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Troféu Valkirias de Melhores do Ano: TV – Episódio 2

A televisão, como nós conhecemos, está mudando. Grandes canais estão se adaptando à nova realidade do mundo dos streamings. As plataformas de streaming, por sua vez, estão cada vez mais diversificadas — o objetivo é agradar toda a família, desde a filha mais nova até a avó. Sendo assim, para sobreviver no mundo onde a novidade está há um clique de distância, o mundo das telinhas se reinventa, encontra novas fórmulas de contar grandes histórias. Na TV, ao menos, o ano foi muito democrático: tem adaptação de grandes livros, reboot de antigas séries e continuação de boas histórias. Tem sci-fi, drama, reality shows, stand-ups. Dando sequência aos Melhores do Ano na categoria TV, voltamos com a segunda parte das nossas séries favoritas de 2018.

Nanette, Netflix

Por Laura Lima

O stand-up Nanette, da comediante australiana Hannah Gadsby, alvoroçou muita gente quando foi lançado pela Netflix no meio do ano. Em pouco menos de uma hora ela desconstrói sua profissão, criticando o humor auto-depreciativo que marcou uma época de stand-ups, escancara o machismo do meio e a lesbofobia da sociedade. Critica Picasso e fala sobre assuntos urgentes como transtornos mentais e medicamentos, além de abusos sexuais e o silenciamento das vítimas.

Rir não é o remédio. O que cura são as histórias. O riso é só o mel que adoça o remédio amargo”. Através do riso e da sua história, Gadsby se expõe, fica vulnerável e faz refletir: quais são nossas próprias falhas, nossos preconceitos? E num momento em que baixamos a nossa guarda, ela atinge bem no alvo, indo mais fundo para mostrar que é tempo de mudanças: um stand-up pode também fazer chorar.

Para saber mais: Nanette e o humor que o politicamente correto matou

O Conto da Aia (2ª temporada), Hulu

Por Fernanda

Depois de um desempenho espetacular na temporada de premiações de 2017 e de virar forma de protesto mundo afora (inclusive no Brasil), The Handmaid’s Tale tinha a difícil missão de continuar a trama de onde o livro de Margaret Atwood parou, construindo para si um enredo cem por cento independente. Ao final da segunda temporada, Bruce Miller e seu time de roteiristas provaram que ainda têm muita história para contar e sabem como fazê-lo, ainda que o segundo ano da série tenha tido mais pontos negativos do que o esperado — a começar pela relação da série com a exposição de cenas de tortura e violência, que levou muita gente a abandoná-la e questionar as escolhas narrativas de Miller.

Eventualmente, no entanto, The Handmaid’s Tale reencontra um ritmo e começa a dar mais motivos narrativos para continuar no ar por mais alguns anos. O que a temporada traz de mais interessante são as diversas fugas do ponto de vista muito limitado de June (Elisabeth Moss): temos vislumbres das Colônias, da vida dos casais comuns de Gilead, do Canadá onde se reúnem exilados americanos (e onde canadenses seguem vivendo normalmente), dos lares de outros comandantes. As atuações do elenco principal continuam espetaculares, carregando com louvor todas as muitas cenas terríveis e desconfortáveis. Numa temporada que trouxe violências físicas e psicológicas ainda piores do que tudo aquilo que já havíamos visto, é preciso ter bastante força de vontade para continuar. Mas sua conclusão, e o caminho para onde ela parece apontar, faz valer a pena. É verdade que a série começa a pedir do espectador muito mais suspensão de descrença do que jamais pediu antes, mas ela entrega algo genuinamente poderoso em troca. Mais do que nunca, precisamos dessas narrativas, especialmente pelas mãos das mulheres. Nolite te bastardes carborundorum.

