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Mulheres na Animação: um pequeno guia

No dia 28 de outubro de cada ano é celebrado o Dia Internacional da Animação. Tal data foi criada em 2002 pela Association Internationale du Film d’Animation e é celebrada em mais de 40 países, incluído o Brasil, em comemorações que se estendem por vários dias.

Nesta data, em 1892, foi registrada a primeira exibição de imagens animadas do mundo: o filme Pauvre Pierrot, de Emile Reynaud, no seu teatro ótico no Museu Grevin, em Paris, é considerado a primeira exibição de imagens animadas do mundo. Desde 1892 houve muito crescimento e valorização neste ramo da indústria cinematográfica, agradando crianças, adolescentes e adultos. Entretanto, apesar desse desenvolvimento, no tocante à participação das mulheres nesse ramo não houve significativo progresso.

Em um estudo da USC Annenberg Inclusion Initiative em parceria com o grupo Women in Animation, divulgado neste ano, apontou que as mulheres são minoria quando se trata de animações. Nos últimos 12 anos apenas 3% dos cargos de direção de filmes animados eram ocupados por mulheres. Entre elas, apenas uma, Jennifer Yuh Nelson, de Kung Fu Panda 2, não era branca.

Dentro da indústria televisiva essa discrepância também pode ser observada. Somente 13% dos episódios de programas populares de animação de TV em 2018 tinham mulheres na direção. No tocante à representatividade não-branca o número cai ainda mais: dentre elas, apenas três. A partir desses dados mostra-se de extrema relevância que ao consumirmos produções culturais como um todo prestemos atenção sobre o que estamos consumindo, mas mais do que isso, sobre quem está por trás, quem está produzindo aquilo.

Quando pensamos no feminismo como um movimento político e social de forma a acabar com a discriminação e a estrutura que oprime e subjuga as mulheres temos que pensar em todos os âmbitos de incidência social, cultural e política, assim perpassando diretamente sobre as indústrias culturais. Essa situação não é uma circunstância que afeta apenas a indústria do entretenimento, mas que ultrapassa como entendemos a política, a cultura e o social como um todo. Devemos incentivar a valorização do que é ser mulher na nossa sociedade, e isso também implica prestigiar seus trabalhos e criações.

Com isso, separamos uma lista de algumas animações dirigidas por mulheres para você celebrar todos os dias como se fossem o Dia da Animação.

As Aventuras do Príncipe Achmed (1926), Lotte Reiniger e Carl Koch

Esse é considerado o longa-metragem mais antigo no que se refere às animações embora o primeiro longa-metragem de animação do cinema tenha sido o argentino El Apóstol, de 1917, dirigido por Quirino Cristiani. El Apóstol possuía cerca de 70 minutos de duração, porém foi completamente perdido em um incêndio, em 1926. Depois desse, o longa-metragem de animação mais antigo que se tem notícia é As Aventuras do Príncipe Achmed. O filme tem como propósito trabalhar algumas histórias das famosíssimas Mil e Uma Noites (até Aladdin aparece!) por meio do uso da animação em tintura, com cartolinas e sombreamento.

Todas as características que tornaram As Mil e Uma Noites um marco cultural repleto de grandes reviravoltas, acontecimentos inesperados, misticidade e magia são retomadas aqui nesse filme, mas com um adicional que fica por parte da tecnicidade e brilhantismo da arte de Lotte Reineger. As imagens são ilustres, destacando-se por si só. As cores, e como elas são utilizadas de maneira a criar atmosferas diferentes, tensões, espaços românticos e dramáticos, são um grande destaque do longa. Além disso, é com maestria que os espectadores veem as figuras em cartolina preta movimentarem seus corpos, em pequenos detalhes como bocas e olhos. Pensando nas tecnologias que existiam naquela época para criar um trabalho assim, é de grande perfeccionismo (e paciência) por parte de Lotte.

A Ganha-Pão (2017), Nora Twomey

A Ganha-Pão, ou The Breadwinner, é um dos filmes indicados ao Oscar de 2018 na categoria de Melhor Animação e se passa em 2001, contando a história de Parvana, de apenas 11 anos, que precisa sobreviver a sua própria maneira no Afeganistão.

Em 2001 o Afeganistão estava tomado pelo regime Talibã, vivenciando por anos uma guerra que assolava o país, causando miséria e devastação. É esse conflito que impacta diretamente na história de Parvana, uma menina que vive em Cabul. Os pais de Parvana, um professor e uma escritora, não podem mais exercer suas profissões pois, além do fato de que qualquer tipo de acesso à educação ser proibido, as mulheres não podem mais sair de casa sem seus maridos ou pais, além de serem proibidas de exercerem qualquer papel na vida pública. Com isso, Parvana e seu pai trabalham com a venda de bugigangas e peças de roupas da família em meio ao caos das ruas da cidade até que um dia seu pai é preso injustamente, o que faz com que Parvana precise ajudar a família de qualquer maneira, inclusive vestindo-se de menino para passar quase ilesa em meio aos tumultos que se seguem.

