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O Enigma da Energia Escura: um convite ao conhecimento

Nosso planeta, a distância, é apenas um pálido ponto azul. Nesse ponto, estão todos os seres humanos que existem ou já existiram, com suas diferentes religiões, doutrinas, ideologias, todo ato de altruísmo ou crueldade. Esse pálido ponto, nosso lar, está envolvido pela grande escuridão do universo: 96% dele é composto por matéria e energia escura. O que conhecemos é apenas 4%. Essa é a metáfora para o quão pouco sabemos, utilizada por Emicida e Fióti em O Enigma da Energia Escura. É um convite para conhecer sua história.

A versão não contada

Nós, os habitantes desse ponto azul, temos tecnologia, monumentos impressionantes, armas capazes de explodi-lo, mas não conseguimos superar a desigualdade. Utilizamos nossas diferenças como ponto de partida para a violência, não para o diálogo e troca. Perante a diversidade, o ser humano tem buscado classificar, modificar e até mesmo destruir o que não consegue compreender.

Quando os olhos dos pesquisadores se voltavam ao continente africano, viam-no em relação à Europa, não às suas próprias culturas. No entanto, o continente africano tem uma história de milhares de anos, sendo que a dominação europeia representou quinhentos desses anos.

A matriz africana fundamenta a cultura brasileira, e não somente ela, pois o continente africano é o berço da humanidade. Por exemplo, foi-nos apresentado que a nossa concepção filosófica, política e artística deriva da Grécia Antiga, no entanto, muitos filósofos gregos estudaram e viveram na África. Assim sendo, seu legado é pressuposto de qualquer conhecimento. Ela é os 96% de matéria e energia escura que compõem o universo, promotora da sua expansão, por assim dizer, e ignorá-la proporciona uma visão muito limitada da realidade.

Quem pode contar sua história?

Segundo Emicida, “é na cultura que temos o livro de história oficial do Brasil” e essa pode ser encontrada na musicalidade afro-brasileira, na religiosidade de matriz africana, oralidade, entre outros. Nesse sentido, O Enigma da Energia Escura, retoma a empreitada que se iniciou em AmarElo — é tudo pra ontem, de aprofundar as raízes históricas afro-brasileiras. A série possui cinco episódios: “Por que a desigualdade racial é uma grande burrice? Raça e poder”, “Eu falei Faraó? — Cultura e resistência”, “Quem te fez tão bom assim? — Eugenia e branquitude”, “Viva o Pretuguês! — Falamos Pretuguês” e “Quem não escuta cuidado, escuta coitado! — Sabedoria ancestral”.

Como um griot, ele conta histórias que potencializam a vida. Nativos da África Ocidental, especialmente do Império do Mali ou Mandiga, os griots são os guardiões da memória e história de seu povo. Eles conhecem a energia espiritual que emana da palavra, e a dominam no sentido da harmonia social. Na divisão de classes daquela sociedade, são considerados artesãos da palavra, que rompe com o esquecimento. Inclusive, há muitas semelhantes entre griots, repentistas e rappers. Ambos são marcados pela oralidade e musicalidade. Emicida já traçou essa correlação, homenageou o repentista Inácio da Catingueira e fez várias referências aos griots em suas músicas.

A memória e a história implicam em escolhas, individuais e coletivas. No Brasil e em outras partes do mundo, a população negra e indígena foi privada de contar a sua história. Nesse contexto, reapropriar-se da palavra e nomear a própria experiência, ao invés de ser objeto de estudo, é algo poderoso. Há poder em contar histórias. Elas criam imaginários, tanto de estereótipos desumanizadores quanto de realidades possíveis. Não é à toa que para Ailton Krenak, contar sempre mais uma história pode adiar até o fim do mundo.

Criar imaginários de mundos possíveis

É desse modo que a série promove reflexões sobre o contexto das relações raciais e o seu impacto na nossa forma de ser e estar no mundo. Essa reflexão não se restringe aos negros e indígenas, mas estende-se a todos. A chave de leitura para a realidade a nossa volta parte de nós mesmos.

Um aspecto fundamental da vida é o mistério de existir. Perante a crise sanitária, ambiental e política, temos nos questionado, mais do que antes, sobre o porquê de estamos aqui, como chegamos e para onde iremos. Para Emicida, a união do saber contemporâneo e ancestral é o que poderá efetuar uma virada que assegure nossa existência neste planeta. Como Toumani Kouyaté, um griot contemporâneo, disse: “se você não sabe para onde vai, volte de onde você veio”.

Por fim, voltemos ao princípio. A Terra, vista a distância, parece tão somente um pálido ponto azul. Nele, está tudo o que conhecemos. Mas não é um ponto final, consolidado. Como disse Emicida: “Busco informações para construir isso que hoje se tem chamado de identidade. Não acho que estou no ponto final. Para mim, é sempre reticências…”

Referências

ASANTE, Molefi Kete. Afrocentricidade: notas sobre uma posição disciplinar. In: NASCIMENTO, Elisa Larkin (org.). Afrocentricidade: uma abordagem epistemológica inovadora. São Paulo: Selo Negro, 2009.
LIMA, Heloisa Pires; HERNANDEZ, Leila Leite. Toques do Griô. Memórias sobre contadores de histórias africanos. São Paulo: Melhoramentos, 2010.
NOGUERA, Renato. “Antes de saber para onde vai, é preciso saber quem você é”: tecnologia griot, filosofia e educação. Problemata: R. Intern. Fil., v.  10, n.  2, 2019, p. 258-277.


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