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Rare: a jornada entre o coração partido e o reencontro da individualidade

O momento de um coração partido, apesar de clichê e de todos passarem por isso, é delicado e determinante na vida de qualquer pessoa. É justo nesse momento em que mais queremos nos identificar, ouvir conselhos, xingar, gritar, chorar e saber que vai ficar tudo bem. Ao trazer tudo isso de uma forma pessoal, o álbum Rare, de Selena Gomez, se torna um bom aliado, conselheiro e até guia.

Outro detalhe faz o álbum ainda mais especial: lançado pouco antes da pandemia, foi bem-vindo em um momento de isolamento e solidão, em que todos buscavam tranquilidade e conforto. Entre baladas e músicas dançantes está tudo ali: um relacionamento ruim, coração partido, reencontro pessoal, superação e diversão. As nuances são envoltas de dúvidas e vulnerabilidade, mas também de ironia, amor próprio e força. Pensando nisso, revisitei Rare e todos os sentimentos que ele carrega para falar sobre esse tema tão comum e ainda tão relevante: o coração partido e a vida depois dele.

“And I might as well just tell you while I’m drunk”

“E eu posso muito bem te dizer enquanto estou bêbada”

Já na primeira música, que dá título ao álbum, Selena Gomez questiona um relacionamento em que não é valorizada. Todos os sentimentos caóticos estão aqui, relembrando as fases boas, mas também todas as situações humilhantes. Não é exagero dizer que a letra coloca o dedo na ferida. Ainda assim, “Rare” é leve, positiva e engraçada. Isso sem falar no reconhecimento de sua própria singularidade e importância.

“Baby
Don’t make me count up
All the reasons to stay with you
No reason”

[“Amor
Não me faça contar
Todas as razões para continuar com você
Não há razões”]

Começando já em “Rare”, uma parte significativa do álbum é dedicada à libertação, reencontro consigo mesma e descobertas. Talvez a música que melhor representa esse sentimento é “Dance Again”: a letra é um convite para dançar, se divertir sozinha e se deixar levar. Seguindo nessas temáticas, “Look At Her Now” faz um belo relato da montanha russa que é um relacionamento. Sem medo de admitir que as lágrimas demoraram anos para sumir, os arrependimentos e os próprios erros, a música também é um retrato do amadurecimento. Aqui, mais uma vez, Gomez decreta que pode encontrar o amor novamente — se quiser, claro.

Se “Look At Her Now” é uma montanha-russa, “Lose You To Love” é como caminhar por um pântano, mas conseguir escapar dele. Afinal, é fácil se perder em um relacionamento e artista sabe disso, mas também o que foi necessário para superar e se encontrar. Perder e odiar são coisas bem diferentes, mas no fundo fazem parte do mesmo processo de luto que norteia o fim de um relacionamento. Afinal, terminar com alguém é reconhecer e aceitar que aquela pessoa não existe mais na sua vida. “Lose You To Love Me” toca exatamente nesse ponto: aceita, fecha o capítulo e dá adeus.

rare

Seguir em frente também faz parte da vida após um término e Rare não deixa esse assunto para trás. Em “Ring” está a parte divertida de conhecer pessoas e reconhecer seu próprio valor. Já “Fun” traz aquela sensação boa de conhecer alguém que não é o amor da sua vida, mas ainda é bom e vale a pena. Nesta música, Selena brinca com saúde mental, mais uma vez quebrando esse tabu e se divertindo com ele. Se essas duas músicas trazem a parte divertida da vida de solteira, “Kinda Crazy” traz a parte inconveniente, quando não abusiva, de conhecer alguém que não é saudável.

“Vulnerable” sintetiza um dos principais sentimentos que vem com um coração partido. Para mim a letra pode ter dois significados: se abrir para um novo relacionamento ou retornar para o antigo. De qualquer maneira, todas as dúvidas, medos e receios estão ali. A todo o momento, a música questiona se vale a pena se entregar novamente, lembrando todas as outras vezes em que isso deu errado. Aceitar a vulnerabilidade e a fraqueza fazem parte de estar bem sozinha, mas também são necessárias em um relacionamento saudável.

