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A magnífica crueza da guerra em Nada de Novo no Front

Mais recente adaptação do livro homônimo de Erich Maria Remarque, lançado em 1929, Nada de Novo no Front (2022) é um dos melhores dramas de guerra já realizados. Diferentes de outras produções do gênero, que parecem se intimidar em realmente mergulhar nos horrores da guerra, passando por este cenário de violência e morte com um filtro hollywoodiano, o filme roteirizado e dirigido por Edward Berger se aprofunda em seus aspectos mais tenebrosos.

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Enquanto filmes estadunidenses se utilizam do cinema para “glamourizar” suas Forças Armadas e celebrar atos de guerra, como em Sniper Americano (2014) e Guerra ao Terror (2008), ambos reconhecidos pelo Oscar — sempre utilizado para declarações públicas de posicionamento político, como fez na edição de 2023 em relação ao confronto entre Rússia e Ucrânia —, Nada de Novo no Front faz o movimento inverso ao retratar a crueza da guerra.

Nada de Novo no Front

O filme narra a história de um grupo de amigos — Paul Bäumer (Felix Kammerer), Albert Kropp (Aaron Hilmer), Franz Müller (Moritz Klaus) e Ludwig Behm (Adrian Grünewald) — que, em 1917, escolhem se alistar no Exército Imperial Alemão em meio aos conflitos da Primeira Guerra Mundial motivados pelo reconhecimento ao patriotismo e ao heroísmo deste sacrifício, evocados pela imbatível propaganda alemã.

Já nas primeiras cenas do filme, a discrepância da fotografia acinzentada e caótica do campo de batalha para os flashbacks ensolarados e de tom infantil que mostram o grupo empolgado para a guerra é gritante, demonstrando como a realidade dos conflitos mortíferos enfrentados por milhões de soldados é distante da rotina das cidades e daqueles que não a vivenciam.

Durante o primeiro ato, a visão imatura e fabricada sobre patriotismo dos quatro jovens bate de frente com a realidade: frio, longas caminhadas carregando armas e suprimentos, combates sob a chuva, trincheiras insalubres, comida escassa, falta de conforto, ameaças por todos os lados e, principalmente, morte. Nada de Novo no Front não é um filme que reluta em demonstrar que, na Frente Ocidental, onde os confrontos foram concentrados entre alemães, franceses, suíços e belgas, e para onde os novos soldados foram destacados, a morte estava por todo o lugar e das formas mais violentas possíveis.

Nada de Novo no Front

O título não é por acaso, pois os dias no front são quase sempre iguais; rara é a novidade vinda por meio de uma carta da família, de uma refeição melhor do que enlatados e pão bolorento, ou de uma garota na vizinhança. No mais, a rotina dos soldados se resume a, principalmente, a esperar pela próxima batalha, pela morte do próximo companheiro que, por conseguinte, será rapidamente substituído por um novo jovem soldado recrutado no fim da adolescência.

Por este motivo, Nada de Novo no Front pode ser considerado, ironicamente, um filme de guerra anti-guerra. No cenário de exceção em que Paul e seus amigos vivem por cerca de um ano é possível se habituar muito rapidamente a situações que seriam rechaçadas em uma conjuntura normal, o que fica muito evidente na necessidade de deixar para trás um companheiro-soldado atingido durante um combate e na rápida superação dos momentos de ruptura, para acordar no dia seguinte prontos para mais uma batalha, sem se permitir processar a morte e viver o luto.

Também, e muito mais grotescamente, há a habitualidade quando, em uma enfermaria improvisada num vilarejo, um soldado se suicida com medo de viver com aleijado após ser atingido na perna, mas não recebe qualquer reação das dezenas de convalescentes ao seu lado. Estes estão tão anestesiados pelos horrores da guerra que não há como culpá-los pelo egoísmo latente, um entendimento estabelecido silenciosamente nos olhos de colegas que se desesperam, mas rapidamente compreendem que não há espaço para julgamentos ali. Em uma situação extrema, onde todos lutam por um objetivo maior estabelecido por homens que nunca vão para a batalha, as preocupações são quase imediatamente voltadas para si mesmos. Não há como apontar dedos, nem mesmo para o inimigo fabricado — que é dos outros, mas que, neste caso, são totalmente condicionados a adotar como seus.

