Em junho de 2019, em uma live no Instagram, Rosé, do BLACKPINK, ao ser questionada sobre quando seu projeto solo chegaria, respondeu: “Esperem por mim, por favor. Por favor, confiem em mim. Confiem em mim, ok? Aguentem firme. Estamos chegando lá”. A primeira integrante a lançar um projeto sem o resto do grupo foi Jennie, com sua música “Solo”, em novembro de 2018. Desde então, Rosé foi sempre abordada pelos fãs sobre quando seria sua vez, já que a própria YG Entertainment, empresa que as gerencia, afirmou que ela seria a próxima em breve. É difícil saber o conceito compreendido de brevidade, mas isso tampouco importa agora. O momento finalmente chegou.
No dia 9 de março de 2021, o tracklist do projeto foi divulgado: um single album com duas músicas e seus respectivos instrumentais. Embora os fãs tenham ficado eufóricos por terem informações que concretizavam a chegada de algo tão aguardado — tanto pelo público como pela própria Rosé —, foi inevitável não sentir uma pontada de decepção. Por que a vocalista principal do grupo feminino mais famoso da atualidade — e definitivamente o mais rentável da YG, de modo geral —, não tem mais músicas em seu tão antecipado solo? E por que os artistas masculinos da casa — como Bobby, do iKon, com “Love and Fall” e “Lucky Man” ou Mino, do WINNER, com “XX” e “Take”, entre outros — conseguem lançar full albums em seus trabalhos independentes? É também importante destacar que, embora Jennie tenha sido a primeira integrante do BLACKPINK a atuar como solista, ela só teve uma única música.
De qualquer maneira, a quantidade de músicas no álbum, intitulado simplesmente como “R”, não impediu Rosé de quebrar recordes logo na pré-venda. Em apenas quatro dias, cerca de 400 mil cópias foram vendidas, o maior número conquistado por uma artista feminina de K-pop na história. Até o momento que este texto foi escrito, em 14 de março, apenas no site Ktown4u, pouco mais de 262 mil cópias físicas foram encomendadas — isso sem contar as versões de LP e kit album —, provando a espera por esse momento e a força não apenas de Rosé, mas também do BLACKPINK.
Todas as integrantes do grupo têm suas características e talentos particulares que tornam o BLACKPINK o fenômeno que é hoje, mas talvez Rosé seja a mais associada quando o assunto é musicalidade. Em várias entrevistas, Jennie, Jisoo e Lisa citam Rosé como “a garota australiana que chegou no prédio da YG com um violão pendurado no ombro”. Até mesmo em seus trabalhos publicitários, muitas vezes há referências à música. No documentário BLACKPINK: Light Up The Sky, em sua introdução, Rosé aparece em um estúdio meio iluminado, sentada no chão enquanto canta e toca “Hope Not”. “Tenho muita dificuldade em pegar no sono. Eu tenho muitos pensamentos correndo pela minha cabeça, e cantar é como alívio de estresse. Tudo faz sentido quando estou fazendo isso”, ela diz na cena.
“Gone”
A música “Gone”, embora não seja a principal do álbum, foi a primeira a ser divulgada. No dia 25 de janeiro, uma prévia foi lançada no YouTube, mostrando Rosé em cenas carregadas de emoção enquanto as cordas de uma guitarra e sua voz melódica soam ao fundo. “All my love is gone, now you’re dead and gone”, é o verso do teaser de 33 segundos — que já conta com mais de 50 milhões de visualizações.
“Gone” foi estrategicamente usado como uma espécie de isca para o “The Show”, o concerto on-line que o BLACKPINK fez no dia 31 de janeiro de 2021. Para assistir à apresentação, os fãs deveriam comprar ingressos, então a divulgação se focou em peso em como Rosé cantaria sua música solo pela primeira vez. Funcionou — cerca de 280 mil pessoas assistiram à livestream. Metade do clipe foi mostrado, e a outra metade da performance Rosé cantou ao vivo em um palco iluminado, apenas ela sentada em um balanço, seu guitarrista e outro balanço vazio ao seu lado, em referência ao interesse amoroso que a abandonou.
Diferente do estilo habitual do BLACKPINK, a canção é lenta e tem um arranjo simples, mas não menos poderoso. As músicas do grupo têm, geralmente, produções elaboradas com batidas dançantes e drops marcantes, enquanto “Gone” se sustenta com os acordes limpos de guitarra e a voz potente de Rosé, que adota notas mais graves do que costuma fazer. É uma clássica letra de desilusão romântica, contando a história em que uma parte do relacionamento ama mais do que a outra — e que agora já está com outra pessoa, enquanto Rosé continua sofrendo com o término.
Outra história triste e verdadeira
Eu consigo sentir a dor, você consegue?
Você tinha que ser quem iria me desapontar
E me entristecer
Odeio ver você com alguém novo
Eu vou amaldiçoar ela e você
Agora não tem mais volta, você morreu e se foi
Meu amor se foi também
Esta é a chance de ver Rosé em seu elemento. Melodias suaves e letras emotivas parecem muito corretas em sua voz, que carrega os versos em melancolia, mas também em uma delicada ferocidade que só uma artista de coração partido pode expressar.
