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Marry Me: se você quer algo diferente, tem que fazer algo diferente

Protagonista de várias comédias românticas clássicas nos anos 2000, Jennifer Lopez acredita tanto na renascença das romcoms que estrelou duas produções do gênero recentemente. Em Marry Me, JLo interpreta uma mulher que tem várias coisas em comum com ela, uma cantora mundialmente famosa, cuja vida amorosa é pública. O filme brinca com o bombardeio de redes sociais e mídias, com essa vida pública que é quase como um reality em várias plataformas. No longa, a personagem de Jlo se chama Kat Valdez, cujo casamento com Bastian interpretado por Maluma — se transforma em um show que será assistido internacionalmente, o evento do ano. A vida de Bastian e Kat é um espetáculo, então o seu casamento que não é o primeiro tem que ser assim também.

Atenção: este texto contém spoilers

O que mais marca no filme, que traz um clichê de “estranhos para namorados” de uma forma bem ousada, é a figura da protagonista como uma mulher independente que sabe o que quer. Kat sabe que além da independência financeira e do sucesso em sua carreira, ela quer, e merece, viver um amor verdadeiro. Kat acredita verdadeiramente nessa parceria com Bastian, que vai além de uma performance da música título do filme, porque será a união de duas pessoas verdadeiramente apaixonadas uma pela outra. Ou assim ela pensava. Ela já se casou outras vezes e, como uma figura pública, sua vida amorosa é protagonista de muitas piadas através da mídia. Quando a performance e o casamento do ano estão prestes a acontecer, Kat descobre que Bastian a traiu. Mas isso não a faz cancelar a performance, e ela continua fragilizada e vulnerável , e se abre para a plateia, falando sobre como acreditamos num conto de fadas que nos é vendido, como acreditamos que estamos casando com quem amamos, mas, na verdade, estamos casando com a ideia de quem amamos.

Gosto de como a personagem é uma mulher decidida, dedicada e esforçada. Ela sabe o que quer. Ela quer um amor verdadeiro, e quem pode a culpar por isso, por tentar e continuar tentando, mesmo que os casamentos anteriores não tenham dado certo? Então ela faz uma escolha. Uma escolha impulsiva e movida por um momento fragilizado, mas uma escolha dela, e isso é Kat tentando. Enquanto se abre para o público a respeito do desejo de viver um grande amor, ela vê na plateia um cara aleatório segurando uma placa escrito “Casa Comigo” e diz: “They say if you want something different, you gotta do something different” [“Eles dizem que se você quer algo diferente, tem que fazer algo diferente”]. E decide se casar com o estranho na plateia. Todos esperavam um casamento, então receberiam um casamento. Só não seria com Bastian.

marry me

O cara aleatório é um professor de matemática, recém divorciado, pai de uma menina, Charlie Gilbert (Owen Wilson). Ele não conhece Kat e nem tem redes sociais para ver que a cantora é a diva pop mais amada e conhecida do momento, e que a música “Marry Me” e toda a performance em que está envolvida é um hit. É uma amiga de Charlie que o convence a levar a filha ao show, já que a mesma o acha sem graça demais perto do padrasto descolado. Em um esforço para fazer com que sua filha o perceba de maneira diferente, Charlie não apenas a leva ao show como, quando visto por Kat, decide se casar com ela para que a cantora mundialmente famosa não seja humilhada mais uma vez. E é assim que Charlie e Kat pulam do penhasco juntos.

É claro que, na vida real, não é aconselhado para ninguém se casar com um desconhecido. As dinâmicas loucas de filmes como esse, por mais clichês que sejam, não são possíveis de serem reais, por isso são tão gostosas de assistir. Da mesma maneira quando assistimos filmes cujo tropo é “de inimigos para namorados”. Ver os interesses amorosos se “odiando” e depois se conhecendo melhor e desenvolvendo uma paixão pelo outro é lindo, mas na vida real é impraticável.

O cerne de Marry Me é a história dessa mulher independente que se arrisca para conseguir conquistar seus sonhos para além do sucesso e reconhecimento da sua carreira. Ela arrisca pois deseja viver o amor que sempre sonhou, pois Kat acredita que uma mulher pode ter o que quiser. E, mesmo assim, Kat se culpa por, de certa forma, decepcionar aqueles que torcem por ela ao escolher sempre os caras errados, virando piada novamente pelo casamento fracassado com Bastian. Porém, com Charlie, Kat decide tomar a narrativa para si enquanto o improvável casal começa a se conhecer melhor.

marry me

Por mais que Charlie ache o mundo das celebridades bem desconfortável, ele acaba concordando com tudo o que Kat propõe, não somente pelos quinze minutos de fama, mas também para ajudar a escola em que trabalha. Charlie diz que as pessoas se conhecem de maneira aleatória o tempo todo e que, antigamente, os casamentos eram tidos como transações de negócios e que não precisavam envolver amor. Kat, enquanto isso, decidida a vender seu lado da história para não continuar sendo a piada da vez, discursa sobre as mulheres mudarem a ordem das coisas, escolhendo com quem desejam passar sua vida, mantendo o próprio sobrenome e dando ao parceiro a oportunidade de conquistar o direito de ficar. Estou ao lado de Kat nessa: quero viver nesse mundo em que os homens batalhem para merecer ficar.