Em uma das sequências mais angustiantes e belas de toda a produção, o inimigo, que geralmente não tem rosto nem história e está camuflado por trás de tanques ou cenas rápidas com planos centrados no rosto do protagonista, ganha nome, sobrenome, família, origem, um contexto que deixa o público tão desesperado quanto Paul ao acabar com tanta… vida. Vida para além da vida pela qual se luta ali. Vida no melhor sentido da palavra, com rotinas comuns, profissões ordinárias e relações verdadeiramente importantes.

Nada de Novo no Front

Paul não é um sanguinário; provavelmente, ninguém ali o é. A guerra, no entanto, é um cenário em que todos lutam pela sobrevivência, sem escolha ou reflexão pelos seus atos. Ao pensar no inimigo como uma pessoa, é como se ele fosse repentinamente atingido por um excesso de humanidade, o que nada mais é do que seu estado comum, e um lembrete tanto a ele quanto ao público de que, longe dos campos de batalha, existe mais do que essa realidade. Nada de Novo no Front retrata exatamente o que a guerra é: antinatural.

Embora o mundo tenha se acostumado a retratar conflitos armados como — quase — corriqueiros e até exista certo fascínio por histórias como essas, geralmente retratadas sob o filtro do heroísmo e do patriotismo, o costume com a morte diária e violenta não é natural, ainda que a luta por sobrevivência seja muito básica, como demonstrado na referida sequência — especialmente porque a guerra de verdade vai além dos muros de castelos bem guardados e atingem muito mais do que governos orgulhosos, o que a própria produção pontua. Assim, enquanto generais alemães e franceses negociam a paz para atender a interesses de Estado, a guerra ocorre nas planícies da Frente Ocidental. Enquanto uns lidam com documentos e se locomovem através de trens repletos de providências, outros se alimentam da comida do inimigo, dentro das trincheiras inimigas, sob o fogo inimigo.

Cru, Nada de Novo no Front também toma elementos do suspense, utilizando uma trilha sonora bem produzida e bem-sucedida em seu objetivo de aterrorizar, pela forma como escolhe retratar a guerra muito gráfica e claustrofóbica em um ambiente insalubre e verdadeiramente perigoso, mas que, diferente de diversas produções, existe a certeza sobre a permanência do seu herói principal se manter até o fim.

Nada de Novo no Front

Com nove indicações ao Oscar, não é uma surpresa que o filme se sobressaia em categorias técnicas, como Melhor Trilha Sonora e chegue como favorito à premiação de Som, além de merecer a indicação para fotografia magnífica de James Friend, um dos pontos altos e essenciais da produção, tanto quanto foi para o ótimo 1917, de Sam Mendes. O Oscar, no entanto, falha em reconhecer o belíssimo trabalho do diretor, Edward Berger, em captar a beleza trágica e a poesia violenta deste cenário e a luta do grupo de amigos, além de ser responsável por construir Nada de Novo no Front em detalhes que também ajudam a contar a história e não estão lá por acaso: uma etiqueta de uniforme, um cartaz, uma carta de família e assim por diante.

A premiação também deixa de agraciar Albrecht Schuch no papel de Kat e Felix Kammerer, intérprete de Paul Bäumer, nas categorias de Melhor Ator e Melhor Ator Coadjuvante. Para além da relação paterna, fundada em bases que vão além do cenário de guerra, pois o roteiro se preocupa em criar contexto para ambos, eles rendem interações emocionantes, sem medo de estabelecer uma relação sentimental entre dois homens que não são da mesma família, mas que só tem um ao outro em meio à hostilidade da guerra.

Nada de Novo no Front é um filme majestosamente construído em torno da forma como Paul reage aos horrores da guerra. É pelos olhos dele que se inicia, e é também através de seus olhos expressivos que a jornada de muitos outros (inclusive os da vida real, lembrados pela História), que orbitam ao seu redor vivendo a mesma experiência, é retratada com a maestria de poucos. O filme não é uma produção facilmente consumida, mas obtém sucesso ao imergir o público em uma realidade caótica, cruel e muito bem construída, se provando um dos maiores acertos da Netflix dos últimos anos.

Nada de Novo no Front recebeu 9 indicações ao Oscar, nas categorias de: Melhor Filme, Melhor Filme Internacional, Melhor Trilha Sonora Original, Melhor Roteiro Adaptado, Melhores Efeitos Visuais, Melhor Fotografia, Melhor Direção de Arte, Melhor Cabelo e Maquiagem, Melhor Som.