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O final feliz de Peggy Olson

Em seu primeiro dia no escritório da Sterling Cooper, Peggy Olson (Elisabeth Moss), à época uma jovem e inexperiente secretária, ouve de Joan Holloway (Christina Hendricks), a quem é reservada a tarefa de guiar-lhe em seus primeiros dias na agência, que em pouco tempo ela se mudaria para o centro — ou que, se fizesse a coisa certa, encontraria um marido, continuaria vivendo no subúrbio e não precisaria trabalhar. “Se você tiver sorte”, são as palavras exatas de Joan ao se referir à concretização de um futuro que ela própria perseguia e que continuaria a ser um aspecto central na vida de muitas mulheres naquele início da década de 1960: o casamento.

Embora dita sem grande pretensão, a fala de Joan acaba por nortear grande parte da trajetória de Peggy: ao longo de sete temporadas, Mad Men acompanha sua ascensão profissional concomitantemente ao seu amadurecimento como mulher; da secretária ingênua que deseja se adequar aos padrões de uma grande cidade a uma redatora (e, posteriormente, diretora de criação) de prestígio, em um processo de transformação que a torna uma das personagens mais facilmente relacionáveis da trama. De meio para um fim, o trabalho na agência se torna uma variável primordial em sua trajetória e algo que lhe traz grande satisfação, ainda que essa satisfação não venha sem alguns percalços. Ao contrário de Don Draper (Jon Hamm), a quem ela assume apropriadamente ter tudo — a carreira de sucesso, o casamento, filhos, dinheiro, etc. — há algo que sempre parece faltar a Peggy, de um salário mais justo a desejos e inquietações mais abstratos, como o que ela poderia ter tido, estivesse mais interessada em encontrar um marido do que em construir uma carreira.

Em uma série repleta de mulheres, muitas delas donas de casa, responsáveis pelo trabalho invisível que possibilitaria aos homens conquistar o mercado de trabalho, Peggy se distingue como alguém que escapa muito obviamente à regra: nova garota da agência, seu caminho é traçado como um reflexo dos novos tempos, personificando a ideia de uma mulher cujas possibilidades não se limitavam ao contexto doméstico. Muito do que faz Peggy uma personagem tão complexa reside no ineditismo de seu papel: a maior parte das respostas que ela procura ainda precisam ser forjadas — por ela mesma e sem qualquer ajuda, porque não há ninguém em quem possa se espelhar, o que torna sua jornada também bastante solitária. Peggy faz escolhas e essas escolhas a levam a muitos lugares, mas não a todos os lugares — e o peso de suas expectativas, sobretudo aquelas não realizadas, são um lembrete contundente do quanto lhe custa a ambição.

Peggy Olson

Com o tempo, a maior convivência e proximidade com os homens da agência comprovam que casamento e filhos não necessariamente são sinônimo de felicidade. Todos os homens ao seu redor são avatares que sustentam a ideia de que não é realmente possível ter tudo, não quando se pretende ir além das aparências — são homens com casamentos arruinados, alcoólatras e frustrados, com filhos distantes ou com quem mantêm relações, no mínimo, conturbadas. Em uma série que nunca trabalhou seus temas de maneira descomplicada, a busca pela felicidade é um tema central, que surge em evidente contradição ao discurso criado entre as paredes da agência. É a ironia que não escapa a Matthew Weiner — que essas pessoas saibam tão pouco sobre felicidade enquanto vendem diferentes versões dela — e Peggy não foge a esse padrão. Como mulher, no entanto, muitas de suas dúvidas se manifestam em decorrência daquilo que é esperado dela socialmente — e tanto é esperado de mulheres socialmente. Homens, afinal, se casam e têm filhos porque querem, quando querem. Mulheres, não.