Para saber mais: The Handmaid’s Tale

O Mundo Sombrio de Sabrina, Netflix

Por Thay

O Mundo Sombrio de Sabrina foi, muito provavelmente, uma das estreias mais aguardadas da Netflix. Baseada nos quadrinhos de mesmo nome escritos por Roberto Aguirre-Sacas, que também é o showrunner do seriado, O Mundo Sombrio de Sabrina nos entrega episódios divertidos, empolgantes e levemente sombrios sobre a adolescente que, metade bruxa e metade mortal, precisa decidir em seu aniversário de dezesseis anos que caminho quer percorrer para o resto de sua vida. Tão difícil quanto escolher o curso para o qual prestar vestibular ao sair do ensino médio, Sabrina Spellman (Kiernan Shipka), não sabe o que escolher e também não quer ter que fazê-lo: a jovem quer sua vida mortal ao lado do namorado e dos amigos do colégio, mas também quer o poder que a Igreja da Noite pode lhe proporcionar.

A primeira leva de episódios da temporada de estreia de O Mundo Sombrio de Sabrina nos mostra a protagonista lutando para equilibrar seu lado mortal e seu lado mágico enquanto navega nos dramas intrínsecos à adolescência. Sabrina desafia a soberania do coven, bate de frente com Satã e se recusa a assinar seu nome no Livro da Besta em nome de sua independência e livre arbítrio — e sabemos que o Diabo não deixará isso barato. Sabrina Spellman é uma protagonista inteligente e corajosa ao ponto de se tornar imprudente, mas esse é só o começo de sua jornada e só podemos imaginar o que o futuro reserva para nossa aprendiz de feiticeira.

Para saber mais: O Mundo Sombrio de Sabrina: a hora das bruxas

Objetos Cortantes, HBO

Por Ana Luíza

Baseada no livro homônimo de Gillian Flynn, Sharp Objects trouxe para a televisão o complexo universo construído pela autora, em que mulheres existem de maneira sombria e perversa, e com histórias tão complicadas quanto elas mesmas. A relação conturbada entre mãe, filhas e irmãs, personificada pelas três mulheres da família Crellin/Preaker — Adora (Patricia Clarkson), Camille (Amy Adams) e Amma (Eliza Scanlen) — é o que norteia a série, muito mais do que o assassinato de uma jovem e o sumiço de outra na pequena cidade de Wind Gap; o que também justifica o seu desenvolvimento bastante lento, por sua vez compensado nos três últimos episódios.

Mais interessante, no entanto, é perceber como o gênero está diretamente relacionado às experiências dessas mulheres; como vivem, como reagem ao mundo que as cerca, o que sentem. A série trabalha em duas linhas do tempo distintas — passado e presente — que pouco a pouco constroem um cenário de tensão constante em que mesmo detalhes mínimos conversam com a história de maneira mais ampla. Desde as palavras escritas em diferentes lugares — do corpo de Camille até os muros da cidade —, da trilha sonora aos tons de verde sempre em destaque, Sharp Objects está contando sua história — e ela é tão surpreendente quanto seria de imaginar.

Para saber mais: Sharp Objects: até onde vai o trauma

Orgulho & Paixão, Rede Globo

Por Yuu

Muitas coisas inesperadas aconteceram em 2018 e uma delas foi ver-me ansiosa para acompanhar um folhetim da Rede Globo. Orgulho & Paixão começou a ser anunciada no fim do passado como a novela das seis que estrearia em março, e seria inspirada em Orgulho e Preconceito e outras obras de Jane Austen. Minha fama de janeite é conhecida, e apesar dos receios decidi acompanhá-la. Resultado: foi uma experiência muito bacana.

Depois de tantos anos insistindo em tramas com as mesmas fórmulas previsíveis, a emissora está tentando acompanhar o ritmo da época em que estamos vivemos, com todas as suas lutas sociais, e entre elas, o feminismo. Apesar dos passos cambaleantes, dos erros óbvios e do didatismo ao pé da letra que soa tão pouco natural, a trama sobre os sonhos e ambições de Elisabeta Benedito (Nathalia Dill) e o desenvolvimento emocional de Darcy Williamson (Thiago Lacerda), entre outras, foi um refresco para o que temos visto ultimamente na televisão aberta. A novela é um legado de resiliência, autoconhecimento, amor, amizade e união. Nela temos o cruzamento de seis histórias de Jane Austen e a interação entre seus personagens é tão entusiasmante quanto fomos capazes de imaginar, e tudo inserido num cenário bem brasileiro. Orgulho & Paixão teve bailes, viagens, musicais e uma chuva de tintas que ninguém pensou que coubesse numa trama de época. E apesar das ditas ressalvas, foi maravilhoso.

