Categorias: LITERATURA

Última Parada: amor e viagem no tempo nas linhas do metrô

Quando August Landry se muda para Nova York, vê na cidade uma chance de construir um futuro sólido e sem surpresas, do jeitinho que deseja. Ainda que, aos vinte e três anos, August seja uma jovem com uma visão bem cética a respeito do mundo, tudo começa a mudar em sua vida quando ela passa a dividir um apartamento com as pessoas mais excêntricas e adoráveis que poderia encontrar na Big Apple. Seu recomeço na cidade cosmopolita e mutável que é Nova York parece certo e seguro até que August conhece Jane.

Em um dia em que absolutamente tudo dá errado, com a correria de praxe para chegar a tempo das aulas na faculdade além de ter um grande copo de café para viagem derramado sobre sua roupa branca, August se depara com uma garota no vagão do metrô que faz sua respiração ficar presa no peito e o coração errar uma batida. Usando uma jaqueta de couro, jeans rasgados e All-Star vermelho, Jane está sorrindo para August mesmo com todo o café derramado em sua roupa. Não apenas isso, Jane está oferecendo a ela seu cachecol vermelho para que August não sinta frio no inverno nova-iorquino.

A partir de então, August e Jane passam a se encontrar praticamente todos os dias no mesmo vagão da Linha Q do metrô. A Garota do Café e a Garota do Metrô começam a se envolver, trocando piadas e flertes disfarçados de piadas, mas algo não parece certo; quando August reúne toda sua coragem e convida Jane para tomar um drink, a garota diz não poder, o que deixa a outra com o coração partido. Demora um pouco até que August desvende o mistério ao redor de Jane, a garota que parece estar sempre no vagão do metrô da Linha Q, independente do horário em que August chegue.

“Mas sabe aquela sensação? Quando você acorda de manhã e tem alguém em quem pensar? Um cantinho para a esperança? É bom. Até quando é ruim, é bom.”

August se dá conta de que Jane parece sempre estar nos vagões da Linha Q, por que ela sempre está nos vagões da Linha Q. Jane, com seu gosto musical regado a punk e atitude descontraída, na verdade, não pertence ao presente: a garota está perdida no tempo, presa na linha de metrô, de onde nunca consegue sair. É apenas quando conhece August que ela realmente se dá conta de sua situação. Ao descobrir que Jane não pode sair do metrô e quase não consegue se lembrar de sua vida até então, August faz de tudo para ajudá-la, se envolvendo e se entregando a sentimentos que considerava, até então, impossíveis para ela.

Essa é a premissa do adorável Última Parada, segundo livro de Casey McQuiston, autora do aclamadíssimo Vermelho, Branco e Sangue Azul, ambos publicados no Brasil pela Editora Seguinte. Se em seu livro de estreia nos deparamos com um romance entre o filho da presidenta dos Estados Unidos e um príncipe britânico, aqui o protagonismo é inteirinho de August e Jane, duas meninas que se apaixonam no metrô e contrariam todas as leis que regem o espaço e tempo para viverem seu grande amor. Reunindo as características que fizeram de sua estreia um sucesso, Casey McQuiston constrói em Última Parada uma narrativa cativante e envolvente sobre o amor em todas as suas formas: das meninas que se trombam no metrô e nunca mais querem se soltar, à família encontrada em um apartamento pequeno e entulhado de coisas estranhas, até uma lanchonete de panquecas e todos os seus funcionários e clientes (inclusive, é impossível ler Última Parada sem ficar com vontade de comer panquecas, acredite em mim).

Para além da viagem do tempo, Última Parada funciona como uma grande carta de amor ao amor. O amor gentil que surge entre as pessoas após anos de relacionamento e de compartilhar momentos, o amor que explode em toques e beijos furiosos quando nem toda a proximidade é suficiente para se demonstrar o quanto se quer o outro, e o amor que nasce e floresce entre os mais diferentes tipos de pessoas que fazem de tudo para estarem juntas. Em todas as esferas da vida de August, as mudanças acontecem por conta do amor que ela, após anos vivendo solitária, finalmente se permite receber. Durante toda a vida, foram apenas August, a mãe e a investigação que esta promove a respeito do desaparecimento do irmão mais velho. Sem contato com os avós e mergulhada na investigação movida pela mãe, August sempre foi uma menina muito solitária, e sua jornada em Nova York também se transforma em sua jornada para aprender a deixar as pessoas entrarem em sua vida, mesmo correndo o risco de se magoar na sequência.