Mesmo para alguém como Peggy, que existe em oposição ao arquétipo da mãe e da esposa, o padrão social não deixa de exercer certa pressão. Seu primeiro ano na agência é marcado pelo desejo de se encaixar naquele ambiente, mimetizando o comportamento das pessoas ao seu redor; o que, para uma jovem católica do subúrbio, também significa uma importante aquisição de autonomia. É nesse contexto que ela se envolve brevemente com Pete Campbell (Vincent Kartheiser), seu colega de trabalho e um dos executivos da agência, um homem recém-casado de quem ela acaba engravidando. Naquele momento, casamento e família não eram uma opção viável para eles, e Peggy tampouco esperava (ou queria) que isso acontecesse; não naquele momento, não com alguém como Pete. Mas a gravidez inesperada não deixa de representar uma espécie de ruptura que altera sua perspectiva sobre o futuro que a aguarda. Quando decide doar o bebê, Peggy é parcialmente movida pelo fato de ser uma mulher solteira que engravidara de um homem casado com quem se envolvera casualmente — evidente motivo de escândalo para a época. Mas abrir mão do bebê também a permite ter a chance de construir uma carreira, carreira esta que, de outra forma, não encontraria meio ou espaço para se desenvolver. A experiência de ter um bebê e não criá-lo, de ser mãe e, ao mesmo tempo, não sê-lo, contudo, jamais a abandona. Para além da culpa cristã, fundamentada em uma criação muito religiosa, há sentimentos como a dúvida, o receio, o medo de que casamento e maternidade não fossem anseios realistas, não para uma mulher como ela, e que a solidão fosse um caminho inescapável — consequência das escolhas que fizera, ainda que as fizesse de novo se necessário.

Nada disso parece interferir em seus relacionamentos, no entanto, que não tomam tempo excessivo em sua narrativa, como não ocupam espaço demasiado em sua vida. Ao longo da série, Peggy se relaciona com diferentes pessoas, em diferentes momentos, quase como se não esperasse que aqueles relacionamentos se transformassem em algo mais ou simplesmente porque não desejava que assim o fizessem. É somente na quarta temporada que ela inicia uma relação mais sólida, ainda que seja também uma relação fadada ao fracasso. Desde a primeira aparição de Mark (Blake Bashoff), é evidente que aquela não é uma história de amor, tampouco que amor é o que os mantêm juntos. Mas não é difícil compreender o que a leva a permanecer ali de qualquer forma. Quando, em “Christmas Comes But Once a Year”, Peggy tem um conflito com Freddy Rumsen (Joel Murray) a respeito de uma campanha sobre cremes faciais, na qual ele sugere associar o produto à possibilidade de suas clientes conseguirem se casar, e ela rebate chamando-o de antiquado, não é apenas a ideia reducionista que a incomoda, mas o fato de que todas essas questões existem para ela de forma muito pessoal. Mais tarde, no mesmo episódio, quando desculpas são trocadas, Peggy confessa que gostaria de se casar, ao que Freddy responde que, portanto, ela deveria trabalhar menos e encontrar alguém. “Eu tenho um namorado”, ela afirma, mas a convicção se esvai tão logo é questionada se aquela é uma relação séria. No fundo, é a ideia de ter alguém, muito mais do que a relação em si, que parece realmente importar. “Não quero passar o Ano Novo sozinha”, ela conclui, para, não muito tempo depois, ceder às insistentes — e desagradáveis — investidas de Mark, seguindo um conselho dado pelo próprio Freddy — um homem antiquado, mas um homem casado.

Peggy Olson

A essa altura, Peggy já havia se afastado consideravelmente dos preceitos da moralidade cristã e, com isso, de uma identidade que a oprimia tão fortemente. Mas é com alguma ironia que a série delineia seu relacionamento com Mark, apontando para o fato de que certas mudanças não ocorrem com tanta facilidade. Se, por um lado, é possível afirmar que Peggy adquire maior independência com o passar dos anos, é também verdade que o sexo casual não necessariamente a desprende de suas amarras, muito menos a torna mais confortável em relação aos seus impulsos. Mesmo para Mark, ela continua a sustentar a imagem da jovem ingênua e virginal que há muito não é, o que só demonstra o quanto seus receios são mais profundos do que insinua a mera idealização romântica do amor — e, em consequência, do casamento. O fato de Mark acreditar piamente ser o “primeiro” na vida de Peggy, e de Peggy tampouco afirmar o contrário, não deixam de ser indícios do quanto esses assuntos continuam caros a ela. Mark poderia conhecê-la, e talvez amá-la, por aquilo que ela era, e não pelo o que poderia ser, mas fazê-lo implicaria no risco de ver-se novamente solteira e solitária, uma condição, em si mesma, profundamente incômoda.