Para saber mais: Orgulho & Paixão e todas as mulheres da trama

Punho de Ferro (2ª temporada), Netflix

Por Ana Luíza

Após uma primeira temporada bastante irregular, o segundo — e último — ano de Punho de Ferro foi uma conquista, no mínimo, agridoce. O cancelamento da série, junto com outros títulos da outrora fortuita parceria entre Marvel e Netflix, não deixa de ser uma surpresa, tanto quanto sua notória reviravolta. Com uma ambientação mais sombria e uma história substancialmente mais complexa, em sua segunda temporada Punho de Ferro abre espaço para versões até então inéditas de muitos personagens, ao passo que desenvolve características ainda sutis em outros: Danny Jones (Finn Jones) transforma-se em um homem menos ingênuo e consideravelmente mais violento; Joy (Jessica Stroup), em sua busca por vingança, apresenta uma faceta de si mesma que em muito pouco lembra a mulher solar da primeira temporada; enquanto Coleen (Jessica Henwick) e Ward (Tom Pelphrey) sofrem mudanças mais íntimas, evidenciadas pelas novas vidas que tentam seguir — ele, na luta contra o vício; ela, ao ajudar refugiados e descobrir mais sobre o próprio passado.

Novos personagens, como Mary Walker (Alice Eve), uma mulher misteriosa que termina por estar mais envolvida nos acontecimentos da temporada do que aparenta de imediato, e cuja história de vida talvez seja a mais complexa, também surgem no horizonte, de modo a adicionar mais nuances a uma narrativa que ganha força justamente ao explorar o lado mais obscuro de seus personagens, que crescem à medida que se encaminham a um desfecho; que não deixa pontas soltas, mas abre espaço para muitas leituras, agora reservadas tão somente à nossa imaginação.

Para saber mais: Crítica: Punho de Ferro

One Day At a Time (2ª temporada), Netflix

Por Mia

Quase cancelada prematuramente por falta de audiência, One Day At a Time se tornou queridinha do público numa reviravolta surpreendente que fez uso das redes sociais para divulgar a palavra da boa sitcom que consegue fazer comédia sem ser ofensiva — algo de que muitos duvidam até hoje, mas que claramente é possível. Na segunda temporada pudemos ver os dramas da família Alvarez sendo aprofundados, tudo com aquela tônica leve pela qual a série é conhecida. Com uma abordagem maior na (agora assumida) Elena (Isabella Gomez) e sua vida romântica ao lado de sua namorada, a representatividade LGBT+ está a toda na temporada. Mas talvez seu arco mais sincero e comovente seja o de Penelope (Justina Machado), a mãe da família e ex-soldado que precisa lidar com seus problemas psicológicos, mas se recusa a fazer um tratamento por ainda sentir vergonha do estigma da necessidade de um psicólogo, como se isso lhe assegurasse um atestado de loucura. A segunda temporada trata delicadamente de saúde mental, mas com muita força e verdade.

A história da família Alvarez, com seus problemas e dificuldades, se assemelha muito com o cotidiano de muitos de nós, já que as raízes culturais latinas pertencem a uma mesma família (por mais que nos esqueçamos disso por vezes). A força feminina das personagens, a masculinidade não tóxica dos homens, as discussões sobre gênero, sexualidade, saúde mental e morte permeiam todos os episódios, que conseguiram superar os da primeira temporada. Assisti e re-assisti a série algumas vezes durante o ano e mal posso esperar pela terceira temporada para acompanhar essa família em mais uma etapa de suas vidas (e rever a nossa querida Lydia). Uma série tão relevante, representativa e bem feita como essa não poderia deixar de figurar entre as melhores do ano.

