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Vidas negras importam no entretenimento?

Desde a sua fundação “oficial” (entre muitas aspas) em 2013, o movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam, em português), enquanto nunca saiu do imaginário dos pretos no Brasil e no mundo, volta pra mídia branca de tempos em tempos.

Com o assassinato de George Floyd pela polícia no estado estadunidense de Minnesota no último dia 25 de maio, o assunto voltou para os holofotes, desencadeou protestos ao redor do mundo (especialmente nos Estados Unidos, mas, sim, ao redor do mundo), inclusive aqui no Brasil em estados como Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná, e mesmo no meio de uma pandemia, tivemos um sopro de esperança — ou pelo menos de luta — pelo fim do genocídio da população preta e indígena no nosso país.

Nos dias de hoje, posicionamento é tudo. Para o bem e para o mal: cada vez menos as pessoas que têm o poder do capital de consumo compram produtos ou contratam serviços de empresas que ficam em silêncio diante de injustiças. Isso faz com que muitas marcas sintam-se mais “confortáveis” para se posicionar sobre determinados assuntos. E com o movimento BLM (Black Lives Matter) não foi diferente: ao longo do final de semana (mais especificamente os dias 29, 30 e 31, quando os protestos realmente começaram a explodir), grandes nomes de diversas indústrias se posicionaram, especialmente no Instagram.

Nesse sentido, vamos falar especificamente sobre as plataformas de streaming e entretenimento no geral? Perfis como HBO (perfil internacional), HBO Max (perfil internacional), Insecure HBO (perfil internacional), Telecine (perfil nacional), Netflix (perfis internacional e nacional, mas sempre um repost), Prime Video (perfis internacional e nacional), Disney+, Hulu, Starz (perfil internacional), Sony Pictures (perfil internacional), foram algumas das empresas e perfis de entretenimento que postaram um texto genérico somado à assinatura com a hashtag do movimento.

Não tem nada mais fácil do que escrever qualquer texto em branco num fundo preto e postar. Difícil mesmo é fazer com que a programação e os projetos de todas essas plataformas reflitam o que aquela nota quis dizer: que vidas negras importam. E, no fim do dia, sabemos que não é bem assim.

Em 2018, eu (Duds Saldanha) me desafiei a fazer uma coisa que eu achei que não fosse conseguir cumprir: ficar um ano inteiro sem dar dinheiro para filmes que só tinham protagonistas brancos. Para isso, estipulei algumas regras: (1) só valia para filmes, para séries tudo estava liberado, (2) se o protagonista fosse branco, mas tivesse uma pessoa super importante no círculo de protagonismo estava valendo (o Rei do Show, por exemplo, que tinha a Zendaya, entrou por isso), (3) filmes de streamings e comprados no YouTube Filmes também contava e (4) eu queria saber como eu me saía no MAINSTREAM, no cinema do povo — afinal, filme indie não é parâmetro pra ninguém.

Realmente não achei que fosse conseguir cumprir, porque embora meu coração batesse mais forte com filmes onde eu me via representada (óbvio), sempre fui o que o jovem chama de cinéfila. Daquelas de assistir todos os filmes indicados ao Oscar. Então, vem sem eu precisar dizer: gastei pouquíssimo dinheiro com filmes em 2018. Ao todo? Oito filmes. E depois que você vê uma vez, é impossível desver. Naquele mesmo ano eu já assistia a vídeos no YouTube e séries que tivessem protagonismo não-branco, já procurava essas pessoas em tudo que eu fazia, nos podcasts que eu ouvia, nas músicas que estavam na minha playlist, absolutamente tudo. Não era minha intenção ter seguido com esse “projeto” em 2019, mas depois daquele ano minha relação com a indústria do entretenimento nunca mais foi a mesma. Eu passei de uma pessoa que assistia a muitos filmes por mês, a assistir pouquíssimos filmes em um ano. E eu passei a procurar não só o meu rosto, mas o meu jeito.

Nos filmes que você assiste, a pessoa preta tem um “propósito”, ou ela está lá para perpetuar um estereótipo? O preto está no filme ou na série para ser engraçado? O asiático está no filme para ser inteligente? Eles são os melhores amigos do protagonista branco padrão? Na série que você assiste, a pessoa não-branca abraça todas causas? Ela é a melhor amiga gorda, preta e LGBTQIA+? O clichê de filmes de romance água-com-açúcar com pessoas não-brancas te incomoda, mas o clichê do preto pobre de periferia com problemas familiares não?

Hoje em dia, me considero uma “cinéfila curada”, cheguei num ponto onde eu torço o nariz para filmes, não sei nem se gosto mais. Em contrapartida, tenho mais filmes para ver, cada vez mais opções, e isso me dá esperanças, mas ainda é um caminho solitário. Então, quando uma marca ou um serviço se posiciona, mas efetivamente não se compromete e segue priorizando pessoas brancas em seus trabalhos (como as produções brasileiras da Netflix, ou editoras e agências cujos autores no catálogo são brancos), infelizmente esse é um filme que eu ainda não consigo escolher não assistir.