Em um mundo que permanece indiferente a quem somos e ao que desejamos, Mark é alguém que estaria ali, e isso será suficiente por algum tempo. Mas o período que se segue também marca a ampliação dos horizontes de Peggy, que começa a transitar entre pessoas mais jovens e em espaços ligados ao movimento de contracultura. É em um desses espaços, mais especificamente durante uma festa clandestina, que ela conhece Abe (Charlie Hofheimer), um jornalista socialmente consciente com quem irá se relacionar. Antes disso, porém, é preciso que Peggy e Mark tenham algum tipo de desfecho, o que acontece em “The Suitcase”, sétimo episódio da quarta temporada. Nele, Peggy é mantida no trabalho até mais tarde por Don, justamente no dia de seu aniversário e, de última hora, precisa adiar os planos para aquela noite. O grande problema é que Mark havia convidado toda a família dela para a comemoração, como uma maneira de surpreendê-la, um tiro que acaba saindo pela culatra — tanto Peggy não gostaria de ter a família como companhia naquele dia, como Mark acaba tendo a sogra e a cunhada entre os espectadores da confusão e posterior rompimento dos dois.

“The Suitcase” é essencialmente um episódio sobre Don, mas muito do que acontece é impulsionado por Peggy. Em um episódio que fala tanto sobre perda, solidão e relacionamentos (sejam eles românticos ou não), sobre amar uma pessoa e amá-la com todos os seus defeitos, Peggy experiencia momentos tão importantes quanto aqueles vividos por Don e tem a chance de aprender com eles. A essa altura dos acontecimentos ela já ensaiava mudanças significativas de comportamento, mas é justamente o fim do relacionamento com Mark — um fim em muito motivado por aquilo que ela mais amava e jamais abriria mão — que a impele em uma nova direção: não porque desiste de se casar ou de construir uma família, ou mesmo de acreditar no amor, mas porque deixa de aceitar qualquer companhia em troca de um pedido de casamento.

Talvez por isso seu relacionamento com Abe seja, em geral, muito mais construtivo e maduro — ao menos no início. Longe de serem perfeitos, sua evolução como casal acontece de maneira muito mais orgânica e é possível vislumbrar um futuro real para eles, independente de suas diferenças: Abe ainda é a pessoa que sugere, com evidente sarcasmo, “fazer uma marcha pelos direitos das mulheres”, mas é também quem parece lidar mais facilmente com as demandas da profissão de Peggy do que qualquer outra pessoa que não estivesse envolvida naquele tipo de trabalho. Se entender as ambições de Peggy e o que a motiva a priorizar tão ferozmente a carreira era uma tarefa complicada para a maioria das pessoas à época, Abe é alguém que se dispõe a compreendê-la, adaptando sua rotina à dela, e não o contrário.

É uma dinâmica que, no entanto, não dura. Mad Men se utiliza de brigas e discussões como uma forma de enfatizar que consciência política e social não tornam uma pessoa menos machista, destacando o quanto Abe pode se tornar um homem mesquinho dependendo das circunstâncias. À medida que a história avança, ele se torna gradativamente menos compreensivo diante dos muitos compromissos de Peggy (“Far Away Places”, episódio em que deseja que ela tenha um péssimo dia ao sair de casa — e ela de fato acaba tendo um dia bastante péssimo — é particularmente memorável), da sua suposta falta de atenção para com ele ou de sua jornada de trabalho, que por vezes estendia-se para além do horário comercial; não porque se preocupava com ela ou como uma rotina tão desgastante poderia impactá-la pessoalmente, mas pelo incômodo de não tê-la sempre à disposição, por ter ao seu lado uma mulher tão mais ocupada do que ele.

Para todos os efeitos, Peggy e Abe continuam a ter uma relação predominantemente harmônica. Como argumenta Alain de Botton em O Curso do Amor, seria praticamente impossível que duas pessoas mantivessem a mesma sintonia, os mesmos interesses e valores a longo prazo; não existe algo como uma pessoa perfeita, ao contrário do que supõe o imaginário popular, e Peggy e Abe são um exemplo que corrobora para essa noção. Mas são detalhes que não passam despercebidos à série e, por fim, destacam o quanto mulheres como Peggy continuavam a ser estranhas em seu próprio tempo. Se o trabalho de Abe é relevante, Peggy ainda é a pessoa a quem esforços e conquistas são surpreendentemente eclipsados pela crítica e pela condescendência. Ao se recusar a enxergá-la como uma profissional talentosa e, principalmente, como uma igual, Abe se revela muito mais próximo da sociedade em decadência que tanto critica do que do jornalista progressista que acredita ser.

