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Emma e o Sexo, de Ilana Eleá

Eu sempre considerei a literatura erótica uma armadilha e isso está ligado ao tom: uma escrita excessivamente analítica e descritiva acaba transformando as obras em manuais; por outro lado, deixar essas características de lado para priorizar a excitação pode retirar qualquer peso dramático, transformando os livros do gênero em romances de banca de revista. Desse modo, transitar entre os dois mundos é algo que demanda habilidade. Afinal, ninguém procura somente sexo ao optar por uma leitura dessa natureza, mas sim algo que seja capaz de conjugar o excitante e uma história bem contada, na qual esse elemento é mais um detalhe e, preferencialmente, serve para acrescentar à narrativa, de modo que ela se esquive da gratuidade.

Assim, o que me atraiu em Emma e o Sexo, romance de estreia de Ilana Eleá, foi a presença do componente antropológico. Ele serviria para adicionar esse tom analítico ao livro, visto que a personagem principal, Emma, está pesquisando o sexo no Rio de Janeiro. Além disso, o fato de que a sexualidade parece puramente um objeto para uma mulher que tem dificuldades de se expressar nesse sentido também me soou interessante. Isso porque o olhar de Emma seria o suficiente para acrescentar o tom reflexivo às práticas, especialmente à não-monogamia, um dos carros-chefes da obra. Entretanto, Eleá parece não encontrar a dose correta entre a ciência e o sexo, de modo que acaba priorizando o segundo.

Emma e o Sexo

Essa escolha se torna um problema uma vez que a obra se propõe a apresentar discussões sobre as expressões sexuais e os arranjos de relacionamentos da modernidade, terrenos nos quais a antropologia teria mais a acrescentar. Isso, inclusive, seria mais coerente com a personagem principal. Talvez muito mais do que o deslumbramento por Juliana, uma cam-girl que Emma observa durante o trabalho. É claro que o fascínio e o despertar da sexualidade poderiam (e deveriam!) fazer parte da narrativa, mas a construção do romance faz com que a antropologia se pareça com uma desculpa, um artifício desnecessário para colocar a protagonista diante de cenas de sexo. Se a ciência não está presente na obra para acrescentar um componente analítico, qualquer outro recurso poderia levar Emma a presenciar mesmas práticas e leva-la às mesmas conclusões.

Se a antropologia não é bem utilizada no romance, por outro lado, Ilana Eleá consegue encontrar o tom ideal para as cenas de sexo, algo bastante difícil na literatura erótica. A linha que separa o cafona do excitante, por vezes, é bastante tênue. Entretanto, a autora se desvia com sucesso do brega e consegue entregar trechos interessantes, capazes de atiçar a curiosidade do leitor e fazer com que ele fique tão entregue quanto Emma. Em alguns momentos, as boas descrições chegam a funcionar como cortinas de fumaça para os problemas do romance. Como elas são bem feitas, somos levados a nos perguntar o que seria mais importante em uma obra erótica. Mas, infelizmente, a resposta segue sendo o equilíbrio e as cenas de sexo, ainda que funcionem, não suprem as lacunas deixadas pela falta de uma abordagem mais cuidadosa da ciência.

Logo, Emma e o Sexo é um livro que parcialmente cumpre o que se propõe. O romance consegue ser sexualmente estimulante quando precisa ser, mas não consegue replicar essa característica do ponto de vista intelectual. E, aqui, não falo somente sobre a antropologia. As reflexões a respeito da não-monogamia, por exemplo, carecem de profundidade. Além disso, existem trechos, como o que discute violência doméstica, que parecem presentes somente para cumprir um checklist e nos convencer de que Emma está diante de mulheres empoderadas que, como tal, são capazes de oferecer suporte umas às outras mesmo que o encontro se dê em situações inesperadas.

Como Emma e o Sexo faz parte de uma trilogia é importante destacar que o trecho apresentado neste primeiro momento demonstra potencial, mas isso depende das escolhas feitas para os próximos capítulos. Ilana Eleá precisa dar uma função para a ciência dentro da sua obra, de modo que ela seja capaz de acrescentar aquilo que faltou ao seu primeiro esforço como escritora.


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