Para saber mais: One Day At a Time

Outlander (4ª temporada), Starz

Por Mia

Ainda em andamento, a quarta temporada de Outlander já está entre as melhores do ano, e não poderia ser diferente, especialmente agora que Claire (Caitriona Balfe) e Jamie (Sam Heughan) se encontram nas Colônias Americanas, futuro EUA, no século XVIII. Tentando estabelecer um lar nas inóspitas terras norte-americanas, eles se deparam com os horrores da escravidão, com indígenas sendo expulsos de seus territórios para dar espaço ao homem branco e com perigos muito mais ligados a questões humanitárias do que em outras temporadas, onde a magia da viagem através das pedras e o relacionamento do casal tiveram seu brilho maior.

No século XX, especificamente no início dos anos 70, temos a filha de Claire, Brianna (Sophie Skelton), travando suas próprias batalhas. Sozinha em seu tempo, ela estuda Engenharia numa época em que mulheres fazendo cursos que não fossem ligados ao ensino ou à enfermagem não eram bem vistas. Apesar de ainda não se ter falado declaradamente na explosão feminista daquela época, pode-se perceber claramente que Brianna é uma de nós não apenas por sua escolha profissional como também por sua recusa ao casamento. Temos muita coisa para ver dessas personagens nesta temporada, mas ela certamente já deixou sua marca e não cairá no esquecimento.

Para saber mais: Outlander – uma mulher estranha num tempo estranho

Queer Eye (1ª e 2ª temporadas), Netflix

Por Anna Vitória

É até estranho pensar que as duas temporadas de Queer Eye foram lançadas esse ano — 2018 foi longo e intenso o suficiente para deixar a impressão que vivemos pelo menos um cinco anos dentro dele e alguns lançamentos parecem lembranças de um tempo distante e mais feliz. No caso de Queer Eye, esse distanciamento também acontece porque o time de fabulosos formado por Antoni Porowski, Bobby Berk, Jonathan Van Ness, Karamo Brown e Tan France nos conquistou tão fácil que parece que eles fazem parte da nossa vida desde sempre, parte de um universo comum de referências pop que define esse nosso tempo. Can you believe?

Derivado do reality show Queer Eye for the Straight Guy, a nova versão se destacou não só por humanizar seus personagens através de conversas francas e muitas lágrimas, mas também pelas discussões contemporâneas que conseguiu aliar às histórias dos participantes. Subvertendo a proposta clássica de um programa de transformação, o grande diferencial de Queer Eye é fazer da empatia sua principal ferramenta de mudança, tornando visitas ao cabeleireiro e busca por roupas novas etapas secundárias nesse processo. O reality conseguiu tratar a masculinidade como algo complexo e multifacetado, como no caso de AJ, homem negro e gay, cuja história revela aspectos interseccionais da experiência masculina que dificilmente são retratados na televisão de forma tão sofisticada. Delicada (mas não isenta de críticas), e longe de ser superficial, também é a forma como Queer Eye aborda temas desconfortáveis, como a violência policial e as tensões raciais nos Estados Unidos. A segunda temporada, embora mais fraca que a primeira, expande seu leque de personagens por meio de histórias como a de Tammye Hicks, mulher negra, religiosa, e mãe de um filho gay, e Skyler, homem trans que passara recentemente pela cirurgia de adequação de gênero, num episódio que gerou incômodo entre a comunidade trans (leia mais aqui e aqui), mas que ainda é um marco para a televisão, entre erros e acertos.

Para saber mais: Queer Eye: derrubando a masculinidade tóxica, um corte de cabelo por vez

She-Ra e as Princesas do Poder, Netflix/Dreamworks

Por Thay

Quando a Netflix anunciou que um reboot de She-Ra estava em desenvolvimento junto da Dreamworks, as manifestações do público foram as mais diferentes possíveis: houve aquela parcela que ficou realmente empolgada em ver a heroína de uma maneira diferente, mas houve aquela que, liderada por homens (!) na casa dos trinta anos (!) ficou realmente revoltada por ver suas infâncias serem destruídas mais uma vez. O fato é que She-Ra e as Princesas do Poder chegou à Netflix no último mês de novembro e conquistou fãs, antigos e novos, com ajuda dos poderes de Grayskull e um roteiro inspirado desenvolvido por Noelle Stevenson e sua equipe de produção majoritariamente feminina.