Por mais que “Gone” esteja no álbum, o clipe não foi lançado oficialmente e apenas as pessoas que compraram ingresso para o “The Show” puderam assisti-lo. Provavelmente, esta continuará sendo uma exclusividade apenas para a audiência da livestream, mas seria muito positivo se o vídeo fosse disponibilizado no YouTube, ainda mais considerando os resultados em alta do álbum solo de Rosé nas paradas musicais de todo o mundo desde o lançamento, em 12 de março.
“On The Ground”
Em outra cena de BLACKPINK: Light Up The Sky, Teddy, o produtor por trás dos sucessos do grupo desde o início, conta como Rosé tem várias histórias para mostrar ao mundo, mas que é tímida em relação a isso. “É muito pessoal para ela, como um diário”. Muito além de uma voz bonita e boa presença de palco, o respeito e o amor pela música são muito evidentes em Rosé. E isso é tão forte que ela até mesmo se sentiu acuada em compor suas próprias letras. “Quando estou sozinha no meu quarto, penso: ‘será que eu deveria tentar escrever alguma coisa?’ Acho que fico mais intimidada assim, porque sou só eu. Não sei se minhas opiniões estão certas e isso me assusta. Eu sou o que mais me assusta”, ela conta em depoimento no filme.
Apenas Rosé pode dizer se esse medo foi superado completamente, mas ela certamente não se prende mais a isso, já que é creditada como uma das compositoras das duas músicas do R. Enquanto “Gone” é uma canção de amor, o single “On The Ground” é sobre Rosé e seus sentimentos em relação ao estrelato astronômico que alcançou tão jovem e em tão pouco tempo de carreira oficial. “A música é sobre procurar por respostas para um propósito na vida. […] Às vezes, quando você está indo tão bem, se esquece de cuidar do que mais importa, então é uma canção que diz que tudo o que precisamos já está dentro de nós. Não há necessidade de sair procurando”, ela contou em entrevista ao Released, programa original do YouTube sobre artistas que estão prestes a lançar novos projetos.
“On The Ground” é mais agitada que “Gone”, mas não chega ao nível tão dançante de várias músicas do BLACKPINK. Começa de maneira mais leve, com a voz de Rosé e a melodia de guitarra e violão como acompanhamento, mas há um drop logo após o refrão, uma batida intensa que, junto à letra da música e a cena do clipe — Rosé correndo descalça na frente de uma explosão, usando uma roupa de penas brancas e brilhantes, dançando com movimentos fluidos e livres —, soa como libertação.
Nos vídeos do BLACKPINK, Rosé aparece confrontando a si mesma mais de uma vez. Em “DDU-DU DDU-DU”, sua versão mundana contempla a versão em estilo deusa em um pedestal, usando um vestido esvoaçante e uma coroa na cabeça. Em “Kill This Love”, ela foge em uma estrada escura de um carro dirigido por ela mesma. Em “On The Ground”, Rosé se encontra com Roseanne — seu nome verdadeiro —, a jovem garota apaixonada por música que sempre sonhou em ter exatamente o que ela tem agora. E por mais que seus sonhos tenham sido conquistados, as coisas não são tão perfeitas como seu eu do passado imaginava que seriam. No clipe, ela anda sozinha por ruas desertas. Há fogo e caos. Na cena em que está em uma limusine, usa joias e roupas caras, mas não aparenta estar feliz. Com o trabalho de câmera fazendo tudo parecer confuso e incômodo, Rosé se encolhe no banco e olha de maneira pesarosa pela janela. “É engraçado que quando você quer, de repente você tem / E descobre que o seu ouro é só plástico”, é o que diz o primeiro verso.
Quando ela volta à sua casa de infância e se encontra com Roseanne — feliz, em paz —, Rosé percebe que acabou deixando aquela menina de lado. “Cada minuto que estou sem você, eu me arrependo / Todo dia, toda noite / Estive pensando em você e eu”. No final das contas, é aquilo que ela realmente precisa — da simplicidade de antes, do que a sustenta depois de voar tão alto. Rosé sempre voltaria para Roseanne — seu lar, seu chão, sua essência.
Estou bem alto nas nuvens
E eles dizem que eu consegui
Mas eu entendi
Que tudo o que eu preciso está no chão
Depois de compreender isso, ela se permite voar novamente, mas agora com muito mais leveza, sobre um campo de flores brancas, porque sabe que sempre pode pousar no chão novamente. Na última cena do clipe, a limusine de antes pega fogo. Rosé está vestida de preto e rosa.
Para manter a tendência de quebra de recordes com o debute solo, o clipe de “On The Ground” conquistou mais de 39 milhões de visualizações nas primeiras 24 horas, deixando os 38.4 milhões de “Gentleman”, do PSY, para trás. Desta forma, Rosé se tornou a artista solo coreana com mais views no dia de estreia, ultrapassando um recorde de sete anos. A música também encabeçou o iTunes de 51 países, pegando o primeiro lugar no chart musical — inclusive no Brasil e nos Estados Unidos.
Mesmo depois de tanto tempo de espera e um número limitado de canções, Rosé conseguiu mostrar sua potência como solista e, acima de tudo, como uma artista experiente, completa e inegavelmente talentosa, que entende suas forças da mesma maneira que admite suas vulnerabilidades.