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Troféu Valkirias de Melhores do Ano: Cinema

Existe uma mágica que acontece quando as luzes se apagam e a tela se acende. Há séculos, o cinema tem sido a casa dos sonhadores, o lugar em que tudo pode se tornar realidade; mas por dois anos, ele viveu apenas em nossas lembranças e em nossos desejos. A saudade era grande, mas a realidade se impunha. Fizemos o que pudemos para proteger uns aos outros, viajamos em nossas próprias televisões, sentadas em nossos sofás, sonhando com o dia em que estaríamos de volta em frente à tela gigante. Em 2022, esse momento chegou. Finalmente saímos das nossas casas e voltamos a ocupar esses espaços tão especiais e tão afetivos. No Troféu Valkirias de Melhores do Ano: Cinema de 2022, trouxemos algumas das produções que ganharam vida nas telonas, e nos trouxeram à vida junto com elas.

A Pior Pessoa do Mundo, Joachim Trier

Por Amanda Guimarães 

Todos já foram a pior pessoa do mundo na vida de alguém. Essa frase poderia ser uma sinopse da dramédia de Joachim Trier. Observando a vida de Julie com proximidade, afeto e uma boa dose de realismo, o diretor mergulha naquilo que nos leva por um caminho ao invés do outro e analisa os desdobramentos de escolhas.

Por mais clichê que soe, sempre que uma porta se abre, naturalmente outra é fechada. E é preciso aprender a lidar com isso e a navegar pelas consequências daquilo que escolhemos para as nossas vidas — inclusive com os momentos nos quais somos estúpidos, irresponsáveis e impulsivos.

Batman, Matt Reeves

Por Thay

Quando escrevi sobre The Batman, na ocasião de seu lançamento, iniciei meu texto da seguinte maneira: “se alguém me perguntasse, eu não diria que precisávamos de uma nova encarnação do Batman nos cinemas — mas ainda bem que não sou eu quem decide esse tipo de coisa.” Continuo agradecendo aos céus por não ser eu a pessoa que define se precisamos de mais um filme do Batman pois certamente perderíamos uma das melhores produções sobre o vigilante de Gotham City que já recebemos. Já vimos o Batman de tantas maneiras, em tantas encarnações, que fica difícil acreditar que alguma novidade poderia vir de mais um filme do Homem Morcego mas, como diz o meme, veio aí.

Robert Pattinson interpreta um Bruce Wayne cansado da vida e um Batman que bate primeiro e pergunta depois. Talvez essa seja uma das visões mais cruas a respeito da dicotomia que é ser Bruce/Batman além de todos os sofrimentos que vêm no pacote. A visão de Matt Reeves para o seu Batman combina perfeitamente com a atmosfera soturna e sombria do longa, mostrando o personagem de volta às suas raízes de detetive e de fato investigando os crimes que assolam a cidade. Pattinson é excelente como Batman, assim como Zoë Kravitz é uma Selina Kyle impecável. O filme não se prende no molde dos filmes de herói que fizeram sucesso nos últimos anos, e isso é um alívio. A trilha sonora de Michael Giacchino é uma beleza à parte e nos presenteia com a belíssima “Sonata in Darkness”, uma peça tocada ao piano que resume Batman muito bem.

Para saber mais: The Batman: para além de vingança, esperança

Belle, Mamoru Hosoda

Por Ana Luíza

A história de A Bela e a Fera já foi adaptada muitas vezes para o cinema — nenhuma, porém, como Belle, que a interpreta em seus próprios termos e obtém algo único como resultado. Lançado originalmente em 2021, o filme chegou ao Brasil no início deste ano, e trabalha o clássico conto francês a partir de um ponto de vista futurista em que a protagonista leva uma vida dupla: ora como adolescente tímida, ora como uma grande estrela da música em um sistema de realidade virtual.

Essas alterações, somadas ao ótimo trabalho visual e ao material utilizado como base, seriam suficientes para fazer de Belle um ótimo filme. Mamoru Hosoda, que escreve e dirige o longa, no entanto, vai mais longe e as utiliza apenas como ponto de partida para mudanças mais profundas, que o possibilitam trabalhar temas mais densos como o sentimento de inadequação da protagonista, as relações entre pais e filhos, agressão infantil, o trauma e a perda, com o cuidado com que esses temas devem ser tratados. Um dos filmes mais sensíveis do ano — e um dos mais bonitos também.