O que faz da narrativa de Última Parada algo tão doce e especial é justamente August, sua protagonista. Muitas vezes melancólica e taciturna, a jovem precisa compreender quem pode ser longe de sua mãe e da solidão — ainda que ame profundamente sua mãe, August precisa aprender a ser sua própria pessoa, e não apenas a filha de Suzette ou a sobrinha de um tio desaparecido em uma época em que sequer era nascida. E é em Nova York, ao lado de sua família encontrada e sua Garota do Metrô, que August descobre quem pode ser, com seus altos e baixos, crises e dúvidas, e um amor maior do que o tempo e o espaço poderiam conceber. É fácil se identificar com August, seus questionamentos e sonhos — a personagem é uma fanfiqueira nata! —, e torcer por ela e seu final feliz vem sem muito esforço. As dúvidas de uma jovem adulta tentando se encontrar são reais e verossímeis, algo perfeitamente relacionável em um mundo que não para nem por um segundo para perguntar se está tudo bem. August é tão real quanto eu ou você, uma jovem mulher tentando encontrar sua vocação e seu lugar no mundo, desejando ser amada e pertencer.

Mas não é somente na construção de sua protagonista que Casey McQuiston brilha. Todos os personagens da trama de Última Parada são doces e reais, pessoas tão maravilhosas e encantadoras, com suas falhas e delicadezas, ternuras e piadas irônicas. Niko, Myla, Wes e Isaiah são construídos com tanto cuidado e carinho que é fácil se apaixonar por eles, assim como August se apaixonou. As pessoas que acolhem August em Nova York são cheias de vida e desejos, drag queens com nomes perfeitos e performances que dão asas à imaginação, amores adoráveis e puxões de orelhas que somente amigos verdadeiros são capazes de dar. Durante a leitura queria muito poder visitar a Billy Panquecas (eu já mencionei como adoro panquecas?) e ver um show beneficente de drag queens. E, claro, pegar a Linha Q no metrô para ver Jane, a Garota do Metrô que roubou o coração da Garota do Café.

Assim como August, vamos descobrindo sobre Jane na medida em que ela vai recobrando suas memórias dos anos 1970, e ela não poderia ser mais especial. Desde o primeiro momento em que surge na narrativa, Jane é completamente o oposto de August: enquanto esta é quieta e introvertida, Jane é energia prestes a explodir. August aprende sobre Jane, seus gostos e amores, e Jane aprende com August sobre o mundo acima, fora dos trilhos do metrô. A troca entre elas é repleta de músicas, comidinhas (que August leva para ela) e histórias, muitas histórias. O sentimento que nasce entre August e Jane é doce, calmo, mas também repleto de faíscas que explodem ao menor dos toques. Como um livro do gênero new adult, se prepare para cenas em que as duas pegam fogo, trocando beijos (e além) no vagão do metrô. Casey McQuiston trabalha a relação entre as duas com muitos flertes, toques e olhadelas, mostrando a atração que cresce a cada interação. O slowburn, em Última Parada, é daqueles que fazem valer a espera.

“É isso que acontece no metrô — você cruza os olhos com alguém, imagina uma vida com essa pessoa entre uma estação e outra, e volta à sua rotina como se a pessoa que você amou nesse meio-tempo não existisse em nenhum outro lugar. Como se ela nunca pudesse existir fora daquele trem.”

Por último, mas não menos importante, fica o trabalho da Editora Seguinte e do tradutor Guilherme Miranda que trouxeram para o Brasil a história de Casey McQuiston de maneira impecável. As piadas, referências da cultura pop e todos os demais elementos que compõem Última Parada foram descritos para o português à perfeição, tornando a leitura tão fluida e gostosa de acompanhar quanto no original. O humor depreciativo de Casey McQuiston permanece, e todas as características de suas personagens ficam ainda mais afiadas com a tradução esmerada de Guilherme Miranda.

Última Parada é o livro perfeito para você que quer rir, chorar, ficar com coração quentinho e acreditar no amor. Há relacionamentos queer de todas as formas possíveis — e nada soa como algo a cumprir requisitos, mas todos são perfeitamente inseridos na narrativa —, sempre saudáveis e adoráveis, o tropo da found family foi trabalhado pela autora com muita propriedade. E em meio a tudo isso ainda há espaço para falar sobre a gentrificação das grandes cidades, o entendimento sobre identidades de gênero e até mesmo as experiências de uma pessoa queer na década de 1970. Tem humor, sarcasmo, ironia, viagens no tempo, muito amor — e, é claro, panquecas.

“Ninguém fala que essas noites que se destacam na memória — noites de pôr do sol no dique, noites de furacão, noites de primeiro beijo, noites de festa do piajama com saudade de casa, noites na janela do quarto olhando os lírios no jardim e pensando que eles se destacariam, singulares e cristalizados, na memória para sempre — na verdade não são qualquer coisa. São tudo e nada. Fazem de nós quem somos, e acontecem ao mesmo tempo que uma menina de vinte e três anos a um milhão de quilômetros de distância esquenta as sobras do jantar, dorme cedo, apaga a luz. São tão fáceis de perder.”

O exemplar foi cedido para resenha por meio de parceria com a Companhia das Letras no NetGalley.


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