Com treze episódios que duram em torno de 25 minutos, She-Ra e as Princesas do Poder é uma bem-vinda aventura onde meninas salvam umas às outras, princesas se metem em confusões, fazem amizade e metem os pés pelas mãos enquanto protegem Etéria de Sombria e Hordak. Adora, a protagonista, é inteligente e destemida, e ao lado de seus amigos, Cintilante e Arqueiro, mostra que meninas podem chutar bundas e serem princesas sem o menor problemas – e não necessariamente nessa ordem.

Para saber mais: She-Ra: ser princesa é contagioso

Sorry For Your Loss, Facebook Watch

Por Ana Luíza

De muitas maneiras, Sorry For Your Loss poderia ser considerada uma série trivial sobre luto. Contudo, é também de muitas maneiras que Kit Steinkellner, sua criadora, a torna tão surpreendentemente fora da curva — a começar pela plataforma na qual foi veiculada; o serviço de streaming do Facebook, disponível gratuitamente para qualquer pessoa que possua um perfil na rede.

Ao longo de dez episódios com cerca de trinta minutos cada, Steinkellner faz um trabalho tão sensível quanto preciso ao abordar as diferentes faces do luto, destrinchando perspectivas únicas diante de uma perda em comum. É particularmente interessante notar como a série não se limita aos sentimentos de sua protagonista ou ao que significa perder o marido, explorando também a dor que existe na perda de um irmão, de um filho, de um cunhado ou um genro. Em um dos momentos mais impactantes de seus episódios iniciais, Danny (Jovan Adepo) vai dizer a Leigh (Elizabeth Olsen), não sem algum ressentimento, que ela pode encontrar outro marido, mas que ele nunca vai ter outro irmão — e se o roteiro não deixa escapar a mágoa da jovem viúva, ele também lembra, em igual proporção, que aquela é uma verdade inescapável. De maneira similar, a dor tampouco torna seus personagens mais dóceis, fazendo-os, pelo contrário, pessoas por vezes insuportáveis, grosseiras e mesquinhas. O efeito, no entanto, é o oposto do que seria esperado, e eles jamais transfiguram-se em pessoas menos gostáveis ou cujas ações são menos compreensíveis. Sorry For Your Loss enxerga aquilo de existe de mais humano em seus personagens, e nos convida a fazer o mesmo, com uma delicadeza e leveza surpreendentes.

The Good Place (3ª temporada), NBC

Por Mia

Na terceira temporada daquela que é uma das melhores sitcoms já criadas, temos Michael (Ted Danson) com um plano mirabolante: para salvar seus amigos, ele propõe que suas vidas sejam reiniciadas a partir do momento de suas mortes e que suas pontuações passem a ser calculadas a partir de então. Firme na crença de que Eleanor (Kristen Bell), Chidi (William Jackson Harper), Tahani (Jameela Jamil) e Jason (Manny Jacinto) têm capacidade para se tornarem pessoas melhores desde que obtenham uma segunda chance, ele aposta tudo nesse plano. Obviamente as coisas não ocorrem da forma como ele imaginou e, sendo quem é, e com a ajuda de Janet (D’Arcy Carden), ele interfere ativamente nas vidas dos quatro para recriar, de certa forma, as condições formadas no Good Place, onde eles sempre se auxiliaram e conseguiram de fato se tornar pessoas melhores.

Oficialmente a temporada só se encerra em janeiro, mas já temos episódios suficientes para enaltecer mais essa reviravolta na trama. Ainda focada em questões éticas, agora Michael começa a se perguntar se realmente o sistema celeste é justo. É interessante ver isso retratado numa série pois, apesar de muitas pessoas serem ateístas ou possuírem crenças que divergem da tradição cristã, as bases bíblicas de vida após a morte, com suas torturantes punições eternas para quem não seguir certas regras, ainda parecem inquestionáveis em nossa cultura. Levantando uma questão importante, The Good Place parece estar cada vez mais mostrando que está muito além de apenas uma sitcom.

