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Lore Olympus: a releitura de um amor no submundo

É inegável a importância e a influência da mitologia grega no mundo ocidental. Se na antiguidade ela auxiliava homens e mulheres a compreender e explicar o mundo, hoje os mitos antigos ainda estão marcados nas narrativas e na cultura popular do ocidente. Em muitos casos, a história dos deuses e heróis gregos ganham novas interpretações e ressurgem em novos formatos e narrativas. Como exemplo, encontramos rastros da mitologia grega nos clássicos infantis, como A Bela e a Fera (baseado em Eros e Psique), nos best-sellers infantojuvenis, como Percy Jackson e os Olimpianos, nos sucessos do cinema, com Morfeu em Matrix, e até na MPB, com Sampade Caetano Veloso, que cita o personagem mitológico Narciso. E quando somos transportados para o mundo dos quadrinhos, temos a webtoon Lore Olympus abordando um controverso porém importante mito grego: O Rapto de Perséfone.

As versões antigas desse mito são diversas. No entanto, todas tentam explicar a origem das estações do ano. Como protagonistas do clássico, temos Hades, o deus dos mortos e rei do submundo, e Perséfone, chamada anteriormente de Koré, a deusa da primavera. Hipnotizado pela beleza da deusa, Hades pede a mão dela em casamento para Zeus, que, sem consultar a divindade feminina, concede o pedido do irmão.

O rei do mundo inferior decide então raptar sua nova esposa, a levando para o submundo, onde Koré se torna Perséfone, a portadora da destruição. Deméter, deusa da agricultura e mãe de Perséfone, perturbada pelo desaparecimento de sua filha favorita, negligencia todos os seus afazeres no mundo dos mortais, a fim de buscar por Koré em todos os cantos do mundo. Com ajuda de alguns outros deuses, ela acaba descobrindo o paradeiro de sua menina e argumenta com Zeus por sua libertação. Porém, a essa altura, Perséfone já havia comido sementes de romã durante seu tempo com Hades, e ao se alimentar no submundo, ela estava presa àquela dimensão para sempre.

Um acordo então é firmado entre Zeus, Deméter, Hades e Perséfone, em que ela deveria ficar metade do tempo no reino dos mortos com seu marido, e a outra metade com sua mãe no reino dos mortais. Na temporada que Perséfone passa com sua mãe, temos fartura de alimento, terras verdes e férteis (primavera e verão). E enquanto ela está no submundo com Hades, a tristeza de Deméter é tanta que há escassez de comida e o solo fica infértil (outono e inverno).

Uma versão cor de rosa

Milênios depois, a história do casal do submundo mantém sua popularidade, como nos mostra o musical da Broadway Hadestown, que estreou em 2016 e está em cena desde então, obtendo grande sucesso na temporada de 2019. Já no universo literário, os livros da saga Corte de Espinhos e Rosas, de Sarah J. Maas, se baseiam no mesmo mito, principalmente a partir do segundo volume da série. Meg Cabot, por sua vez, também faz uso desta história na trilogia Abandono, em que ela deixa bem claro a influência da narrativa mitológica. E especificamente no Webtoon, temos um dos best-sellers da plataforma: Lore Olympus.

Criado por Rachel Smythe em março de 2018, Lore Olympus tem mais de 19 milhões de curtidas e uma avaliação de 9.78. A história apresenta uma visão contemporânea do relacionamento de Hades e Perséfone, com menos rapto e mais romance. A webcomic está disponível em inglês e já conta com mais de 110 episódios, tendo a primeira temporada sido finalizada dia 14 de junho, e com a próxima temporada agendada pra iniciar em 2 de agosto.

Diferente do mito original, em Lore Olympus acompanhamos Perséfone, uma jovem de 19 anos que se muda para uma moderna versão do Olimpo para estudar na universidade e, finalmente, viver entre os deuses. Filha da deusa Deméter, ela passou toda sua infância e a primeira parte da juventude no mundo dos mortais, auxiliando nos afazeres da mãe superprotetora. Já em seus primeiros dias no mundo dos deuses, ela conhece Hades em uma festa. Mas, por conta das artimanhas de Afrodite, ela acaba sendo levada para o submundo por acidente, o que a leva a criar um laço de amizade com o deus do mundo inferior.

