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O Exterminador do Futuro: Destino Sombrio, nova roupagem para a antiga franquia

A franquia O Exterminador do Futuro já está por aí há algum tempo. O primeiro filme, escrito e dirigido por James Cameron e lançado em 1984, logo se tornou um sucesso e Arnold Schwarzenegger, o ator que deu vida ao exterminador T-800, ficará para sempre no panteão de figurões da cultura pop — seu personagem, por exemplo, até mesmo surgiu esse ano como parte dos lutadores selecionáveis do game Mortal Kombat 11. Entre sequências de sucesso e outras, nem tanto, O Exterminador do Futuro: Destino Sombrio chega aos cinemas com a tarefa de continuar a franquia, “ignorar” os filmes que vieram após O Julgamento Final, e promover o grande reencontro entre o criador desse universo, James Cameron, responsável pelo roteiro do longa, Schwarzenegger e, claro, Linda Hamilton, a icônica Sarah Connor. Mas será que o filme atingiu seus objetivos de manter a franquia viva e preparar o terreno para possíveis sequências?

Atenção: este texto contém spoilers!

O Exterminador do Futuro: Destino Sombrio não se demora em mostrar o que mudou nesse universo e “cancelou” o que já vimos de outros filmes, o que se relaciona, basicamente, à morte de John Connor, futuro líder da resistência humana na luta contra a Skynet. Nesse novo futuro, John é assassinado por T-800 enquanto Sarah não consegue protegê-lo, o que “apaga” da linha temporal da franquia os filmes A Rebelião das Máquinas, de 2003, e A Salvação, de 2009 (embora ame Emilia Clarke, podemos concordar que Gênesis, de 2015, já estava excluído da linha do tempo muito antes de Destino Sombrio acontecer). Com John morto nessa nova cronologia, não resta nada a Sarah além de buscar vingança pela morte do filho e se preparar para o dia em que o futuro vislumbrado por ela tomará forma.

Com um salto no tempo para o ano de 2020, estamos na Cidade do México quando o característico pulso de energia se abre em uma ponte e revela Grace (Mackenzie Davis) surgindo no meio do nada da maneira como já vimos diversos outros exterminadores aparecerem. Mas Grace é diferente, e isso notamos logo de início devido a pequenas linhas prateadas espalhadas pelo corpo da moça. Grace foi enviada para o ano de 2020 em busca de Daniella Ramos (Natalia Reyes), mas não é a única no encalço da jovem e Rev-9 (Gabriel Luna), um modelo de exterminador praticamente indestrutível, não está longe.

Em meio a sequências de ação que deixarão qualquer fã do gênero empolgado, vemos a luta entre Grace e Rev-9 por Dani — enquanto Grace, uma humana aprimorada que conta com picos de energia e consegue lutar quase de igual para igual com Rev-9, tenta proteger Dani, Rev-9 quer matá-la. É durante esse embate que surge Sarah Connor, endurecida pelos mais de 30 anos perseguindo os exterminadores enviados pela Skynet e sem tempo para quem está começando. É realmente divertido vê-la proferir o icônico bordão “I’ll be back” [“Eu voltarei”] com certo tom de deboche enquanto dá um jeito na bagunça de Grace e Dani que, sem pensar duas vezes, roubam a camionete de Sarah e fogem do Rev-9.

Durante a fuga, descobrimos o que significa para Grace ser uma humana aprimorada, como funcionam os picos de energia que a possibilitam lutar de frente com Rev-9 e como essa fonte de energia sempre cobra um preço. Grace precisa se hidratar e medicar de tempos em tempos para se manter ativa e forte, e é durante a fuga, e com o seu “sistema” entrando em pane, que Sarah Connor chega até ela e Dani. Não nos é explicado logo de início qual é o papel de Dani na futura resistência humana na luta contra a Skynet, mas todos supomos, inclusive os personagens, que ela é a “nova Sarah Connor”, ou seja, apenas a mãe de um cara que salvará o mundo — algo que a própria Sarah diz é que Dani é a “nova Virgem Maria”. Destino Sombrio pinça muitos momentos chave de seus filmes anteriores, mas isso não é algo ruim e soa mais como um retorno às raízes. A trama não é, de fato, realmente inovadora, mas os personagens são carismáticos o suficiente para fazer com que o filme funcione e o público consiga torcer pela vitória deles nos diversos embates que acontecem durante as mais de duas horas de projeção.