Para saber mais: O humor possível: The Good Place

The Haunting of Hill House, Netflix

Por Ana Luíza

Dentre as muitas estreias deste ano, poucas me impactaram tanto quanto The Haunting of Hill House; uma série de terror que é muito mais do que uma série de terror. Criada por Mike Flanagan, também responsável pela direção de boa parte dos episódios, a série é uma releitura da obra de mesmo nome de Shirley Jackson, mas ambas guardam muito mais diferenças do que semelhanças entre si, e essa liberdade é o que permite à série crescer de maneira independente, longe da sombra de sua irmã mais velha, criando algo novo em cima de algo já existente.

Mas The Haunting of Hill House não é tanto uma história de terror quanto é um drama familiar: dividindo-se entre passado a presente, a série mergulha nas angústias, traumas e sentimentos dos seis membros da família Crain, e é evidente que mesmo os fantasmas que insistem em assombrá-los não existem de maneira isolada, funcionando muito mais como metáforas para questões mais complexas do que como mera fantasia — o que não os tornam menos assustadores, mas comprovam sua capacidade em adquirir contornos infinitamente mais inquietantes. Não há dúvidas de que existe algo verdadeiramente maligno na Residência Hill e sua influência sobre as pessoas que habitam a casa são perceptíveis. Mas existe também muita angústia, medos e traumas, e esses continuam enraizados na vida de cada um dos membros da família mesmo depois de tantos anos. É preciso olhar nossos fantasmas de frente antes de exorcizá-los, sejam eles quais forem, sugere o roteiro da série para então fazê-lo, em toda a sua delicadeza e brilhantismo. A honra de acompanhar esse processo é toda nossa.

Para saber mais: The Haunting of Hill House: Toda história de fantasmas é uma história de amor

The Last Kingdom, (3ª temporada), Netflix/BBC Two

Por Thay

Baseada nas Crônicas Saxônicas escritas por Bernard Cornwell, The Last Kingdom acompanha a criação da Inglaterra, até então existente apenas na imaginação do Rei Alfredo (David Dawson), por meio da espada de Uhtred de Bebbanburg (Alexander Dreymon). Dividido entre sua herança saxônica e criação dinamarquesa, Uhtred se vê conectado à Alfredo e suas maquinações por meio de juramentos, e percebe que nada é o que parece ser. Nesse terceiro ano de The Last Kingdom, o primeiro com investimento da Netflix, a série consegue se sobressair às outras do gênero – principalmente Vikings, com quem é geralmente comparada – e entrega episódios coesos, um roteiro bem amarrado e atuações brilhantes de todo o elenco, com destaque para o moribundo Rei Alfredo de David Dawson.

Uhtred está mais dividido do que nunca entre saxões e dinamarqueses e Alexander Dreymon consegue passar as angústias do protagonista, seus momentos de luto e também de desespero, com facilidade. Em seu terceiro ano, The Last Kingdom também abre mais espaço para suas personagens femininas, principalmente Aethelflaed (Millie Brady) que se descola um pouco de sua persona dos livros e se transforma em uma lady que tanto empunha a espada quando se enfia no meio da guerra. Condensar dois livros enormes como Terra em Chamas e Morte dos Reis em dez episódios de uma hora não é tarefa fácil, mas em meio a paredes de escudos e cenas repletas de tensão, a terceira temporada de The Last Kingdom cumpriu o prometido e nos mostrou que, no final das contas, destino é tudo.

