Categorias: MÚSICA

Troféu Valkirias de Melhores do Ano: Música

Muito se diz sobre a música ser combustível para a alma, e aqui no Valkiras acreditamos piamente nessa máxima. Para momentos em que precisamos relaxar ou nos motivar, curtir a fossa ou simplesmente cantar a plenos pulmões enquanto dirigimos para o trabalho (algo bem millennial de ser), a música nos acompanha e nos move. O ano de 2022, tão conturbado quanto poderia se esperar enquanto nascidas no Brasil, precisou de muita música para nos embalar, e o Troféu Valkirias de Melhores do Ano na categoria Música espelha exatamente essa necessidade de preencher os momentos com sons, versos e melodias que conversassem com a gente de alguma maneira. Na lista a seguir tem canção para espantar demônios, experimentação sobre futurismo e ancestralidade, e muito mais.

Antifragile, LE SSERAFIM

Por Julie Tsukada

“Do you think I’m fragile?” Só a poderosa intro “The Hydra” de ANTIFRAGILE, excelente segundo EP do LE SSERAFIM, é o suficiente para que o novo girlgroup não é uma promessa, mas já mostra toda sua força e talento agora, com menos de um ano de estreia. O single homônimo “Antifragile” surpreende com o reggaeton e vicia já de cara; “Impurities” é o R&B em sua melhor forma e definitivamente, uma das melhores b-sides do k-pop neste ano — quiçá, de toda a sua história. O pop punk de “No Celestial” evoca os hits da primeira década dos anos 2000 e “Good Parts (When The Quality is Bad but I Am)” reforça a mensagem do álbum de que nas nossas imperfeições, também existe beleza.

Born Pink, BLACKPINK

Por Isabela Reis

Depois de uma espera de dois anos, o BLACKPINK retornou com o álbum Born Pink em setembro de 2022. Com oito músicas — um ponto sensível para os fãs —, Jennie, Jisoo, Lisa e Rosé dão vida a um projeto cheio de experimentações, mas que ainda carrega a inegável identidade do grupo.

As canções navegam entre os sintetizadores dos anos 1980, o hip hop da década de 1990, os violinos de Niccolò Paganini, as cordas sombrias da música tradicional coreana, as guitarras de um rock suave e vocais com uma ousadia vista pela primeira vez, nunca deixando de destacar, em versos ácidos e mal-humorados, que o BLACKPINK está mais do que ciente da força que tem. Com Born Pink, o BLACKPINK se tornou o primeiro grupo feminino sul-coreano a vender mais de 2 milhões de álbuns, chegando ao topo da Billboard 200. Já os singles “Pink Venom” e “Shut Down” alcançaram a primeira posição do Spotify Global. Em turnê mundial, o grupo foi nomeado como Entertainer of the Year em 2022 pela revista TIME.

Para saber mais: Born Pink: os novos caminhos de um BLACKPINK grande e orgulhoso

Dance Fever, Florence and the Machine

Por Thay

Florence Welch nunca erra, e seu Dance Fever está aí para provar. Seu quinto álbum de estúdio, escrito e produzido durante a pandemia, conta as histórias e anseios de uma Florence tentando lidar com sua ansiedade, a incerteza do futuro e todas as pressões colocadas sobre os ombros das mulheres. As 14 canções presentes no álbum nos trazem de novo os elementos místicos tão característicos da arte de Florence Welch assim como o storytelling impecável e a potência vocal da cantora. As letras, as mais pessoais da carreira de Welch até então, se desenrolam em fábulas que mencionam um pouco de cada uma das eras da cantora até então.

Em Dance Fever temos espaço para a loucura e o caos dançante de Lungs, a produção grandiosa e repleta de metáforas místicas de Ceremonials, os ângulos sombrios e energia mágica de How Big, How Blue, How Beautiful, e as emoções à flor da pele de High As Hope. O resultado de toda essa mistura é um álbum coeso capaz de passear de temas como saúde mental e ansiedade, e questões que encontrarão moradia nas jovens mulheres que se sentem espectadoras das próprias vidas, lutando para fazer parte de um mundo que não está apto a recebê-las.