A animação, produzida por Angelina Jolie — que também já abordou as questões da vivência no Oriente Médio ao dirigir First They Killed My Father —, tem um posicionamento feminista durante toda a narrativa, mesmo que naquele espaço e ambiente sejam retratadas situações extremamente opressivas e duras para com as mulheres. Parvana precisa lidar com as dificuldades diárias de sustentar a sua família apoiando-se, muitas vezes, em histórias sobre seus antepassados, o que reflete muito sobre ancestralidade e pertencimento, assim como também em fábulas sobre ensinamentos e superações. Esses momentos são muito importantes para que a menina fuja de sua realidade — tais momentos não aparecem apenas como recurso narrativo mas apoia-se no visual já que toda a atmosfera do filme muda, em suas cores e ambientações, quando Parvana imagina. O mundo acinzentado, sombrio e complexo em que Parvana vive é trocado por um ambiente repleto de cores e fantasias.

O roteiro de Anita Doron, adaptado da obra infanto-juvenil homônima de Deborah Ellis, é um retrato sensível e bastante duro sobre a situação das mulheres no Oriente Médio. Mas que vai para além disso, mostrando os impactos da guerra e do extremismo religioso em diversas famílias.

Loving Vincent (2017), Dorota Kobiela e Hugh Welchman

Loving Vincent mais um filme indicado ao Oscar de Melhor Animação em 2018 e foi uma verdadeira revolução na indústria da animação. Contando com uma equipe de 125 artistas, todos os frames do filme foram pintados à mão, com a técnica de óleo sobre tela, completamente no estilo do pintor Vincent Van Gogh, tema do trabalho. É um filme impressionante de ser visto em que todo frame é, literalmente, uma obra de arte — mas se engana quem pensa que é apenas um filme bonito visualmente, já que seu roteiro também é apaixonante.

O longa se passa um ano após o suicídio de Vincent Van Gogh. Nesse ambiente, Armand Roulin encontra uma carta escrita pelo pintor e enviada ao irmão Theo, que jamais chegou ao seu destino. Decidido a entregar ele mesmo a correspondência, Armand parte para a cidade francesa de Arles na esperança de entrar em contato com a família do artista. Lá, inicia uma investigação junto às pessoas que conheceram Van Gogh, no intuito de decifrar se ele realmente se matou.

Loving Vincent é um filme sensível, que em todo momento se recusa a glamourizar o sofrimento do artista, de seus problemas psicológicos e pessoais, algo que muitas produções decidem fazer. Há muitos momentos em que as falas dos personagens fazem com que o espectador reflita sobre sua própria realidade e também sobre a dicotomia glamour versus demonização que existe a respeito de pessoas que possuem problemas psicológicos e doenças mentais.

Ao tentar conversar e reviver muitos momentos da vida do pintor, a trajetória de Armand Roulin, e também do espectador, é difícil e emocionante. Questionando-se sobre moralidades e o sofrimento humano, Loving Vincent é um filme impressionante e inesquecível, tanto por seu visual revolucionário, mas também por tocar em pontos bastante sensíveis ao ser humano.

Persépolis (2008), Marjane Satrapi e Vincent Paronnaud

Persépolis conta a história de uma garotinha, Marjane, que vivia em Teerã, no Irã, e que se depara com um problema em sua vida: a obrigação de usar véu em sua escola, pela primeira vez. A partir desse acontecimento e de sua história de vida, Marjane Satrapi, a autora e diretora da obra, nos leva em uma trajetória que não reflete apenas suas questões a respeito de sua identidade e personalidade, seu crescimento e sua família, mas também é um reflexo da Revolução Islâmica que começou em 1979 e a história do Irã.

O filme é extremamente divertido ao mesmo tempo em que é crítico, reflexivo e, principalmente, ácido. Marjane Satrapi tem um jeito único de contar a sua própria história, levantando questões como o feminismo, religião, sexo, amor, entre outros. É uma obra irresistível, tanto o livro quanto o filme, e que apaixona logo no primeiro momento quando nos deparamos com a pequena Marjane, uma garotinha vivendo em um espaço tão repressivo, apaixonada por punk, discos de vinil e as histórias da família relacionadas com comunismo e revolução.

Ernest & Celestine (2012), Stéphane Aubier, Benjamin Renner e Vincent Patar

Nesse filme indicado ao Oscar de Melhor Animação e inspirado no livro homônimo escrito por Gabrielle Vincent, há uma ratinha órfã chamada Celestine, que sonha em ser uma desenhista de sucesso, e também Ernest, um urso pobre, que toca seus instrumentos na rua para ganhar algum dinheiro e sobreviver, tendo que roubar para poder se alimentar. Os dois vivem em mundos completamente diferentes onde a amizade entre eles não é algo bem visto, pois há um ensinamento geral de que outros animais são maus por natureza e devem ser evitados a qualquer custo.

Em uma visita ao mundo da superfície, Celestine encontra Ernest, e a partir disso uma amizade excepcional é formada, a partir dos dois superando os preconceitos concebidos pela sociedade e aprendendo a apreciar a amizade um do outro. É um filme com algumas tramas, extremamente divertido, com uma trilha sonora linda e de arrepiar, e que é um ótimo filme para se ver com crianças.


** A arte em destaque é de autoria da editora Ana Luíza. Para ver mais, clique aqui!