Para saber mais: The Last Kingdom e o que suas personagens femininas têm a nos dizer

The Sinner (2ª temporada), Netflix

Por

Na primeira temporada de The Sinner, temos uma personagem feminina que passa por traumas que a fazem se esquecer de uma parte do seu passado. Na segunda temporada, temos uma criança que comete um crime sem entender por que o fez. Antes, mulheres que sofreram abusos tentavam entender o que aconteceu em suas vidas num momento sem lembranças. Agora, vemos diferentes mulheres importantes na trama, de forma a nos fazer vislumbrar pequenos detalhes da narrativa, cada momento através dos olhos de alguma delas, mas novamente todas têm seus próprios traumas, muitos deles causados por abusos de homens. Muitas vezes próximos, outras vezes desconhecidos, mas sempre fazendo elas desacreditarem na sua própria versão da história.

Vale a pena assistir pela fotografia, pelo suspense, pela vontade de entender o que de fato aconteceu. Mas também vale a pena avisar que é um enredo um pouco obscuro e pesado. É uma produção que explora lados psicológicos femininos que mais uma vez comprovam que as mulheres não são frágeis, e sim sobreviventes.

Para saber mais: The Sinner e os sete pecados capitais

This Is Us (3ª temporada), NBC

Por Thay

This Is Us permanece em sua cruzada pessoal para nos fazer chorar: a série de Dan Fogelman continua nos mesmerizando com a história da família Pearson, tão humanos e críveis, nos emocionando episódio após episódio. Ainda se utilizando de cenas que intercalam presente e passado, a terceira temporada de This Is Us abre mais um leque de possibilidades para os Pearson enquanto entrega mais fragmentos de seus passados. A começar por Jack (Milo Ventimiglia) que, mesmo ausente, ainda tem uma leva de mistérios para serem revelados, inclusive relacionados ao seu irmão e ao período que passou servindo na guerra do Vietnã. Descobrimos, aos poucos, como essa parte da vida do patriarca da família permaneceu em segredo e por quais motivos Jack decidiu fazê-lo.

Em outras tramas, acompanhamos a jornada de Kate (Chrissy Metz) para engravidar, a investigação de Kevin (Justin Hartley) para descobrir o passado obscuro do pai, e Randall (Sterling K. Brown) entrando na política. Vemos como foi o primeiro encontro entre Jack e Rebecca (Mandy Moore), e como eles se tornaram o relationship goals de boa parte do público — ao lado de Randall e Beth (Susan Kelechi Watson), é claro. Todos os temas são tratados com a atenção e cuidado típicos de This Is Us, e, como de costume, nada é o que parece ser e em algum momento tudo convergirá para um plot twist espantoso.

Para saber mais: This Is Us e o Emmy: por que ver um drama familiar na disputa soa tão diferente em 2017This Is Us: amor como legado

Westworld (2ª temporada), HBO

Por Tany

Inicialmente, Westworld foi apresentada como a substituta de Game of Thrones pela HBO. Suas semelhanças param na grande escala de produção, nos diversos personagens e numa história diferente de tudo que está na televisão. Enquanto Game of Thrones vai direto ao seu coração, Westworld mira no seu cérebro. É sim uma série lenta, mas isso não a torna menos interessante, pelo contrário; a história construída na primeira temporada, em seu segundo ano, se torna muito maior. Mostra-se que existem diversos mundos dentro do mesmo universo, somos introduzidos a novos personagens e os antigos começam a se comportar de uma forma completamente diferente do que tínhamos conhecido até agora. Não demorou muito para que as supostas mocinhas indefesas/burras virassem personagens fortes, independentes, passando por cima de tudo e todos para atingirem seus objetivos.

Confesso que meu medo para uma nova temporada, depois do espetáculo da primeira, era real, mas tive minhas expectativas superadas e um mind-blow absurdo no último episódio. O que me resta é aguardar as respostas (será?) que irão vir com a terceira, espalhar a palavra de Westworld por aí e torcer para que notem uma das melhores estreias do ano.

Para saber mais: Westworld e a complexidade da existência humana


** O fundo da arte em destaque é de autoria da nossa colaboradora Carol Nazatto. Para conhecer melhor seu trabalho, clique aqui!

** A montagem da arte é de autoria da editora Ana Luíza. Para ver mais, clique aqui!