Para saber mais: Dance Fever: transformando demônios em melodias

Dirt Femme, Tove Lo

Por Julie Tsukada

É praticamente um fato que sempre podemos contar com Tove Lo para excelentes álbuns pop. Com Dirt Femme, não é diferente. O quinto trabalho da cantora, primeiro lançado de forma independente, explora diversos lados da sueca, desde os mais sensuais até os mais vulneráveis. O resultado é um dance pop primoroso com excelentes colaborações — o duo folk First Aid Kit, o rapper Channel Tres e o produtor SG Lewis.

De todos os temas do álbum, é inegável que o amor ganha destaque especial em diversas canções. Dentre essas, minha preferida é “True Romance”: absolutamente linda, visceral e com uma versão acústica divina para o programa We Speak Music, da MTV França.

Em Nome da Estrela, Xênia França

Por Ana Zevedo

Com a maioria de canções autorais, Xênia lançou seu segundo álbum de estúdio em junho desse ano. Em Nome da Estrela chegou com sofisticação e muito simbolismo, depois de cinco anos do primeiro disco da cantora baiana. Com um misto de futurismo e ancestralidade não só nas letras como na sonoridade, o álbum é difícil de categorizar. Xênia também não gosta de definir seu som. É música, é experimentação. Deu certo: aclamado pela crítica especializada e pelos amantes de música, Em Nome da Estrela é uma das grandes surpresas do ano. Mais um registro do tempo de isolamento, já que Xênia e seus companheiros produziram a maior parte do álbum durante a pandemia.

emails i can’t send, Sabrina Carpenter

Por Tati Alves

Entregando tudo e um pouco mais, Sabrina Carpenter lançou emails i can’t send como forma de traçar a própria narrativa após ser inserida em uma narrativa contra sua vontade. Como um convite que faz para que os fãs e ouvintes saberem mais sobre sua vida particular, o álbum se divide em músicas que se assemelham mais com seus álbuns anteriores com batidas pop e letras rápidas, e canções em que ela disseca mais sobre como traumas familiares afetam seus relacionamentos amorosos por meio de batidas mais lentas e melodias que parece que estamos conversando com Sabrina.

Fossora, Björk

Por Ana Azevedo

A islandesa que esteve no Brasil esse ano para o Primavera Sound lançou seu décimo álbum de estúdio em setembro. Em Fossora, o tema e conceito principal é o Reino Fungi. Björk não fala apenas de fungos em Fossora. Ela canta sobre maternidade, sobre ser filha e sobre a natureza singular de seu país — o clipe de Sorrowful Soil, por exemplo, foi gravado perto de um vulcão ativo na Islândia.

Quem conhece Björk sabe que ela gosta de experimentar. Fossora é um álbum de batidas fortes e canções melodramáticas, de technos cheio de clarinetes e eulogias à moda islandesa. Björk escreveu o álbum antes e durante a pandemia, durante e depois da morte de sua mãe. Tudo passou, e o que resta são os registros de Björk sobre esse tempo. Apesar de tudo, Fossora, que significa “aquela que cava”, não é um álbum sobre luto. Mais do que tudo, Fossora fala sobre como nossas raízes, mesmo que complexas e emaranhadas, são partes imprescindíveis para nossa vida.

Hold the Girl, Rina Sawayama

Por Isabela Reis

Após o incrível Sawayama, de 2020, que trouxe Rina Sawayama para o cenário mainstream, a cantora nipo-britânica lançou seu segundo álbum de estúdio, Hold The Girl, em setembro. As 13 faixas falam sobre diferentes aspectos de sua intérprete, cruzando temas de empoderamento, relações familiares e saúde mental, sempre com as letras profundas e o ritmo marcante que simboliza sua trajetória como artista. Todas as músicas são de uma qualidade difícil de negar, mas o destaque especial fica por conta da maravilhosa sequência de “Your Age”, “Imagining” e “Frankenstein”. Hold The Girl debutou em #3 da UK Albums Chart, a posição mais alta de um artista solo japonês na história do chart. No Metacritic, recebeu nota 84 e foi chamado de “o melhor álbum de pop britânico do ano” pela NME.