Além do aguardado retorno de Linda Hamilton como Sarah Connor — a atriz permanece perfeita no papel —, quem também não demora a entrar em cena é o T-800 de Schwarzenegger. Após concluir sua missão (matar John Connor), o exterminador precisa encontrar outro propósito para a sua existência e o faz ao salvar uma mulher e seu filho de um marido abusivo. T-800 consegue aprender e cria algo como uma consciência, acolhendo Alicia (Alicia Borrachero) e Mateo (Manuel Pacific) e vivendo como Carl, um cortineiro, em uma cabana no Texas. T-800 faz questão de explicitar que o relacionamento entre ele e Alicia não é pautado em contato físico, mas apenas companheirismo e no fato dele “trocar fraldas muito bem e sem reclamar”. O tom cômico surge em diversos momentos do longa, marca do diretor Tim Miller, também responsável por Deadpool, e não quebra o ritmo do roteiro, mas é usado para apontar pequenas críticas ao longo do filme, tais como o machismo, e, depois, o porte de armas nos Estados Unidos.

Destino Sombrio, como um todo, usa muito bem as ferramentas de que dispõe para apontar questões pertinentes de nosso mundo real. Outro exemplo dessa bem utilizada ferramenta fica por conta do fato de que duas mulheres brancas, Sarah e Grace, sejam impeditivos para a travessia da fronteira entre México e Estados Unidos, ou quando o centro de detenção de imigrantes em que elas vão parar se transforma em uma batalha sangrenta quando Rev-9 aparece. Destino Sombrio fala da rebelião das máquinas, de uma inteligência artificial querendo destruir a humanidade, mas também arruma tempo para dar suas alfinetadas em questões reais e de importância.

Outro ponto que conversa com o momento em que vivemos fica por conta do real motivo para a Skynet querer Dani morta. Diferente do que todos pensavam, ela não é a mulher que dará a luz ao cara que comandará a resistência. Ela é a mulher que comandará a resistência, e por isso sua importância. Se em outros tempos O Escolhido teria sido o homem branco padrão, agora isso muda e uma mulher mexicana será a responsável por chutar as bundas das máquinas em O Exterminador do Futuro. Embora, no início, Dani não faça muito além de correr de um lado para o outro perdendo familiares e sendo protegida por Grace, não demora para que a moça mostre o motivo pelo qual será a nova líder da resistência humana frente à Skynet. Ela tem fibra, empatia — é ela quem sempre volta para salvar alguém quando Grace só se importa com a própria missão, que é proteger Dani — e determinação, características que a levarão a organizar a resistência em um futuro não muito distante.

Destino Sombrio é, sem dúvida, um filme sobre suas mulheres. A perda, a dor e o luto permeiam a vida de cada uma delas, mas tanto Sarah quanto Grace e Dani usam tudo isso como a força de que precisam para seguir em frente em busca de um mundo melhor. Pode soar romântico e bobo quando colocado dessa maneira, mas a decisão de continuar lutando contra todas as probabilidades é algo intrínseco às três personagens — e às mulheres, de maneira geral. Não nos é permitido tempo para parar e lamber as feridas, é sempre preciso seguir em frente.

Ainda que T-800 e Sarah Connor retornem de maneira brilhante à trama de Destino Sombrio, os novos personagens dão um frescor ao enredo e demonstram que a franquia O Exterminador do Futuro ainda pode continuar por anos se estiver nas mãos das pessoas certas. Embora o final de Grace pareça definitivo — com viagens no tempo, nunca se sabe! — ela foi, sem dúvidas, minha personagem favorita do filme. Mackenzie Davis, que trabalhou em Halt and Catch Fire e Tully, encarna o papel de chutadora de bundas com maestria e embora esteja em modo badass a maior parte do longa, consegue dar camadas à sua personagem, principalmente quando conta a história de como foi parar no meio da resistência e qual é o seu papel em toda a trama. Natalia Reys, em seu primeiro grande papel de destaque, também está perfeita como Daniella — ela e Mackenzie se entrosam muito bem, o que deixa espaço para a imaginação e shipps no Tumblr.

