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Guardiões da Galáxia Vol. 3: é realmente bom ter amigos

Guardiões da Galáxia Vol. 3 chegou aos cinemas, supostamente, como o capítulo final da jornada do grupo de desajustados que se reuniram em um objetivo em comum e permaneceram juntos graças aos laços que criaram. O longa, que é o trigésimo segundo filme da Marvel e o segundo da Fase 5 do UCM, também é a volta — e despedida — do roteirista e diretor James Gunn.

Atenção: este texto contém spoilers!

Gunn foi despedido pela Disney em 2018, após tweets antigos seus, com piadas capacitistas e até com apologia à pedofilia, virem à tona. No fim, o “cancelamento” dele, que se alastrou por toda a internet, o serviu muito bem, já que a DC não demorou a aproveitar a oportunidade do fim do contrato de Gunn com a rival e acolhê-lo, presenteando-o com a direção do seu próprio grupo de desajustados párias, o Esquadrão Suicida.

Tempos depois, e com a poeira já baixa, a Disney recontratou o diretor, que pôde estar à frente do último ato de sua criação bem-sucedida. É inegável, claro, que a visão e estilo de Gunn são os principais motivos que levaram ao sucesso de Guardiões da Galáxia e tornaram o grupo de heróis não tão badalados em um dos maiores acertos da Marvel no cinema; entretanto, não podemos deixar de pensar como todo o ocorrido reflete a maneira que a sociedade, especialmente as grandes corporações, lidam com a opinião do público, utilizando o “politicamente correto” ao seu favor quando lhes convêm e adotando discursos (ou não) conforme é o melhor para seus interesses financeiros.

Guardiões da Galáxia

“I wish I was special, but I’m a creep, I’m a weirdo”

O terceiro ato da história dos protetores da Galáxia começa com o pé na porta, por assim dizer, mas sendo a  porta o nosso coração. A sequência de abertura ao som de “Creep”, do Radiohead, focando no estado de espírito de Rocket (Bradley Cooper) em meio a movimentação caótica de Lugar Nenhum, a casa flutuante dos Guardiões, dita o tom melancólico e triste pela frente, confirmando as especulações geradas pelos trailers e entrevistas que o passado de Rocket seria desvendado.

Enquanto Quill (Chris Pratt) sofre com a falta de Gamora (Zoe Saldaña), e Nebula (Karen Gillian) toma a frente do grupo, entra em cena uma ameaça, aguardada desde a cena pós-creditos do Vol. 2: Adam Warlock (Will Poulter). Contratado pelo criador de Rocket, ele precisa recuperar o experimento mais bem sucedido de todos e quase destrói toda Lugar Nenhum em sua tentativa, mas é vencido, por ora, pelos Guardiões. A que custo? Da vida de Rocket, praticamente, uma vez que o guaxinim fica ferido gravemente e os cuidados médicos só pioram sua situação, já que, por ser criado em laboratório, ele possui defesas antirroubo de patente.

Desesperados em salvar a vida do amigo, o grupo parte para o QG da Orgocorp, empresa liderada pelo Alto Evolucionário (Chukwudi Iwuji). Para conseguir entrar no lugar, Nebula aciona Gamora, agora parte dos Saqueadores. Quem não recebe bem a notícia é Quill, que está ainda mais fragilizado devido ao que aconteceu a Rocket, e precisa encarar Gamora e receber negativas constantes de alguém que ainda ama, mas por crueldade do destino (e de Thanos) não viveu o mesmo que ele.

Guardiões da Galáxia

Como boa fã do casal, e da personagem, estava ansiosa pelo longa e para acompanhar como eles tratariam o desenvolvimento de Gamora, que ao meu ver, junto com Nebula, são as personagens que mais cresceram ao longo da trilogia. Inclusive, que a Gamora atual não tenha vivido o ajuste de contas e, consequentemente, a aproximação com Nebula, ocorrida no segundo filme, me deixa triste. No fim, parece que aquilo foi tirado de nós, mesmo que ambas tenham se reaproximado novamente, pós Guerra Infinita, de maneira diferente.

Com Rocket sendo o ponto focal da trama, no entanto, quem é a atual Gamora, a relação dela com todos os Guardiões e, em especial, com Quill, ganha apenas pinceladas, que poderiam gerar frustração, caso a contrapartida da história não fosse tão necessária, emocionante e bem executada. “Eu acabei de deixar Thanos”, grita em um momento Gamora para Quill, demostrando a frustração que sente ao ser tirada de seu tempo e jogada anos depois quando quem ela era e as pessoas que amava são coisas que não reconhecem ou lhe pertencem. Neste sentido, é satisfatório ver o quão forte é o laço de amor fraterno entre os Guardiões e quão longe eles iriam para salvar seu amigo. Acontece que essa versão de Gamora não tem como morada o grupo; sua casa, onde seu afeto reside, agora são os Saqueadores. Quem sabe no futuro isso mude — ou não.

Em se tratando de Rocket, um ciclo se fecha com sua história sendo apresentada. Com uma série de flashbacks, entendemos o que o pequeno guaxinim quis dizer quando, em GOTG Vol. 1, teve um rompante bêbado e afirmou que não pediu para ser feito e que sabe que é um monstro. Alvo de experimentos cruéis por parte do Alto Evolucionário, que picotava animais como bem entendia e modificava seus corpos com pedaços de metal e os submetia a diversos outros experimentos, tudo em nome da evolução e de um “bem maior”, já que seu objetivo era criar um mundo perfeito, livre de todas as mazelas e “defeitos” de uma sociedade corrompida. Com um discurso fascista e eugenista, o homem com complexo de Deus justifica suas ações e acredita ser injusto que a sua melhor criação, a mais inteligente, não esteja sob seu comando.

