paulo Geiger, Sete Anos de Escuridão é mais um perfeito trabalho de You-jeong Jeong, que é capaz de despertar no leitor emoções contraditórias durante as mais de 400 páginas de sua trama. É fácil se compadecer de Sowon, um jovem obrigado a se tornar um nômade, sem apoio sequer dos parentes após o encarceramento de seu pai, mas também sentir pena de Hyonsu, um homem acorrentado a uma série de más decisões.

“Quem age com imprudência corteja a desgraça.”

Após sete anos vagando pela Coreia do Sul, tentando fugir de seu passado como “o filho do assassino”, Sowon acredita ter, finalmente, encontrado um local em que pode se estabelecer por um tempo sem levantar suspeitas das pessoas ao redor. O Vilarejo do Farol, ou Sinsong-ri, é um dos menores vilarejos da península de Hwawon, “um lugar hediondo, enfadonho e inacessível”. Com apenas doze habitantes, incluindo Sowon, Sinsong-ri era o lugar ideal para alguém que não queria ser encontrado por seu passado, mas as coisas mudam de uma hora para outra e tudo o que se mantinha oculto, relegado ao esquecimento, retoma para a vida do órfão que terá a oportunidade de, finalmente, compreender a tragédia que transformou a sua vida para sempre.

Um manuscrito é entregue a Sowon e nele está toda a verdade ou o que a pessoa que escreveu pensa ser toda a verdade sobre a fatídica noite às margens do lago Seryong e a morte da menina pelas mãos de seu pai. Mas uma coisa é certa, e Sowon aprenderá isso da maneira mais difícil, é que a verdade nem sempre liberta.

“Pessoas que acreditam em seus próprios futuros podem criar suas próprias vidas.”

A narrativa de You-jeong Jeong não a transformou em uma das melhores escritoras de thriller da Coreia do Sul por acaso a autora tem a capacidade de moldar a narrativa com as mãos hábeis de quem esculpe em mármore, nos fazendo caminhar pelos meandros de verdades e mentiras que cercam as vidas de todos os envolvidos na tragédia do lago Seryong. A escritora entrega informações valiosas, mas nem sempre da maneira como esperamos, e isso transforma o Sete Anos de Escuridão em um jogo em que, assim como Sowon, precisamos separar o confiável do inventado e desemaranhar sete anos de segredos esquecidos para tentar decifrar o que de fato aconteceu no lago Seryong.

You-jeong Jeong não engana a respeito da morte da menina Seryong sim, ela compartilha o nome com o lago em que foi encontrada morta , mas há muitas camadas nessa história. Muitos dos envolvidos possuem segredos, há um homem em busca de vingança, mas que não é tão inocente assim, e um acusado envolvido em uma sequência de ações impensadas que acabam por levá-lo a uma situação limite. Há um jovem órfão em dúvida sobre querer ou não iluminar a escuridão que assoma sua vida, e um homem com um segredo guardado durante todo esse tempo.

Quem é o verdadeiro vilão nessa trama? You-jeong Jeong brinca com nossas emoções durante a leitura, enquanto descortina, pouco a pouco, os acontecimentos que levaram à morte da pequena Seryong. Um dos aspectos mais interessantes do livro é justamente essa habilidade da autora de evocar as mais diversas emoções em seu leitor ao mesmo tempo que é possível se sentir completamente estraçalhada pela morte precoce e aterradora de Seryong, é plausível, também, sentir pena do assassino, levado pelas piores decisões ao fatídico momento. E quanto ao pai de Seryong, que busca vingança acima de tudo, mas nem sempre foi o melhor para sua filha? Os sentimentos conflitantes permeiam toda a narrativa de Sete Anos de Escuridão, tornando a obra impossível de largar antes de chegar ao seu desfecho.

Sete Anos de Escuridão é um livro, de certa forma, provocador. You-jeong Jeong nos faz questionar nossos sentimentos e nossas concepções de certo e errado, assim como nos coloca nos papéis de Sowon, de seu pai, e dos demais envolvidos na trama. Contos de vingança geralmente manipulam o leitor por meio do desejo nada mais do que humano de ver a justiça feita sem tons de cinza, mas sabemos que na vida real isso é impossível, e aqui, por meio da prosa de You-jeong Jeong, também.

“Essa escuridão tinha começado sete anos atrás e chegara a hora de acabar com ela.”

O assassino em Sete Anos de Escuridão é somente um pai um tanto apático, preso entre sua estagnação e falta de aptidão social, mas que ama Sowon mais do que tudo, enquanto o homem que perde a filha é visto em alta conta na sociedade em que está inserido, mas comete as maiores atrocidades quando está longe do olhar dos outros. A quem devemos nossa simpatia em uma situação como essa? É nesse momento em que a escrita de You-jeong Jeong brilha, nos fazendo refletir sobre como as pessoas são capazes de mudar narrativas para caber em sua concepção de verdade e como erros de julgamento podem significar a ruína de uma vida inteira.

Sete Anos de Escuridão possui cenas contendo violência doméstica, abuso infantil e contra animais, então não é, de certo, um livro para todos os públicos. A escrita de You-jeong Jeong é impecável do início ao fim, nos fazendo mergulhar junto de Sowon em uma trama provocadora sobre como as consequências de nossas escolhas moldam nossas vidas de maneira irreversível, assim como nossos erros. O erro de um homem foi capaz de definir não apenas a sua vida, mas a de seu filho e as demais relações ao seu redor. Vingança e justiça caminham de mãos dadas, mas nem tudo é tão simples quanto parece ser. O comum é que a corrupção prevaleça sobre os fatos, moldando a narrativa e a esculpindo de acordo com aquele que tem o maior poder nas mãos.

“Às vezes o destino nos envia uma doce brisa e a cálida luz do sol, outras vezes lança um sopro de infortúnio sobre nossas vidas. Às vezes escolhemos a pior opção. Mas existe uma área cinzenta entre fato e verdade, da qual não se fala com frequência. Por mais desconfortável e confuso que seja, nenhum de nós pode escapar ao cinzento da vida.”

O exemplar foi cedido para resenha como cortesia pela Editora Todavia.


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