Com Destino Sombrio é até mesmo possível falar sobre etarismo se focarmos especialmente em Linda Hamilton e sua Sarah Connor. Não é permitido envelhecer para as mulheres de maneira geral, e com certeza a pressão para se manter sempre jovem é ainda maior para aquelas que trabalham com sua imagem, como é o caso das atrizes. Mas Linda — e Sarah — mostram que não há idade limite para ser badass. A atriz construiu sua carreira interpretando “personagens femininas fortes”, mas o que vemos na tela em Destino Sombrio vai além dos estereótipos. Sarah sofre a perda de John como toda mãe faria, se endurece para o mundo por conta de sua perda, mas nem por isso deixa de lutar. Se em um primeiro momento ela é descrente de um mundo sem John, aos poucos vemos que por baixo da carapaça dura há a mulher que enxerga em Dani o potencial para lutar contra a Skynet.

O Exterminador do Futuro: Destino Sombrio não se apega a nenhum cânone e reinventa sua história sem pensar muito a respeito do que isso significa para os filmes anteriores. Todas as cenas de ação que se tornaram marca da franquia estão lá e algumas, inclusive, pedem até demais da suspensão de descrença para funcionar, mas é difícil reclamar de um filme que é ágil e não cansa quem o assiste mesmo com as mais de duas horas de duração. O roteiro não tenta reinventar a roda mas dá novo fôlego para a franquia, atualizando uma história já clássica para nosso mundo de hoje. Há drones perseguindo os protagonistas, celulares em todos os cantos e um exterminador, Rev-9, com capacidades indiscutíveis no quesito destruição — e aqui vale apontar o fato de que Gabriel Luna faz um excelente trabalho com as poucas falas que recebe durante o filme, entregando um personagem que te irrita até o âmago — tornando Destino Sombrio um filme empolgante e coerente com sua proposta do começo ao fim.

Ainda é cedo para dizer se Destino Sombrio é, de fato, um recomeço ou apenas o fechamento adequado para O Exterminador do Futuro e O Exterminador do Futuro: O Julgamento Final, mas a nova trama mostra que a franquia está longe de estar morta. De qualquer maneira, Destino Sombrio funciona das duas formas, como recomeço ou conclusão, e é, acima de qualquer suspeita, um blockbuster dos melhores. Ao atualizar sua trama para os “novos tempos”, é simples enxergar como o roteiro se apoia em pautas feministas sem ser, essencialmente, um filme feminista (o que já seria pedir demais do roteiro), mas tenta se encaixar ao colocar três mulheres liderando a trama — inclusive uma mulher com mais de sessenta anos e outra de descendência latina interpretando uma mexicana — e acerta em diversos aspectos.

Algumas justificativas de roteiro poderiam ter sido trabalhadas de outra forma mas, no geral, Destino Sombrio é um filme que retoma a franquia e a deixa em bons termos novamente. Temos uma trama que funciona, personagens que cativam e um frescor novo no tropo do escolhido que salvará a humanidade da rebelião das máquinas. As cenas de ação foram pensadas para entreter e são, de fato, exageradas em alguns momentos (a cena envolvendo um avião, um blindado, explosões e uma represa ainda me deixa estupefata) mas faz parte do universo de O Exterminador do Futuro e dos blockbusters de ação como um todo.

O trio formado por Sarah, Grace e Dani funciona muito bem e a dinâmica entre elas cresce de maneira orgânica durante todo o filme. O T-800 de Arnold Schwarzenegger atua como um bem-vindo reforço, mas não faz muito mais do que se despedir da franquia de maneira digna. É difícil pensar em O Exterminador do Futuro sem Schwarzenegger, mas, como dito anteriormente, é muito cedo para dizer o que aguarda a franquia daqui para a frente. O que sabemos, no entanto, é que ela está em boas mãos se continuar apostando em suas personagens femininas.

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