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Em Hold The Girl, Rina Sawayama se reconcilia com ela mesma

Hold The Girl, segundo disco de estúdio da cantora nipo-britânica Rina Sawayama, está entre os lançamentos mais aguardados de 2022. Afinal, após SAWAYAMA (2020), seu álbum de estreia aclamadíssimo pelos fãs e pela crítica, todas nós ficamos curiosas para ver, e principalmente ouvir, o que a artista teria para entregar. E, com mais um trabalho dinâmico e consistente, Rina tem se consolidado como uma das principais vozes do pop internacional.

Quem acompanha o trabalho de Rina Sawayama sabe que, desde seus primeiros singles, a saúde mental é um tema recorrente em sua obra. A artista estudou sociologia e psicologia na universidade, e é graduada em Cambridge, com diploma em Ciências Políticas. Assim, desde o seu primeiro EP (RINA, 2017), as questões psicológicas e sociais são abordadas em suas letras. Nos seus singles iniciais, como Cyber Stockholm Syndrome”, Rina canta sobre como a nossa saúde mental pode ser afetada em um mundo hiperconectado. As canções falam da nossa relação com as redes sociais, e a constante necessidade de validação on-line.  

Em seguida, tivemos o lançamento de SAWAYAMA (2020), no qual, a partir de uma mistura inovadora de ritmos, Rina canta sobre identidade, não-pertencimento enquanto pessoa asiática imigrante, e os excessos do capitalismo. Intitulado com o seu sobrenome japonês, o álbum fala justamente sobre as suas origens, as expectativas familiares e as suas experiências ao viver entre duas culturas.

Essa trajetória nos leva a Hold The Girl, segundo álbum de estúdio de Rina, escrito e produzido durante a pandemia. No período de isolamento social, a cantora se voltou para si. O resultado é uma obra que mistura ritmos nostálgicos do pop 2000, e que fala, sobretudo, sobre reconciliação, tanto com familiares, quanto consigo mesma. Apesar de menos combativo do que SAWAYAMA, Hold The Girl também aborda as questões de identidade racial e como a saúde mental de jovens imigrantes, racializados, e/ou LBTQIA+ pode ser afetada por conta da religiosidade cristã, do conservadorismo e das expectativas inatingíveis.

A primeira faixa do álbum, Minor Feelings”, é inspirada em um livro de mesmo título, da autora estadunidense Cathy Park Hong, filha de  imigrantes coreanos. A obra de Hong fala sobre a experiência asiático-americana e passa por diversos aspectos, desde a noção de racialização até as questões de saúde mental dessa população específica. E, assim como o livro de Hong, “Minor Feelings” de Rina  introduz o tom de Hold The Girl e aborda a questão do não-pertencimento e as microagressões que muitos imigrantes sofrem, mas precisam guardar para si mesmos. Na faixa, Rina canta que “por toda a vida, ela se sentiu deslocada, mas continuou mantendo a pose. E, agora, todos esses sentimentos voltaram para quebrá-la”.

“All my life, I’ve felt out of place
All my life, I’ve been saving face
Well, all these minor feelings
Are majorly breaking me down”

Se sentir deslocada e querer guardar tudo para si são sensações universais. Porém, é preciso reconhecer que grupos minoritários tendem a experienciar esses sentimentos mais frequentemente por conta de pressões familiares, culturais e da própria sociedade. De acordo com dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças, a principal causa de morte entre jovens asiático-americanos entre 15 e 24 anos, é o suicídio. Além disso, se trata do grupo racial que menos procura ajuda quando estão sofrendo com algum problema de saúde mental. Na faixa que abre o disco, a partir de uma melodia focada nos vocais dramáticos, Rina coloca essa questão em perspectiva: muitas pessoas como ela também sofrem microagressões durante a vida toda, e vão guardando  esses sentimentos até chegar em um ponto de completo esgotamento emocional.

Em seguida, temos a faixa que dá título ao álbum: “Hold The Girl”. A canção já abre com o chorus, falando sobre se voltar para dentro e “segurar a garota”. A letra poética pode ser interpretada como uma forma de se conectar consigo mesma. É mais ou menos aquela história de nos tornarmos os adultos que precisávamos quando éramos crianças. E Rina deixa claro que o processo de reconciliação e encontrar quem você é, nem sempre é fácil. Também diz muito sobre corresponder às expectativas internalizadas, respeitar os próprios limites e conseguir se perdoar.