Guardiões da Galáxia

Nunca pensei que fosse chorar mais com essa franquia do que o fiz em GOTG Vol. 2, mas saí do cinema ainda mais destruída dessa vez. Ri muito também, como é de praxe das histórias contadas pela Marvel, especialmente com a dinâmica entre Drax (Dave Batista) e Mantis (Pom Klementieff), que evoluiu de forma deliciosa, mas o choro, a revolta e a tristeza predominaram ao conhecer os primeiros amigos de Rocket, o coelho Floor (Mikaela Hoover), a morsa Teefs (Asim Chaudhry) e a lontra Lylla (Linda Cardellini) que, assim como ele, sofreram uma crueldade imensurável nas mãos do Alto Evolucionário, enquanto mantinham a esperança de um dia sair de suas celas e viver o mundo perfeito que lhes foi prometido.

O modo como o roteiro aborda a crueldade e experimentos animal nos destroça; tanto que o trabalho foi reconhecido pela organização People for the Ethical Treatment of Animals (PETA), que concedeu um prêmio ao diretor pela abordagem do tema. Em tempos em que um influenciador utiliza animais silvestres para ganhar visualizações e o cumprimento da lei por órgãos públicos gera revolta na internet, a narrativa de GOTG Vol. 3 cumpre perfeitamente o papel de jogar em nossa cara como somos hipócritas e atrozes com outras espécies.

Once more. With friends.

A trilogia Guardiões da Galáxia é sobre amizade, sobre encontrar afeto, aceitação e acolhimento em um lugar improvável. Família, lar, dentro de uma espaçonave que viaja pela Via-Láctea, em meio a discussões, piadas que irritam, mas no fundo fazem rir, com uma sintonia na hora de lutar que mostra como um grupo de pessoas tão diferentes, mas no fundo tão iguais na dor que sofreram, encontraram consolo na companhia uma da outra. É a amizade, dentre outras coisas, que dá sentido à nossa jornada. GOTG Vol. 3, ao contar a história de Rocket, é exemplo disso.

Em meio ao sofrimento de ser objeto de experimento, o desconhecimento do que o aguarda e ser manipulado por seu criador, o pequeno Rocket encontra um espaço seguro nas conversas e brincadeiras com seus companheiros de cela. Suas simples presenças são distração e o antídoto para a solidão angustiante, além de apresentar uns aos outros a um dos sentimentos mais felizes: o amor. Não é à toa que Lylla, Teets e Floor marcaram a vida de Rocket a ponto de ele carregar tão pesadamente a culpa por ter falhado com aqueles que estimava tanto e buscar constantemente modos de mantê-los vivos em sua memória. Em um easter egg incrível, o olho, a perna e o braço que Rocket quer roubar durante os filmes são espólios que o lembram de seus amigos.

O único de sua espécie, renegado à solidão e a percepção de que não é digno de amor por ser um monstro, é um alívio que Rocket tenha Groot (Vin Diesel) e, posteriormente, encontrado os Guardiões, e assim pessoas como Drax, que também perdeu aquilo que o tornava quem é, Nebula, retalhada, desmontada e remontada tantas vezes sendo impossível que a dor de tal ato seja esquecida, e Quill, solitário e com a ausência de uma família.

Unidos não apenas em prol de um bem maior, os Guardiões se tornam um grupo por compartilharem a solidão e a falta de amigos. Ao contrário de outros grupos de heróis, como Os Vingadores, por exemplo, não há família, amigos ou uma casa para qual voltar quando a missão acaba. Então, eles constroem o seu lar, primeiro em uma pequena nave, e depois em Lugar Nenhum, onde outras pessoas sozinhas, sem destino e desajustadas como eles, também podem encontrar pertencimento e vínculos que preencham sua existência. GOTG tem coração, alma — de todas as críticas feitas às produções da Marvel, está não pode ser atribuída a trilogia. Seja pela escrita vibrante e irreverente, pela fotografia e sequências de luta embaladas pela trilha sonora que faz pulsar a nostalgia, pela dinâmica tão em sintonia entre pessoas que não se encaixam, o terceiro filme consagra a franquia como a melhor do UCM.

“Hooked on a feeling”, realmente. Desde o começo, quando Groot nos mostrou que se sacrificar por aqueles que se ama vale a pena, eles deram as mãos para salvar um planeta e uns aos outros, e não soltaram mais. Quão longe eles chegaram! Agora, Quill tem um melhor amigo — e também segundo melhor amigo —, Nebula encontrou pessoas que não se importam com seu jeito grosseiro e defensivo, e por meio da convivência, passou a entender Drax melhor e o ajudou a encontrar de volta seu propósito e o pedaço de si que estava perdido. Mantis ganhou um meio-irmão e amigos que até podem gritar com ela, e a irritar, mas pedem desculpas depois. E Rocket encontrou quem o acolha, tem empatia por sua dor e luta por ele, mostrando o quão amado e digno ele é.

No fim, mesmo que cada um siga sua própria jornada em busca de algo que ainda precisem descobrir, o mais importante de tudo eles já encontraram — e guardam consigo: o amor fraterno, apoio e um lar, para o qual podem retornar sempre e a qualquer momento.

Lylla estava certíssima: realmente é bom ter amigos.

“We are Groot.”