Justiceiras, Jennifer Kaytin Robinson

Por Tati Alves

De forma totalmente inesperada, Justiceiras (Do Revenge, no original) se transforma em um dos melhores do ano. Resgatando tropes presentes nos clássicos filmes adolescentes dos anos 1990 e 2000, o filme foi a minha maior surpresa dessa categoria. Caímos na história de adolescentes ricos, herdeiros do nepotismo, e da protagonista que precisa se adequar a realidade que não lhe pertence. Queremos a vingança e, claro, o drama que se desenvolve a cada passo da história. Sem querer dar muitos spoilers, mas mesmo para aqueles que entenderam para onde o enredo navega, o filme ainda é capaz de nos surpreender em alguns momentos. Justiceiras nos dá um gostinho de como seria reimaginar Heathers e Meninas Malvadas nos tempos atuais e nos entreter com a complexidade adolescente.

Não Se Preocupe, Querida, Olivia Wilde

Por Anna Carolina Ribeiro

O longa dirigido por Olivia Wilde acabou se tornando infame graças aos boatos sobre os bastidores, onde jovens estrelas e astros consagrados aparentemente passaram por conflitos e desavenças que se tornaram visíveis nas coletivas de imprensa e entrevistas com o elenco. Alimentados pela curiosidade do público, as notícias ganharam as manchetes dos veículos de imprensa, abafando comentários sobre o filme em si. Se a curiosidade do público atravessar essa primeira camada midiática, no entanto, os espectadores podem se deparar com um suspense intrigante misturado a ficção científica, com debates nas entrelinhas do roteiro sobre o ego masculino e os papéis sociais estabelecidos para cada gênero. As atuações de Florence Pugh entregam dramaticidade e o carisma de Harry Styles convence, ao mesmo tempo que Chris Pine completa o trio principal de atores com um ar de mistério que prende o público. A fotografia e a direção criam um visual intencionalmente plástico para construir o desconforto com a perfeição do lugar onde donas de casa exemplares são deixadas diariamente em seus lares imaculados, em uma vizinhança misteriosamente impecável. Seus maridos têm trabalhos secretos que sustentam aquela vida maravilhosa, e, obviamente, há algo de  errado com o lugar e as pessoas que habitam ali.

É de se questionar se os comentários sobre a produção do filme chegam a tal intensidade e, em caso afirmativo, se chegam a prejudicar a reputação de diretores homens cis brancos e heterossexuais, mesmo quando as questões de que os filmes desses cineastas enfrentam chegam a ser até mesmo criminosas, quando não meramente abafadas por uma estrutura patriarcal que releva defeitos de homens e condena mulheres com muita facilidade. Longe de perdoar ou deixar passar batido o que quer que Olívia Wilde tenha feito, a intenção do questionamento é entender porque em casos como o dela existe uma pressão para não se separar autor e obra, e em outros, não. Quando se olha apenas a obra, Olivia é uma boa diretora contando uma boa história. Apesar de todas as polêmicas por trás das câmeras, Não Se Preocupe, Querida é um trabalho memorável de uma mulher que vai criando uma identidade visual e cinematográfica que certamente irão marcar sua carreira por trás das câmeras. Caso consigamos separar a autoria da obra, neste caso.

Noites Brutais, Zach Cregger

Por Amanda Guimarães 

O absurdo é o principal elemento do cinema de horror. Então, as produções, mesmo quando pretendem fazer discussões sociais e psicológicas, não podem deixar de abraçá-lo. Caso contrário, as características do gênero não serão bem articuladas e algo ficará faltando. A coragem de aliar o fantástico e o realista é o que torna Noites Brutais um dos grandes destaques do gênero em 2022.

Existe um pacto silencioso a respeito de spoilers desse filme. Desse modo, cabe aqui deixar a sugestão para que os interessados em assistir não leiam nada a respeito. Evitem até os pôsteres. Isso vai enriquecer bastante a experiência e fazer com que vocês fiquem completamente desamparados durante os 100 minutos de duração do filme.

Para saber mais: Noites Brutais e uma defesa do absurdo no cinema de horror

Órfã 2: A Origem, William Brent Bell

Por Ana Zevedo

A história de origem de Esther é tão mirabolante quanto o enredo do primeiro filme. A gente já sabe que Esther não é uma menininha inocente e sim uma mulher perigosa porque assistimos ao primeiro filme, mas também porque em Órfã 2 realmente temos a atriz Isabelle Fuhrman, agora com 25 anos, se passando por uma garotinha. A chiquinha deles continua fenomenal, mas é claramente uma mulher adulta se passando por uma criança enquanto todos os personagens fingem que isso não está acontecendo. Se Órfã já era camp, o prelúdio é high camp.