Para saber mais: Em Hold The Girl, Rina Sawayama se reconcilia com ela mesma

HOLY FVCK, Demi Lovato

Por Ana Luíza 

A trajetória de Demi Lovato contra a dependência química, distúrbios psicológicos e alimentares não é um tema novo em seu trabalho, mas, diferente de Dancing With the Devil, seu primeiro trabalho desde a overdose de 2018, HOLY FVCK possui uma abordagem muito mais feroz; onde Dancing With the Devil é iluminado, HOLY FVCK se permite ter raiva e reconhece que as coisas não se tornaram mais fáceis desde então — muito pelo contrário. Ao longo de 16 faixas, Demi evoca questões muitos pessoais em imagens tão potentes que quase se tornam palpáveis (“não quero terminar em um caixão, a cabeça cheia de larvas” é particularmente memorável, sem contar, claro, “29” que a essa altura dispensa comentários).

Sonoramente, é também um retorno às raízes pop punk de seus primeiros trabalhos, mas muito mais maduro liricamente, e o caos que resulta parece lhe servir muito bem. HOLY FVCK é um álbum de altos e baixos, como um coração que bate em um mostrador cardíaco, e ele é a prova de que Demi Lovato está mais viva do que nunca.

Para saber mais: Demi Lovato e a arte de recomeçar

Lady Leste, Gloria Groove

Por Rafaela Freitas

Apresentando diversos gêneros musicais, como funk, gospel, rap, pagode e outros, Lady Leste consolidou a ascensão da Gloria Groove no universo do pop nacional. Composto por 13 faixas, o álbum é um passeio pelas referências musicais e trajetória de vida da artista, entregando qualidade e coesão, além de um visual marcante nos clipes e em toda era. Presente na minha playlist durante todo ano, passei muito tempo faxinando a casa e cantando “Tua Indecisão”, pagodinho romântico que lembra os dos anos 2000; me sentindo uma bela gostosa com “Vermelho”; e berrando “Sobrevivi” depois de uma semana cansativa. É impossível escolher uma música favorita porque todas são incríveis.

MAGIC MAN, Jackson Wang

Por Thay

Correndo o risco de soar deslocada da realidade, comecei a prestar atenção em Jackson Wang quando pequenos vídeos de entrevistas concedidas por ele apareceram no meu TikTok. Para além da voz perfeita que ressoa profundamente mesmo enquanto fala, o que Jackson Wang dizia nessas entrevistas me fez prestar atenção na pessoa antes da música, e o achei muito pé no chão ao falar sobre a fama e como é difícil para se conectar com as pessoas — em parte, por sua agenda corrida de idol, visto que além da carreira solo ele também faz parte do Got7, mas também por não conseguir desenrolar conversas muito longas no mundo caótico em que vivemos.

E foi assim que cheguei em seu MAGIC MAN, álbum com dez canções lançado em setembro desse ano que reúne pop, rock e grunge de uma maneira que te faz querer dançar, gritar e se jogar no chão. Seu segundo álbum de estúdio estreou no número 5 da parada da Coreia do Sul, recebendo críticas positivas que avaliaram a experimentação vocal de Wang como algo a elevar seu potencial enquanto artista. Para a New Musical Express, Jackson Wang tira vantagem de sua misteriosa persona para abraçar esse potencial artístico e se transformar em um contador de histórias excepcional. Sendo assim, MAGIC MAN se apresenta como um novo capítulo da vida de Wang, mostrando crescimento tanto enquanto pessoa, quanto artista. Durante as dez canções, Wang navega pelo rock e pelo grunge com maestria, estilos que sua voz rouca abraça com paixão. Se não sabe por onde começar, ouça “Blow”, “Cruel” e “Blue” para ter um gostinho do que Jackson Wang pode te proporcionar se você deixar.