“Sometimes I get down with guilt
For the promises I’ve broken to my younger self”

“Às vezes me sinto cheia de culpa
Pelas promessas que quebrei para minha eu mais jovem”

A penúltima faixa do álbum, Phantom”, também retoma esse sentimento de reconciliação consigo mesma. Com um ritmo pop que lembra tanto as composições de Kelly Clarkson quanto o álbum Let Go, de Avril Lavigne, Rina compõe uma espécie de  carta destinada ao fantasma dela mesma mais jovem, se desculpando pelas altas expectativas internalizadas, mas também se perdoando pelo que não conseguiu realizar. A artista tenta tranquilizar a sua criança interior, dizendo que ela não precisa se preocupar em agradar a todos, pois ela é mais do que suficiente.

“How do you hold a ghost?
Inner child, come back to me
I wanna tell you that I’m sorry, I’m sorry”

“Como você abraça um fantasma?
Criança interior, volte para mim
Quero dizer que eu sinto muito.”

A terceira faixa do álbum é o single This Hell”. A melodia dançante, que mistura pop, rock e country,  se inspira nos sucessos de Shania Twain e na estética caubói. Assim como o videoclipe de “MONTERO (Call Me By Your Name)”, de Lil Nas X, a música é como uma resposta aos religiosos conservadores que afirmam que os jovens LGBTQIA+ vão para o inferno. Além disso, a canção critica os paparazzi e a  superexposição midiática, responsáveis por arruinar a imagem de celebridades como Princesa Diana, Britney Spears e Whitney Houston.

“Fuck what they did to Britney, Lady Di and Whitney. “

Além de This Hell”,  o álbum conta com outras canções dançantes e frenéticas como “Imagining”, “Frankenstein”, “Hurricanes” e “Your Age”. A partir um ritmo hyperpop que mistura referências dos anos 2000 e batidas distorcidas, Rina aborda questões psicológicas, como a sobrecarga mental com o excesso de informações, o impacto dos  relacionamentos tóxicos, além do conceito de monstruosidade e querer ser mais que um costurado de traumas.

 Já Catch me In The Air” é uma forma de reconciliação com a sua mãe, que a criou sozinha e com quem Rina mencionou que teve diversos atritos, principalmente durante sua adolescência. No seu primeiro álbum, nas faixas “Dinasty” e “Akasaka Sad”, Rina canta sobre não conseguir atingir as expectativas familiares e como a dor que ela sente é hereditária. Já em “Hold The Girl”, temos praticamente o oposto: a artista entende os esforços que a sua mãe fez para criá-la e está contente que, de alguma forma, elas conseguiram salvar uma a outra.

Em 2020, Rina Sawayama, que se identifica como pansexual, assinou uma carta aberta enviada ao parlamento britânico pedindo o fim da Terapia de Conversão, e em “Holy (til you let me go)”, a cantora fala sobre como a religião pode ser usada por grupos conservadores para oprimir pessoas racializadas e/ou LGBTQIA+,  e o impacto que a chamada culpa cristã tem na saúde mental desses grupos vulneráveis. 

“Found my peace when I lost my religion
All these years I wished I was different”

“Encontrei minha paz quando perdi a religião
Todos esses anos eu desejei ser diferente.”

“Send My Love To John”, faixa 11 de Hold The Girl, é uma balada pop-country menos acelerada, com acordes de violão à la Kacey Musgraves. A música é contada a partir da perspectiva de uma mãe imigrante pedindo desculpas ao seu filho queer por não tê-lo aceitado quando ele mais precisava, devido às suas crenças religiosas e tradicionais. Mas, que, apesar dos seus arrependimentos, ela só deseja o amor e o melhor para ele. 

“Saw the way the kids treated you every day at school
I should’ve blamed them, but instead I hid behind the Bible’s rules”

“Eu vi o jeito que as crianças te tratavam todo dia na escola
Deveria ter as culpado, mas me escondi atrás da regras da Bíblia”

Se Hold The Girl começa falando sobre guardar as emoções até elas te consumirem, ele termina em um tom otimista, com To Be Alive”. Na faixa, que mostra toda a potência vocal de Rina Sawayama, a artista canta sobre se sentir viva pela primeira vez. Mesmo que ela tenha passado por momentos de insegurança e esgotamento emocional, agora ela sabe como é se sentir mais viva do que nunca. E nada melhor do que terminar o álbum com a repetição da frase:

“Flowers still look pretty when they’re dying”

“As flores ainda são lindas, mesmo quando estão morrendo”

Ouvir Hold The Girl é quase como uma sessão de terapia, na qual a gente chora, mas se perdoa e vai cicatrizando com o tempo. E o mais importante: conseguimos nos reconciliar com nós mesmas. Tudo isso com um pop de excelência, porque se encontrar também pode ser divertido.