O Homem do Norte, Robert Eggers

Por Ana Luíza

Antes que Shakespeare imortalizasse a história de Hamlet, o folclore nórdico já conhecia a história de Amleth, o príncipe que vê o pai ser assassinado pelo próprio tio e promete vingança. Em sua releitura, Robert Eggers utiliza diferentes versões da história em um épico que não perde elementos que já se tornaram marcas registradas de seus trabalhos anteriores — o apelo ao sobrenatural, a ambiguidade, o timing em um crescendo psicológico, etc. Embora seja o filme mais comercial do diretor — e, naturalmente, o mais palatável ao cinema mainstream —, O Homem do Norte consegue levar uma história antiga, dramática e sem finais felizes a lugares realmente inesperados e fazer dela uma das melhores experiência cinematográficas do ano.

Pearl, Ti West

Por Ana Zevedo

Mais um prelúdio para a conta, Pearl é a história de origem da personagem de Mia Goth com mesmo nome, do filme da A24 X (que chega agora em dezembro no catálogo da Amazon Prime Vídeo). A neta da atriz brasileira Maria Gladys assina roteiro junto com Ti West e produz um dos melhores filmes do ano.

O filme se passa em 1918, no meio de grande eventos mundiais como a pandemia de gripe espanhola e o fim Primeira Guerra Mundial. O filme foca em Pearl, uma jovem que mora em uma fazenda no interior dos Estados Unidos com sua mãe autoritária e seu pai doente. Pearl é casada, mas seu marido está lutando na guerra. Sozinha e isolada, Pearl tem sonhos muito maiores que sua pequena cidade pode proporcionar. Ela sonha em ser famosa, uma estrela do cinema. Pearl até tenta ser uma doce mulher do lar mas ela sabe que essa vida não é para ela. Quando finalmente percebe que não pode se encaixar nos moldes que a sociedade criou para ela, Pearl começa sua vingança contra tudo e todos que entram em seu caminho.

Red: Crescer é uma Fera, Domee Shi

Por Beatriz Romanello

Red: Crescer é uma Fera foi o filme que nossa geração desejou ter assistido quando criança — apesar de saber que não o teria processado tão bem quanto agora. Nele, um grupo de amigas em que cada uma valoriza e impulsiona suas individualidades aliadas ao questionamento das tradições (e por vezes traumas) familiares, trouxa para as telas uma história potente sobre desejar crescer. A nostalgia dos anos 2000 e a nossa obsessão por boybands também estão presentes e nos dão conforto ao nos confrontar sobre deixar o colo da família.

Para saber mais: Turning Red e as dores do amadurecimento

Tudo Em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo, Daniel Kwan e Daniel Scheinert

Por Anna Carolina Ribeiro

O título do filme, tão aguardado pelo público e pela crítica, também é uma síntese do próprio espírito da produção, quando pensamos que há muitos temas sendo contemplados no roteiro, e o longa também agrega diversos gêneros, entre eles comédia, ação, drama e ficção científica. No longa, Michelle Yeoh interpreta a dona de uma lavanderia que vive uma crise também generalizada: a administração do seu estabelecimento anda às voltas com a receita federal e ela depende da tradução da filha, a única da família que entende perfeitamente a língua inglesa, para se acertar com a lei estadunidense. Além de todas as barreiras linguísticas, culturais e econômicas que deixam a família em uma situação de constante desencaixe no país onde vivem há tanto tempo, a mulher ainda tem que administrar um casamento em crise e os cuidados com o pai, um homem idoso que aparenta ser bastante conservador nos costumes da tradição chinesa. Para completar, a mãe, sobrecarregada por inúmeras funções legadas a seu gênero, também tenta manter a família unida e sem conflitos, e por isso quer esconder a identidade da filha. O conflito de gerações explicita os conflitos internos da própria protagonista, que ainda tem dificuldades de aceitar que a filha é lésbica.

O filme diverte e é como uma aventura que normalmente vemos sendo protagonizada por homens. Ver uma mulher descendente de chinesas, mais velha e mãe protagonizando uma história como essa já valeria os longos minutos do filme. No entanto, o filme não abandona nenhum dos gêneros e se amarra como drama e também se fortalece na ação e na comédia, que se intercalam e se misturam. Por fim, é a ficção científica que move o roteiro assinado e dirigido por Daniel Kwan e Daniel Scheinert, e permite que as resoluções se dêem com delicadeza, mesmo em meio aos absurdos e o caos de Tudo em Todo Lugar ao MesmoTempo. É um ótimo entretenimento com profundidade e sensibilidade e não decepcionou quem esperava.