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Vermelho, Branco e Sangue Azul: um romance real

Procurando por um livro leve e despretensioso decidir escolher Vermelho, Branco e Sangue Azul para ler. Escrito por Casey McQuiston e publicado no Brasil pela Seguinte, selo jovem da Companhia das Letras, o livro conta a história de Alex Claremont-Diaz, filho da presidenta dos Estados Unidos, e Henry de Gales, príncipe da Inglaterra.

Aviso: esse texto contém spoilers!

Enemies to lovers [inimigos a amantes] é uma das tramas mais clichês de todos os tempos, mas não consigo evitar e simplesmente adoro esse tipo de enredo. Desde os clássicos, como Orgulho & Preconceito, de Jane Austen, aos contemporâneos como Carry On, de Rainbow Rowell, a trama onde o casal que se detesta termina apaixonado sempre consegue me empolgar, e não foi diferente com o livro escrito por Casey McQuiston. Alex Claremont-Diaz é o protagonista perfeito para Vermelho, Branco e Sangue Azul: queridinho da mídia desde que sua mãe se tornou a primeira presidenta dos Estados Unidos, o jovem de vinte e um anos esbanja beleza e carisma, encantando multidões por onde passa. Como se não bastasse ser apenas um rostinho bonito, Alex também é extremamente inteligente e ambicioso, almejando se tornar o congressista mais jovem da história de seu país, carregando em sua herança o lado mexicano do pai e o norte-americano da mãe.

É por isso que, quando o jovem é convidado para o casamento real do príncipe britânico Philip, Alex precisa encarar sua primeira prova de fogo na diplomacia entre países: passar a festa inteira sem se meter em confusão com Henry, irmão mais novo de Philip, o príncipe mais adorado do mundo e com quem Alex é constantemente comparado — o que o faz odiar ainda mais o rapaz. Com as tensões levadas às alturas, o encontro dos dois sai pior do que o esperado, e após um tombo de proporções épicas em cima do bolo real de 75 mil libras, os jornais do mundo inteiro estampam fotos da suposta briga entre os dois. De maneira a evitar um desastre diplomático, as assessorias de imprensa de Estados Unidos e Inglaterra decidem fazer com que Alex e Henry passem um final de semana juntos fingindo ser melhores amigos — e, a partir daí, o resto é história.

“Ele tem uma postura impecável inata, como se um dia tivesse saído completamente formado e adulto de algum belo jardim de buquês.”

Vermelho, Branco e Sangue Azul é repleto de deliciosos clichês e isso não é nenhum problema para a trama de McQuiston. Obrigados a passar um final de semana juntos fingindo ser amigos faz com que Alex e Henry finalmente prestem atenção um no outro para além da superfície e dos sentimentos mesquinhos que nutrem devido a um mal entendido do passado. A convivência forçada logo se transforma em conexão (nada que ficar preso por algum tempo dentro de um armário falando sobre Star Wars não ajude!) e essa conexão não demora a desvelar o que, de fato, era toda a animosidade que sentiam um pelo outro. Todo o fingimento dá lugar a uma relação verdadeira e, de repente, a obrigação de passar um tempo juntos já não parece de todo mal, mesmo que Henry seja a nêmesis de Alex — e vice-versa.

O enredo funciona justamente por usar todos esses clichês e envolvê-los em uma roupagem nova e contemporânea, trocando o casal hétero padrão das comédias românticas e young adults por um casal LGBT formado por dois rapazes. A relação de amor e ódio que se desenvolve entre Alex e Henry é digna das melhores romcoms e por isso tem tanto êxito: é simples torcer pelo relacionamento dos dois, se empolgar com o momento em que descobrem o que sentem verdadeiramente um pelo outro e toda a luta que enfrentam para ficarem juntos. As cenas narradas por Casey McQuiston são deliciosas e conseguiram despertar a fangirl adormecida que morava dentro de mim e não urrava de entusiasmo desde que terminou a leitura do já citado Carry On.

Salvo as devidas proporções — afinal, nem todo mundo é um príncipe ou filho de presidente — é simples se identificar com os questionamentos de Alex não apenas a respeito de sua sexualidade mas também sobre qual é seu lugar no mundo, de que maneira ele pode fazer a diferença e deixar sua marca na história. Ao perceber que todo o ódio direcionado a Henry era, na verdade, atração, Alex se questiona a respeito de sua orientação sexual, e a escrita de Casey McQuiston é ótima ao passar toda a verdade e a dúvida que transparece em seu protagonista. Embora tenha se relacionado anteriormente com outros rapazes, além de moças, é apenas ao se apaixonar por Henry que Alex entende por inteiro a sua bissexualidade — e ter essa trama tratada com tanto cuidado e verdade em um livro young adult é simplesmente perfeito e poderá ajudar muitos leitores a compreenderem melhor o que quer que estejam sentindo em suas vidas.

“O mundo se transforma em estática, e seu cérebro está se esforçando para acompanhar, solucionando a equação de rixas adolescentes, bolos de casamento e mensagens às duas da madrugada sem entender a variável que o trouxe até aqui, exceto que… bom, por incrível que pareça ele não se importa. Tipo, nem um pouco.”