“If I show you all my demons
And we dive into the deep end
Would we crash and burn like every time before?”

[“Se eu te mostrasse todos os meus demônios
E mergulhássemos no fundo
Nós bateríamos e queimaríamos como todas as vezes antes?”]

Retornando aos sentimentos presentes na primeira música, “People You Know” lamenta a distância, a perda da pessoa que você costumava conhecer e o tempo perdido ao não saber reconhecer o fim. Com tanta coisa acontecendo e tantos sentimentos ruins, é fácil se deixar levar pela negatividade. “Let Me Get Me” recusa isso e reafirma a libertação por meio da dança e amizade. “Crowded Room “é a música mais sexy do álbum, trazendo os famosos sussurros de Selena. Mas, apesar do romance, a bagagem do passado ainda está ali. “Eu estava com medo, mas você me deixou segura”. Encontrar segurança e conforto talvez sejam a parte mais importante e difícil de seguir em frente.

Voltando a falar do fim, “Cut You Off” é um desabafo que mistura raiva e arrependimento, mas também lembra a leveza de estar livre. A música admite todo o mal que um relacionamento ruim causou, percebendo que a relação não era amor e todo o mal que fez à sua confiança e saúde. Essa talvez seja uma das partes mais difíceis da superação. Nossa mente tende a enganar e ocultar o lado negativo. “Cut You Off” é uma boa lembrança de que não é bem assim e ainda questiona: “como pude confundir aquela merda com amor?” No fim, a letra ainda lembra que há lugares para ir e possibilidades infinitas.

Pensando em lugares para ir, em “A Sweeter Place” está a procura por tranquilidade, romance e um tipo diferente de liberdade daquela do início do álbum. Aqui vem a liberdade de estar em paz consigo mesma e ser quem é, sem medo e preocupações.

rare

“And now the chapter is closed and done”

“E agora o capítulo está encerrado e feito”

No conjunto da obra, Rare é um álbum poderoso. Não em sua sonoridade, que mistura batidas e baladas com suavidade, mas na jornada de reconhecer o ponto final, sofrer e seguir em frente, com todas as marcas desse processo. É quase uma terapia para quem escuta com atenção e se envolve nas músicas. Rare avalia os altos e baixos, as alegrias e as dores, e por fim encontra na individualidade a resposta para o futuro. Isso não quer dizer que esse futuro deva ser solitário. O álbum explora um futuro de incertezas, mas também livre e cheio de possibilidades. Além do clichê de que é preciso estar bem sozinha para seguir em frente, traz a vulnerabilidade desse processo e busca por algo que também seja saudável e seguro. Isso sem ignorar que também é bom se divertir no caminho.

Em meio a uma infinidade de músicas sobre corações partidos, Rare se destaca pela honestidade, profundidade e coragem. É um retrato de diversos sentimentos, que permitem ao ouvinte se relacionar com eles, independentemente de sua própria história . Apesar do aspecto romântico que norteia o álbum, é na individualidade que Rare se concentra e brilha.

“Boyfriend” (extra)

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A edição Deluxe do álbum traz mais músicas que seguem abordando os sentimentos de Rare, mas não pretendo me estender em todas elas, até porque considero o álbum original completo. Porém, preciso fazer um destaque para “Boyfriend”. Apesar de não ser a preferida de muitos, nela Selena sabe exatamente o que quer, mas também consegue diferenciar daquilo que realmente precisa. Apesar de parecer uma ideia e letra simples, já senti e percebi mais de uma vez em mulheres o medo de não serem feministas o suficiente por querer estarem com alguém. Já sofremos cobranças o suficiente e precisamos saber que está tudo bem em às vezes não querer estar sozinha. “Boyfriend” traduz com exatidão esse sentimento e deixa claro que não tem nada de antifeminista nisso.