Peggy Olson

Se a independência dela revela as inseguranças dele, isso não o impede de, em “At the Codfish Ball”, convidá-la para jantar, um convite para o qual ele não aceitaria não como resposta. Preocupada de que este pudesse ser o sinal de um possível rompimento, Peggy recorre a Joan, e é ela quem lhe diz que um convite como aquele normalmente significa um pedido de casamento. O que não é inteiramente verdadeiro, ao menos não no caso de Peggy: Abe não a pede em casamento, sugerindo, ao invés disso, que os dois comecem a morar juntos. Como alguém que esperava outro tipo de proposta, a decepção é inevitável, mas não demora para que Peggy perceba que a alternativa não é de todo ruim, algo reforçado no dia seguinte, quando relata os acontecimentos da noite anterior a Joan, que lhe diz que tudo aquilo era muito romântico.

O mesmo não acontece com sua mãe, Katherine (Myra Turley), que recebe a novidade muito mal. Na concepção católica, que Peggy e Abe decidissem morar juntos sem se casar era um pecado, e Katherine nunca aceitaria que a filha vivesse dessa forma. As duas acabam discutindo, no que deveria ser uma noite de celebração, mas que termina abruptamente, com pessoas decepcionadas de ambos os lados.

“Peggy: Eu sei o que estou fazendo. E acho que o papai iria querer que eu fosse feliz.

Katherine: Não. Ele ficaria louco com você do mesmo jeito que eu estou. Porque você está se vendendo barato. Esse rapaz vai te usar como experiência até ele decidir se casar e formar uma família. E ele vai, acredite.”

Diferente de Peggy, a adequação social continua a ser um aspecto importante para Katherine: ela preferiria que a filha vivesse sozinha a viver acompanhada de um homem que, diante de Deus e da Lei, não fosse seu marido — não porque lhe desejasse mal, mas porque sempre acreditara que qualquer desvio serviria apenas para prejudicá-la. A fala, entretanto, extrapola a base conservadora/cristã que guia Katherine, questionando, não tão abertamente, se as intenções de Abe partem do desejo genuíno de estar ao lado de Peggy ou se essa é uma resposta às suas muitas inseguranças. Em contrapartida, para Peggy, a discussão vai de encontro à frustrações e angústias ligadas à sua própria projeção do que seria um relacionamento ideal e de suas expectativas, muitas delas moldadas pelos mesmos valores verbalizados por Katherine. “At the Codfish Ball” a confronta sobre suas escolhas, utilizando-se justamente daquilo que é mais difícil em sua trajetória: os ideais que permanecem na base de sua criação e dos quais ela tenta, nem sempre com sucesso, se desvencilhar. No fim das contas, Peggy não desiste de viver com Abe; ela toma a decisão de permanecer, mas permanecer significa muito mais do que ser romântica e tomar uma decisão baseada puramente em sentimentos. Trata-se, muito mais, de uma afirmação.

E é uma escolha que dá certo. Ao decidirem morar sob o mesmo teto, parte dos motivos que antes teriam levado a novos desentendimentos diminuem consideravelmente. “The Doorway: Part 2”, segundo episódio da sexta temporada, não é o primeiro a jogar luz sobre o amadurecimento dos dois, mas mostra, com clareza e segurança, como eles passam a lidar melhor com suas diferenças. A publicidade, principalmente, continua a ser um ponto de discordância, mas Abe soa, em geral, muito mais relaxado a esse respeito, preferindo abordar a questão de maneira mais bem-humorada do que ressentida e Peggy, em resposta, parece agradecida por finalmente contar com alguém que não seria um eterno crítico, que levaria sanduíches para ela quando precisasse ficar até mais tarde no trabalho, eventualmente compartilhando opiniões mais orgânicas sobre produtos com os quais ela estivesse trabalhando. É uma dinâmica que funciona e, quando Peggy decide comprar um imóvel, não o faz sozinha: embora fosse financeiramente responsável pela compra, é Abe quem a leva se decidir por um apartamento que, em outras circunstâncias, ela provavelmente não teria considerado uma opção.