Enquanto Perséfone é a a mocinha colorida, repleta de juventude, alegre, e até mesmo ingênua, com o perfume das flores atraindo a todos ao seu redor, o herói é misterioso, velho, sério, ocupado e repleto de traumas que o distancia da sua família e de seus amigos. A amizade, então, vai evoluindo para uma inegável atração, e ambos precisam lutar para se manter distantes um do outro, ou ao menos deixar tudo apenas na amizade. Mas não é tão fácil assim, até porque Perséfone passa a trabalhar na empresa de Hades — que é basicamente o CEO das almas, organizando a chegada delas no mundo dos mortos. No entanto, apesar do mundo cor de rosa de Lore Olympus, o relacionamento de Hades e Perséfone não está isento de problemas. Mesmo estando distante da versão original e horripilante do mito grego, ambos os personagens possuem suas questões e defeitos, cometendo erros por ciúmes, medo e insegurança.

Em paralelo, podemos acompanhar outras tramas se desenrolando: conhecemos Eros, amargurado pelo fim de seu relacionamento com a mortal Psiqué; Ártemis, colega de quarto de Perséfone, e as questões com seu irmão; Apolo, que primeiramente parece um príncipe encantado, até percebermos que por trás dos raios de sol há muitas sombras; Mynthe, a namorada de Hades, cercada de questões sobre sua vida pessoal, profissional e amorosa; e, obviamente, Zeus e Hera, com seus inúmeros problemas conjugais.

Ainda, temas como abuso mental e físico, trauma sexual, assédio, abuso de poder e relacionamentos tóxicos são abordados de forma muitas vezes explícitas, mas responsáveis. Nos capítulos em que esses assuntos aparecem, a autora adiciona sinalizações e alertas de gatilho, para que a leitora ou o leitor não seja pego desprevenido em uma situação desconfortável. E, diferente de outras produções baseadas no mesmo enredo clássico, a obra de Rachel Smythe busca fugir da romantização do rapto e de outros abusos sofridos por Perséfone. A superproteção de Deméter com sua filha, porém, ainda é citada e mostrada com certa clareza. Nesse sentido, Lore Olympus, além de uma história de amor, também é uma narrativa de amadurecimento, em que a jovem se torna adulta ao se afastar da mãe e caminhar para novos relacionamentos e amizades. E como todas nós já sabemos, crescer é lindo, mas também dói.

Entre o Olimpo e o Submundo

Um dos romances mais lidos do Webtoon, plataforma que disponibiliza webcomics e manhwas sul-coreanos de forma on-line e gratuita, Lore Olympus também está presente em outras mídias. Em suas redes sociais (Instagram, Facebook, Twitter, Twitch e Patreon), Rachel Smythe divide com seus seguidores e leitores os bastidores de sua criação, expondo um pouco de seus processos artísticos. Na #loreolympus no Instagram, contudo, notamos que a criação já está além de sua criadora, uma vez que encontramos fanarts, edits e até mesmo cosplayers inspirados nos personagens de Smythe. E tanto sua arte vibrante quanto sua história encantadora vêm chamando muita atenção não apenas dos leitores do Webtoon. Em 2019, por exemplo, Lore Olympus foi nomeado na categoria Melhor Web Comic no Eisner Comic Industry Awards, também conhecido como o Oscar dos quadrinhos.

E para quem prefere um formato mais dinâmico, uma boa notícia: a Webtoon e Jim Henson Company (conhecida pela produção de Muppets), firmaram uma parceria para produzir uma adaptação em série animada de Lore Olympus. Destinada para o público jovem adulto, essa nova encarnação animada de Hades e Perséfone já está em desenvolvimentos, apesar de ainda não ter uma data de estreia.

Um dos fatores de sucesso de Lore Olympus é o mesmo responsável pela popularização dos próprios mitos gregos: os deuses estão acima de nós, mas mesmo assim eles não são muito melhores que a gente. Apesar de seus poderes, eles ainda se equivocam, ainda estão presos em conflitos internos, ainda sofrem e cometem erros. E nós, daqui da nossa mortalidade, nos identificamos e engajamos com essa face humana da divindade.

1 comentário

  1. Eu simplesmente estou apaixonada por essa história em quadrinhos. A união de mitologia e modernidade deu um tempero todo especial para a trama e a aproximação entre Hades e Perséfone está cada vez mais excitante. A tensão que a autora desenvolve é deliciosa de se ler e o carisma de todos os personagens, até o canalha do Apolo, tem sua importância. Temas como casamento, relações amorosas, amizade, abuso físico e psicológico, superproteção materna e maturidade são mostradas num contexto interessante, mostrando a “fraqueza dos deuses”.
    Adorei a matéria e saltei da cadeira ao saber que Lore pode virar uma animação. Só espero que o desenho siga a maravilhosa arte da autora Rachel Smythe.

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