Midnights, Taylor Swift

Por Ana Luíza

Décimo álbum de estúdio de Taylor Swift, Midnights marca o retorno da cantora ao pop em 13 faixas (20, na versão 3 AM) que, de acordo com a própria Taylor, correspondem a diferentes noites passadas em claro ao longo de sua vida. É também o momento em que ela retorna à composições pessoais, depois de se aventurar por narrativas ficcionais em folklore e evermore, ambos lançados em 2020, e a regravação de Red (Taylor’s Version) em 2021.

A parceria de longa data com Jack Antonoff é mantida, assim como Aaron Dessner (este último, apenas em algumas faixas da versão 3 AM, mas que rendem algumas das melhores faixas do álbum, como “The Great War” e “Would’ve, Could’ve, Should’ve”) e William Bowery (que retorna em “Sweet Nothing”), mas nomes como Lana Del Rey e Zoë Kravitz também surgem entre as colaborações (a primeira, com uma participação na bela e melancólica “Snow on the Beach”; a segunda creditada como uma das compositoras de “Lavander Haze”). O resultado é um álbum que não pretende reinventar a roda, mas que se preocupa em criar uma estética nostálgica que vai desde a sonoridade até as imagens evocadas pelas canções. Como um passeio pelas diferentes fases da vida de Swift, Midnights de fato é uma reflexão sobre suas angústias, sonhos, relacionamentos e os monstros que a mantiveram acordada ao longo de seus 32 anos de vida — e, em consequência, aqueles que nos mantêm acordados também.

Motomami, Rosalía

Por Julie Tsukada

“Chica, ¿qué dices?” Rosalía precisou de apenas três palavras para grudar na nossa cabeça em 2022. Com SAOKO, a cantora espanhola inicia MOTOMAMI, seu terceiro álbum de estúdio. Fenomenal do início ao fim,  a cantora experimenta, mistura e brinca com diversos gêneros musicais sem medo ou desculpas pela ousadia. Os dois lados contrastantes do trabalho — “MOTO”, mais agressivo, e “MAMI”, mais íntimo e confessional – se complementam perfeitamente e nos apresentam as diversas facetas que existem em Rosalía e todas as mulheres.

Como se não bastasse, o MOTOMAMI +, versão deluxe do álbum, também traz ótimas adições. Impossível ignorar o hit “Despechá”, que te faz querer dançar quase instantaneamente, e a “La Kilié”, com sample do brasileiríssimo “Passinho do Volante” de MC Federado e os Leleks.

NewJeans, New Jeans

Por Julie Tsukada

Que estreia, meus amigos. Apesar de já ser aguardado há anos pelos fãs de k-pop, com a alcunha de grupo da Min Hee-Jin, a ex-diretora criativa da SM Entertainment, na HYBE, o NewJeans ainda conseguiu nos pegar de surpresa e superar todas as expectativas, que já eram altas. O primeiro EP do debut traz um merecido frescor ao k-pop e só nos deixa mais animados para os próximos lançamentos do grupo.

“Attention”, primeiro single do grupo, é competente no que se propõe: ganhar nossa atenção já nas primeiras notas. O MV gravado na Espanha nos dá vontade de ser uma adolescente despreocupada de novo. “Hype Boy” é fantástica e genial com as quatro histórias paralelas, apresentadas em MVs diferentes, e “Hurt” tem a doçura e a ingenuidade de um primeiro amor. O porém fica para “Cookie”, que apesar da excelente produção musical, definitivamente erra na letra.

Preacher’s Daughter, Ethel Cain

Por Thay

Não me recordo em que momento Ethel Cain caiu em meu radar, mas Preacher’s Daughter se tornou recorrente entre os álbuns que ouvi no decorrer do ano. Suas melodias exalam uma melancolia que casam perfeitamente com a voz suave de Ethel, preenchendo os espaços com seus versos sobre uma vida mais longa do que deveria ser com seus vinte e poucos anos de idade. Ethel Cain — pseudônimo de Hayden Silas Anhedönia —, nasceu em uma comunidade batista de Perry, no interior da Flórida, Estados Unidos, filha de um pastor e a mais velha de quatro irmãos, a artista iniciou seus estudos em piano clássico aos oito anos de idade, enveredando pelo caminho da música para nunca mais voltar.