“The Flood”, episódio em que a compra ocorre, é parcialmente espelhado em “The Grown-Ups”, quando John F. Kennedy é assassinado e a série acompanha as diferentes reações de diferentes personagens diante do ocorrido — incluindo o fim do casamento de Betty (January Jones) e Don. De maneira similar, “The Flood” se propõe a entender o impacto histórico do assassinato de Martin Luther King Jr. a partir das experiências pessoais de seus muitos personagens, dentre eles Peggy. Nesse contexto, a compra do apartamento surge como um desencaminho, uma questão muito pequena diante dos fatos que só é retomada quando ela inesperadamente recebe um telefonema da corretora informando-a de que não havia conseguido o imóvel inicialmente proposto. Abe, que naquele momento trabalhava em uma matéria sobre o assassinato, não dá grande importância ao assunto, e a resposta evasiva dele em nada a agrada. “É isso?”, ela pergunta, no que poderia ser o início de uma discussão acalorada, mas que acaba sendo uma conversa madura entre duas pessoas que decidem juntas questões importantes sobre o futuro que querem construir. Abe admite que, no fundo, não se sentia confortável em emitir sua opinião sobre o lugar onde iriam morar, uma vez que era Peggy quem estava fazendo aquele investimento, e ela o entende, dando espaço para que ele compartilhe seu ponto de vista sem ressalvas. É nesse momento que ele afirma que não gostaria de viver no Upper East Side, que preferiria criar os filhos em um bairro mais diverso — fala que, inevitavelmente, a pega de surpresa.

Até aquele momento, Peggy e Abe nunca haviam conversado sobre a possibilidade de ter filhos, e, uma vez mencionada, ela se torna muito mais palpável. Finalmente, Peggy pode vislumbrar um futuro mais concreto para si mesma, um futuro que incluísse casamento e filhos, além de uma carreira de sucesso. Se é verdade que ela jamais se encaixaria nas expectativas da mãe (não se casaria em uma igreja, talvez sequer tivessem registro em um cartório), a essa altura, ela tampouco demonstra se preocupar com isso, preferindo um futuro realista a uma ilusão abstrata do ideal.

Peggy Olson

De certa forma, a compra do apartamento se insere nessa mesma lógica: ao se mudarem para o lugar sugerido por Abe (um lugar, na melhor das hipóteses, necessitado de muitas reformas), Peggy sinaliza sua disposição em construir um futuro compartilhado, que levasse em consideração suas opiniões tanto quanto as dele. A mudança, no entanto, acaba por amplificar suas divergências, tornado a convivência insuportável. Ser a proprietária de um apartamento decante se mostra uma fonte inesgotável de dores de cabeça para Peggy, enquanto Abe, muito bem intencionado com seu espírito “faça você mesmo”, se torna uma companhia, no mínimo, desagradável. Há uma limitação em sua perspectiva da situação, em muito intensificada pelo próprio espírito idealista; nada lhe preocupa, do apartamento caquético à vizinha que defeca nas áreas comuns do prédio, e cabe a Peggy ser uma voz minimamente racional em meio ao caos. E ela tenta, embora todas as suas sugestões sejam descartadas por Abe, que rejeita sua opinião tanto quanto a ela própria e o que ela supostamente representa — algo concretizado na fatídica noite do rompimento, quando ele a chama de “o inimigo”.

A essa altura, o fim não é de todo uma surpresa: não existia nada entre Peggy e Abe que pudesse ser salvo. O momento, contudo, coincide com a sua confusa dinâmica com Ted Chaough (Kevin Rahm), um dos sócios da agência, com quem ela vinha se envolvendo há algum tempo, um homem gentil e simpático, mas que nunca estivera realmente disposto a abandonar a esposa e os filhos para estar ao lado dela (quando diz a Peggy que ela irá “encontrar uma pessoa” que a mereça é apenas uma maneira de reiterar que ele não seria essa pessoa).