O desenvolvimento do romance entre Alex e Henry é o ponto focal de Vermelho, Branco e Sangue Azul, mas a autora não restringe sua trama à construção de momentos extremamente fofos e sensuais (embora ela o faça maravilhosamente bem) entre os dois. Há outros temas muito pertinentes no enredo, tais como a violação da privacidade por meio das mídias sociais, relações familiares, a importância dos cargos políticos para o desenvolvimento adequado de um país, racismo, ética e como as tradições podem se transformar em amarras para os jovens. Este último, claro, se relaciona diretamente com a situação de Henry enquanto príncipe da Inglaterra.

Por ter nascido em uma família cujas tradições são tão firmes e imutáveis, é difícil para o rapaz viver sua verdade e amar livremente. Henry sabe que é gay há muito tempo, mas decide manter sua orientação sexual em segredo devido ao peso da tradição familiar em que está imerso. Espera-se que os membros da realeza se mantenham dentro do roteiro dos casamentos e produção em série de herdeiros, mas Henry sabe que essa não é a vida que quer para si. Viver com o peso de um legado como fazer parte da família real britânica não deve ser fácil em circunstâncias comuns e certamente não melhora quando o príncipe em questão se vê apaixonado pelo filho da presidenta dos Estados Unidos. Ainda que sinta um medo terrível do que o aguarda ao se envolver com Alex, é Henry quem toma a iniciativa e dá o primeiro beijo em seu arqui-inimigo durante a festa de Ano Novo na Casa Branca. Espere cenas verdadeiramente ternas em Vermelho, Branco e Sangue Azul, desde ligações aleatórias durante as madrugadas (o fuso horário nem sempre está à favor dos amantes), situações divertidas envolvendo perus de Natal e até mesmo Alexander Hamilton.

“Portanto, ele sempre partiu do princípio de que, se não fosse hétero, ele simplesmente saberia, assim como sabe que adora doce de leite no sorvete ou que precisa de um calendário tediosamente organizado para conseguir fazer qualquer coisa. Ele pensava que era tão inteligente sobre sua própria identidade que não restava nenhuma duvida sobre quem era.”

Todos os personagens de Vermelho, Branco e Sangue Azul são escritos com muita humanidade e verossimilhança. Em seu protagonista, Casey McQuiston construiu um rapaz idealista e apaixonado que não sente a menor vergonha de ser quem é, principalmente no que diz respeito a sua recém compreendida sexualidade. O fato de Alex se entender bissexual aos vinte e poucos anos não é um demérito de sua parte e fala de perto com a vida real de muitos jovens que não compreendem de pronto aquilo que sentem — e está tudo bem! Não há nenhuma regra dizendo que você deve ter toda a vida — incluindo sua sexualidade — “organizada” antes dos vinte. A autora trabalha muito bem essa questão do entendimento, dos sentimentos, e toda a construção do relacionamento de Alex e Henry é de aquecer o coração.

Além de Alex e Henry, o romance de estreia de Casey McQuiston é repleto de personagens cativantes e ao terminar a leitura de Vermelho, Branco e Sangue Azul a vontade que fica é de recomeçar o livro imediatamente, pois dizer adeus a todos eles é simplesmente impossível. Tanto que seria incrivelmente perfeito se autora partisse para um spin-off sobre os personagens excelentes que orbitam essa história de amor a começar, quem sabe, pelo próprio Henry. O livro é narrado por Alex e são as suas impressões que temos a respeito de todo o relacionamento, então seria no mínimo interessante ver o desdobramento desse namoro por meio do ponto de vista de Henry. Mas essa é só uma ideia. As personagens femininas, como June e Nora, por exemplo, são maravilhosas e únicas e seria realmente divertido saber mais sobre elas.

Vermelho, Branco e Sangue Azul é um livro divertido que consegue reunir todas as melhores características das comédias românticas. Se você ama ler atualizações da família real britânica, é apaixonado por romcons e está apenas esperando por representação LGBT de qualidade, esse livro é inteirinho para você; mas se você procura por personagens reais — com o perdão do trocadilho —, referências da cultura pop e muitos momentos de tirar o fôlego e deixar o coração quentinho, também opte por Vermelho, Branco e Sangue Azul que é sucesso.

“Quando Alex era pequeno, antes de todos saberem seu nome, ele sonhava com o amor como se fosse um conto de fadas, como se fosse entrar em sua vida nas costas de um dragão. Quando ficou mais velho, aprendeu que o amor era algo estranho que podia desmoronar por mais que você o desejasse, uma escolha que você faz mesmo assim. Ele nunca imaginou que estava certo nos dois momentos.”

O exemplar foi cedido para resenha por meio de parceria com a Companhia das Letras.


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1 comentário

  1. Comecei a ler pensando que era um YA comum e fiquei surpreso como a trama me pegou
    Tinha que saber o final logo rs
    E ainda me colocou pra pensar tantas coisas, como o quanto nós gays nos cobramos e, ao mesmo tempo, como é difícil (e importante!) desatar nós sociais que constroem pra gente

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