Categorias: CINEMA, MÚSICA

Halftime: Jennifer Lopez

O documentário Jennifer Lopez: Halftime, dirigido por Amanda Micheli, acompanha o dia a dia da artista em um momento em que ela é o centro das atenções, uma vez que, na época em que foi gravado, ela estava cotada para indicação ao Oscar por As Golpistas (2019) e, em paralelo, se preparava para a sua performance para a 54ª edição do Super Bowl. Além de trazer à tona suas inseguranças, o papel da mídia em sua carreira e os efeitos que paparazzi e tabloides tiveram (e ainda têm) em sua vida profissional e pessoal.

Disponível mundialmente na Netflix, com uma duração de cerca de 1 hora e 36 minutos, Jennifer Lopez, nos primeiros minutos da produção, faz um breve panorama de como começou sua carreira no show business. Depois de ser expulsa de casa, aos 18 anos, por não querer fazer faculdade, mas sim seguir carreira na dança, J-Lo conta, sem muitos detalhes, como aos poucos foi subindo na carreira. Se dedicou à dança, depois começou a estudar para se tornar atriz, teve uma boa estreia no cinema e, logo depois, se lançou como cantora. Assim, tornou-se uma artista que dança, atua e canta.

Apesar de uma carreira multifacetada, Jennifer, durante décadas, teve sua vida profissional vista como piada por grande parte do mercado do entretenimento. Tabloides, paparazzi, programas de televisão e revistas de fofocas abordavam massivamente sua vida privada, deixando de lado suas conquistas profissionais, além do bullying que sofreu por ter um corpo curvilíneo, o que, hoje em dia, pode soar estranho, mas precisamos ter em mente que quando ela começou no show business, o ideal de beleza era ser muito magra, loira e alta. Assim, é interessante ouvi-la falar, apesar de não se aprofundar muito, sobre como sua vida foi afetada por toda essa atenção.

“Não importavam as minhas conquistas, o apetite deles [imprensa] por cobrir a minha vida pessoal ofuscou tudo o que estava acontecendo na minha carreira. Eu tinha uma autoestima muito baixa. Eu acreditava muito no que diziam, ou seja, que eu não era boa. Não era uma boa cantora, não era uma boa atriz e não era uma boa dançarina.”

Todo o escrutínio midiático, familiar a qualquer estrela pop feminina nos anos 2000, no caso de Lopez havia uma camada adicional de racismo característico da cultura estadunidense. Aliás, desta forma, destaca-se que há pouquíssimos depoimentos de terceiros e os que têm são bem breves, ou seja, Halftime é a oportunidade que ela tem de expressar suas opiniões e sentimentos sobre os fatos que aconteceram com ela, além de mostrar o quão focada e dedicada é em tudo que se propõe a fazer.

A partir dessa contextualização, as câmeras de Halftime acompanham a artista durante dois grandes momentos de sua carreira: a já citada possível indicação ao Oscar por As Golpistas e, em paralelo, sua preparação para o show no Super Bowl. Em As Golpistas, J-Lo interpreta Ramona, uma stripper que se torna mentora para a novata Destiny (Constance Wu). Devido à crise econômica de 2008, elas veem o declínio na quantidade de clientes na boate em que trabalham, o que afeta diretamente a renda de ambas. Com isso, lideradas por Ramona, Destiny e um grupo de strippers começam a roubar os cartões de crédito de vários homens endinheirados de Wall Street. Destaca-se, ainda, que além de atuar, a artista é produtora do longa.

A atuação de J-Lo foi tão bem avaliada pela crítica que chegou a ser cotada nas mais diversas premiações. Assim, quando a temporada de prêmios do cinema começa e a indicação para o Globo de Ouro acontece, mergulhamos em um mar de expectativa — “será que ela conseguirá seu primeiro Globo de Ouro?”. Essa foi a segunda vez que J-Lo foi indicada à premiação, sendo a primeira por seu papel no filme Selena (1997), sobre a estrela da música tejano Selena Quintanilla, onde interpretou a cantora. A estatueta de 2019, no entanto, acaba ficando com Laura Dern por História de um Casamento e, nesse contexto, o documentário não esconde a evidente frustração e a decepção da artista quando o desfecho esperado não acontece.