Preacher’s Daughter é um álbum repleto de suas experiências enquanto uma jovem queer em uma comunidade religiosa e, mais tarde, uma mulher trans em um mundo que não a aceitava verdadeiramente. Com uma estética marcada pelo gótico do sul dos Estados Unidos, grande melancolia e filmes de terror, Ethel Cain é quase como uma bruxa mística nascida da união de Florence Welch e Lana Del Rey. Cantando sobre sua vida complicada, deslocada de seus pares e sem conseguir atender as expectativas de uma juventude desprivilegiada e perdida no “american dream”, sem saber se conseguirá alcançar algum desses sonhos prometidos, Ethel Cain é um sopro sombrio e melancólico que evoca imagens de solidão, tristeza e abatimento em cores sépia, mostrando que o idealizado nem sempre é tão fácil de conquistar. “American Teenager” e “A House In Nebraska” são, sem dúvidas, as canções que você precisa conhecer para começar a entender um pouco do mundo criado por Ethel Cain.

Para saber mais: A melancolia de Ethel Cain em Preacher’s Daughter

Renaissance, Beyoncé

Por Thay

Um Melhores do Ano sem Beyoncé, não é um Melhores do Ano. O sétimo álbum de estúdio de Beyoncé chegou no em julho desse ano para nos entregar muito conteúdo, músicas dançantes e mensagens que só a rainha de todos nós é capaz de fazer. Renaissance é o primeiro lançamento solo de Bey desde o seu incrível Lemonade, de 2016, e funciona como a primeira parte de uma trilogia ainda em desenvolvimento. Ainda que a artista tenha lançado um filme, Black is King (2020), tenha colaborado com Jay-Z em Everything Is Love (2018) e produzido a trilha sonora do live-action de O Rei Leão (2019), ainda é importante ouvir Beyoncé por Beyoncé.

Com dezesseis faixas, Renaissance é, de acordo com a própria Beyoncé, “lugar seguro, um lugar sem julgamento… um lugar para estar livre de perfeccionismo e pensamento excessivo.” O álbum é sobre imaginar, sonhar acordado, mas também sobre dançar e pensar em todos os lugares em que você gostaria de ir — principalmente quando pensamos no contexto em que nasceu boa parte do álbum, a pandemia. Renaissance é sobre dançar, mas também é sobre a importância e a influência da cultura negra. É sobre força e liberdade feminina, e também sobre superação e amor próprio. “I’m that girl”, “Alien Superstar”, “Cuff It” e “Break My Soul” são indispensáveis, mas Renaissance funciona maravilhosamente com um storytelling de início ao fim.

Para saber mais: Homecoming: Beyoncé e o surgimento de um novo cânone; Por que Lemonade é um álbum tão importante?

Superache, Conan Gray

Por Tati Alves

Em seu segundo álbum, Conan Gray segue sendo o reizinho da sofrência da nova geração. Nas letras de Superache, o cantor disseca ainda mais sentimentos sobre relacionamentos que ele mesmo confessa nunca ter vivido, mas ainda sim consegue arrancar todas as lágrimas e gritos de raiva de quem ouve as músicas em posição fetal. Não sei explicar porque esse é um dos melhores do ano sem enfatizar sobre esse sentimento de falsa nostalgia e escapismo da realidade em tempos que o que precisamos é apenas gritar em plenos pulmões letras como “Memories” e “Movies”.

Surrender, Maggie Rogers

Por Julie Tsukada

Rendição, entrega e renúncia. Todas essas são traduções possíveis no português para a palavra inglesas surrender. Mas a ideia se render a algo envolve, necessariamente, passividade? Não para Maggie Rogers. Em Surrender, seu segundo álbum de estúdio, a cantora estadunidense nos convida, juntamente a ela, a nos entregar e viver intensamente os nossos sentimentos sem culpa.

Desejos, paixões, alegria, tristeza, raiva, medo — todas essas emoções têm espaço em Surrender e ganham ainda mais força e intensidade com a voz e interpretação de Maggie O rock alternativo à la anos 1990 e início dos anos 2000 é delicioso, nostálgico e uma grata surpresa em comparação aos outros trabalhos da cantora, como o indie pop do álbum Heard it in a past life, e o folk-rock de suas primeiras gravações, compiladas em Notes from the Archive: Recordings 2011–2016.