“I dont wanna be the punch line”
“Eu não quero ser a piada”

Então seguimos acompanhando a jornada de Charlie e Kat, um casal que levará um tempo para se conhecer ao que, a rigor, é feito antes do casamento. Enquanto isso, Bastian segue a vida sem dar satisfações sobre a traição para a mídia, como se nada tivesse acontecido e ele não tivesse traído Kat, sua noiva, cabendo somente a ela a humilhação pública. Maluma o interpreta muito bem, mesmo que com poucas cenas de diálogos e mais interpretações musicais, porque seu personagem nada mais é do que ele mesmo.

Kat e Charlie se encontram sempre rodeados de câmeras, correndo de um lado para o outro com a agenda louca de Kat, enquanto o professor de matemática sequer tem um smartphone. É interessante ver como Jennifer Lopez interpreta Kat como uma mulher que se abre para a possibilidade do amor, mesmo que em circunstâncias adversas. É divertido ver como Kat, tão dona de si, finge não saber jogar boliche para que Charlie a explique o que fazer, os aproximando por meio de um dos clichês mais utilizados em comédias românticas. A partir desse encontros, os dois começam a se aproximar, e Charlie passa a se abrir também, apesar de ainda estar muito desanimado com o amor por ter se divorciado, para dar a sua ex a liberdade que ela tanto queria.

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Enquanto Kat acredita no amor e no casamento, Charlie se mantém reticente. Os dois conversam sem câmeras por perto sobre  as estatísticas do casamento e do divórcio e para Kat, mesmo que as chances do amor dar certo sejam poucas, vale a tentativa. No meio disso tudo, e entre as quatro vezes em que se casou, Kat conta para Charlie sobre a questão da fama, do sucesso e da credibilidade, e  como para ela sempre foi difícil nunca ter sido indicada a prêmios mesmo com uma carreira tão longeva.

E assim, aos poucos, os mundos dos dois vão se misturando. Charlie era contra envolver a filha nessa situação, mas até a ex-mulher quer conhecer Kat. E a cantora aparece na aula de Charlie, na turma de Maththlon (uma espécie de competição de matemática), e acaba ajudando Lou (Chloe Coleman) a filha de Charlie com a questão da vergonha e do medo. Kat mostra para a menina um vídeo do início de sua carreira, provando para Lou e a turma que até ela tem medo e chegou a errar a letra de uma música durante a apresentação. O que Kat fez foi passar por cima do medo para continuar se apresentando. E é aqui, quando o mundo de Charlie colide com o de Kat, que ele começa a se apaixonar por ela. Porque, até então, ele estava apenas apoiando Kat enquanto ela lidava com a situação da traição e com os sentimentos conflitantes que ainda sente por Bastian.

Kat performa uma de suas primeiras músicas no baile da escola em que Charlie é professor e, então, os dois ficam juntos pela primeira vez. Eles decidem fazer uma troca: Kat deve aprender a viver uma vida sem toda a equipe de produção, sem o celular, algo mais low profile, enquanto Charlie deve entrar nas redes sociais. Os dois estão em sincronia e se aproximando cada vez mais e, então, Kat é finalmente nomeada ao Grammy por “Marry Me” junto de Bastian. Nesse momento, Charlie sente que está atrapalhando a vida de Kat e termina o que eles têm, se afastando, sem aceitar nem mesmo o dinheiro da negociação do casamento deles para a escola.

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Ao longo do filme, Kat também tem dificuldades para compor sua nova música. Lou até repassa uma frase motivacional que o pai repete muito: “se você sentar na questão, a resposta te encontrará”. Depois de um tempo, Kat compõe uma música sobre estar a caminho do amor. A música é um sucesso instantâneo e, enquanto ela está promovendo o novo single, “On My Way”, no programa de Jimmy Fallon com Bastian, ela percebe o que sente por Charlie. Kat tem uma epifania e vai atrás de Charlie durante a maratona de matemática, e vai sem a ajuda de sua equipe. Acredito que Marry Me seja uma comédia romântica sobre tentar encontrar o amor, mesmo que dê medo, mesmo com as cicatrizes de amores que acabaram. Se é isso que a gente quer — e querendo ou não, todo mundo quer ser amado de alguma forma —, para encontrar o amor, temos de nos mostrar vulneráveis, baixar nossa guarda, abrir nossos mundos para a outra pessoa poder entrar.

No final, o clichê confortável que é Marry Me acaba com Charlie e Kat juntos, mas o pano de fundo é a tentativa de Lou de competir na maratona de matemática. E fica a mensagem que o que mais importa é tentar. As coisas podem não acontecer como planejamos, mas nós tentamos. Acredito que agora, com a renascença das comédias românticas, com direito a volta de rostos conhecidos do gênero, os velhos tropos e clichês vão seguir encontrando tramas bem corajosas, como a de Marry Me. E vamos poder aproveitar a jornada que é acompanhar as pessoas se encontrando, se desenvolvendo e se apaixonando.