Em paralelo, também há toda uma expectativa sobre uma indicação ao Oscar na categoria de Melhor Atriz Coadjuvante. Para ela, depois de diversas indicações ao Framboesa de Ouro, premiação que condecora os piores do ano, ser indicada ao Oscar seria uma forma de provar para todos que é, sim, uma boa atriz. Ela deseja esse reconhecimento e não tem vergonha de querer isso, e nesse quesito Halftime a mostra profundamente vulnerável. Porém, a primeira indicação dela ao prêmio mais almejado do cinema não veio. E, mais uma vez, a decepção de J-Lo é palpável. O desprezo da academia pela atuação de J-Lo e por As Golpistas, que não foi indicado em nenhuma categoria, só enfatiza o problema que do Oscar em reconhecer e premiar atuações e filmes de artistas não-brancos. Apenas mulheres brancas foram nomeadas na categoria em que Jennifer poderia concorrer, que foram: Scarlett Johansson, Laura Dern, Florence Pugh, Margot Robbie e Kathy Bates.

Enquanto isso, há todo o preparativo em torno do Super Bowl, que foi marcado por um debate racial. Em 2016, quando o jogador de futebol americano Colin Kaepernick se ajoelhou durante o hino nacional estadunidense para protestar contra a desigualdade racial e a brutalidade policial contra afro-americanos, um holofote foi jogado para discussões sobre patriotismo e ativismo no esporte. O gesto de Kaepernick, aos poucos, passou a ser repetido por outros esportistas da NFL (Liga de Futebol Americano) e de outras ligas, como a NBA. Não preciso dizer que a opinião pública se dividiu a respeito da manifestação, no entanto, a ausência do atleta na NFL, nos anos seguintes, marcou a liga como racista, visto que ele estaria sofrendo boicote por seu posicionamento.

Com o ano de 2019 conturbado para o show do intervalo, uma vez que a organização se deparou com vários artistas, em solidariedade a Kaepernick, dizendo “não” à Liga, a Roc Nation, gravadora de Jay-Z, foi contratada pela NFL para aconselhar e trabalhar a imagem da empresa no que se relaciona a representação racial na Liga.

Para passar uma imagem progressista e trazer mais diversidade para o show do intervalo, J-Lo e Shakira foram anunciadas como atrações do intervalo do Super Bowl 2020. Nesse contexto, o documentário não esconde a frustração de Lopez por ter que dividir a apresentação com uma co-headline, que aparece de forma breve durante o longa. A maior insatisfação de Jennifer se dá pelo tempo do show: ambas têm seis minutos para fazer uma apresentação que resume suas carreiras. No entanto, é Medina, agente da artista, quem firmemente se coloca contra essa escolha da NFL. “Foi um insulto dizer que você precisava de duas latinas para fazer o trabalho que um artista historicamente fez”, ele afirma.

“Qual é a minha mensagem e o que eu represento? Percebi que tenho a responsabilidade de não me calar, de não só deixar a política para os outros.”

Ao longo de sua carreira, Jennifer Lopez já afirmou diversas vezes que não se interessava muito por política, mas isso mudou com a ascensão do republicano Donald Trump à presidência dos Estados Unidos e sua agressiva política anti-imigração. Com crianças saindo de jaulas estilizadas, (em referência aos jovens imigrantes que estavam sendo mantidos em instalações semelhantes a jaulas, separadas de suas famílias na fronteira EUA-México), bandeira americana e de Porto Rico presentes no mesmo tecido, um grupo grande de crianças dançando salsa junto com J-Lo e Emme, filha da artista, cantando “Born in the USA”, o show teve uma forte mensagem de apoio à diversidade no país. As cenas dela ensaiando com seus dançarinos para a apresentação são incríveis.

Em Halftime podemos conhecer, pelo menos de forma superficial, um pouco da vida pessoal da artista. No entanto, nitidamente, esse não é o intuito da produção, mas sim celebrar as conquistas da carreira de J-Lo, mostrar como ela sempre lutou e trabalhou para chegar onde chegou, apesar de todo preconceito por parte da indústria. O documentário também não vai a fundo na relevância cultural da artista, de forma que, quando termina, fica a estranha impressão de superficialidade, de que algo ficou faltando.