The Loneliest Time, Carly Rae Jepsen

Por Yuu

No começo de agosto, Carly Rae Jepsen anunciou a data de lançamento de seu novo álbum, The Loneliest Time, com as seguintes palavras: “Estou bastante fascinada pela solidão. Pode ser realmente bonita quando você vira e olha para ela. Assim como o amor, pode causar extremas reações humanas.” Escrito durante a pandemia, o álbum tem por essência um conceito intimista; é o produto de um período sensível, e apresenta músicas que relatam o contato com sentimentos isoladores de uma maneira bastante particular. Os anos que passamos em confinamento, distantes de lugares, pessoas, e experiências, surtiram um efeito duplo sobre a nossa percepção da vida: ou endurecemos demais, ou nos tornamos vulneráveis demais. De todo modo, sem autorreflexão e amadurecimento, ficar a mercê de sentimentos crus pode nos moldar numa versão obscura e traumática, mas não é essa a identidade artística da cantora.

Nesse trabalho, Carly continua fazendo o que sempre fez ao longo de sua carreira: ela se apropria de sentimentos amargos e transforma-os em canções agridoces que nos fazem dançar sem sentir um pingo de dor e ardência. Toda crítica ao seu trabalho — da especializada à popular — define a cantora como subestimada com uma compreensível frustração, mas seu nicho fiel não falha em lhe dar crédito e reconhecimento e isso a sustenta como uma das artistas mais talentosas e autênticas que temos hoje na música pop. Por mais um lançamento, Carly está segura. Embora The Loneliest Time tenha sido ofuscado por Midnights, de Taylor Swift, lançado na mesma data, ele não é de forma alguma inferior ao último. Pelo contrário, quem tem o pop como gênero favorito pode até preferir o álbum da Carly em detrimento ao da Taylor pela consistência da sonoridade da discografia da primeira, que brinca com o synth-pop e se inspira na música das décadas anteriores.

The Loneliest Time é um álbum mais tranquilo em relação aos anteriores, mais maduro. Pode não agradar de primeira quem espera mais energia vibrando das músicas, mas à medida que é repetido, ele ganha um espaço maior. “Western Wind”, single carro-chefe, fala sobre conexão, enquanto “Talking to Yourself” é a batida dançante que a gente sempre espera de um álbum da Carly, e representa a autovalorização após um término. “Beach House” traz o sarcasmo de uma mulher que está cansada da dinâmica de se relacionar na era digital deste século; é aquela faixa para curtir entre amigas que ela sempre oferece. Mas é “The Loneliest Time” que se destaca entre os quatro singles. Dueto com Rufus Wainwright, um dos ídolos de Carly, a música tem uma batida disco e fala sobre reatar um caso amoroso mal terminado naquele momento de nostalgia e solidão.

Um elemento digno de ser notado no álbum, é o quanto Carly flerta com o romanticismo dos astros. Não é de hoje que ela escreve sobre a lua e das estrelas nas suas letras, mas neste álbum a influência está particularmente mais evidenciado. Os últimos versos de “Joshua Tree” e “Shooting Star” se destacam: “I’m feeling dramatic/ I like the moon and the magic of this” e “Somebody told me there’s a full moon/ If I play the right tune, would you give me all you, baby?” O anseio se aflora à noite, e talvez seja impressão, mas a madrugada é a hora do dia que atravessa as nossas camadas e nos deixam transparentes, com sentimentos mais íntimos à mostra. A lua é testemunha, e a experiência é coletiva, porque não deve ser mera coincidência o Midnights trazer os mesmos elementos. Assim, o dia 21 de outubro trouxe grandes adições para o mundo da música. Mais à sombra, Carly Rae Jepsen, mais uma vez, contribuiu com um dos melhores álbuns de 2022.

Para saber mais: Carly Rae Jepsen: quando os sentimentos são os únicos fatos.