Ted é um contraponto importante aos homens na vida de Peggy porque é o único a admirá-la por quem ela é e não por quem poderia ser. Não é sem alguma razão que a dinâmica entre eles se desenvolva com tanta facilidade — de uma mera relação de trabalho para a amizade e, então, o romance —, mas até mesmo ele se torna uma pessoa mais complicada e cinza quando um possível futuro entre eles é posto em xeque. É verdade que Ted e Peggy poderiam ser um excelente casal, talvez o único em uma série de relacionamentos infelizes e fracassados, mas esse não é um desfecho tangível, e embora brinque com a possibilidade, Mad Men jamais perde de vista o quão enganosa ela é. É por isso que, no fim das contas, Ted decide ir embora: não porque não desejasse estar com Peggy, mas justamente por querê-la tão profundamente. A decisão também marca o momento em que Peggy percebe que jamais tivera voz dentro daquele arranjo e enfim compreende que suas decisões exercem pouca ou nenhuma influência sobre o caso. Ted não toma, necessariamente, a melhor das decisões, nem a mais conveniente para ele próprio, mas não aceitá-la não altera coisa alguma; Peggy, afinal, continua a mercê de uma escolha que não é sua e sabe isso.

“Ted: Um dia ficará feliz por eu ter tomado essa decisão. 

Peggy: Você não tem sorte de ter decisões a tomar?”

O período subsequente se caracteriza tanto pela solidão, agora evidenciada pela ausência de outrem, quanto pelo peso de suas não-realizações. Profissionalmente, Peggy não poderia estar em um momento mais oportuno: torna-se redatora sênior, ganha um aumento salarial, de aprendiz converte-se a superior do próprio Don. Mas são conquistas que, em contraponto, continuam a reafirmar a lógica simbólica de exclusão que permeia sua jornada: Peggy permanece sozinha (a conquista de espaço na agência, finalmente, revela um outro tipo de isolamento), dona de um apartamento deplorável, a mãe de criança nenhuma.

A perda do amor — ou, antes, a possibilidade dele — se mostra, portanto, um desencantamento. A necessidade de tê-lo, todavia, continua uma constante: se o trabalho é uma fonte central de satisfação, é impossível para Peggy se desvencilhar da necessidade de ser amada tanto quanto do peso das expectativas não alcançadas. É verdade que, ao longo dos anos, ela evolui enormemente e, com isso, sua visão de mundo e a maneira como seus desejos se manifestam. Mas, no centro de suas inquietações, permanece o anseio de realizar-se também no amor. Elena Ferrante afirma, em entrevista ao L’Unità, de 2002, reproduzida em Frantumaglia, que o amor — ou, mais do que isso, a necessidade dele — é central à existência humana; de tal forma, suas obras são permeadas ora pela busca, ora pela ausência deste. Mad Men, embora distinta em meio e abordagem, elabora sua própria história de amor, seja ela uma história de busca, seja sobre as consequências de sua ausência. Mesmo quando trata de temas como aceitação e ambição, a série não deixa de estar ancorada a esse objeto mais amplo, revelando o quanto esses esforços também se relacionam ao desejo mais profundo de amar e ser amado.

Peggy, ao mesmo tempo espelho e tela em branco, contrasta a trajetória de Don tanto quanto — e ao seu próprio modo — a reflete. Peggy Olson e Don Draper vivem experiências muito distintas e essas vivências os moldam como seres tão diferentes quanto poderiam ser. Muitas de suas expectativas, no entanto, se constroem a partir da busca por amor, conexão e o anseio por serem amados por aquilo que são e não pelo o que parecem ou podem ser. Se o gosto pelo trabalho parece a única semelhança possível a ser traçada entre eles, no fim das contas ela é a característica menos complicada que dividem, catalisadora de questões infinitamente mais complexas.

Que Don seja a única pessoa a quem Peggy revela ter completado trinta anos não é, então, uma surpresa. “The Strategy”, sexto episódio da última temporada, retoma a fórmula utilizada em “The Suitcase” como uma maneira de explorar as angústias originadas a partir de uma crise criativa, agora centralizadas em Peggy. Às voltas com uma campanha focada na família nuclear (pai, mãe e filhos), Peggy é novamente confrontada pela perspectiva de tudo aquilo que ainda não possui: justamente a vida que busca recriar para a campanha — ou, ao menos, uma versão dela. É uma ironia que não escapa à própria Peggy, que se questiona se aquele tipo de família continuava a existir. Mas ser capaz de perceber essas nuances tampouco a torna imune a elas. “Agora sou uma dessas mulheres que mentem a idade”, ela diz a Don; mas não se trata tanto de envelhecer e sim do que o envelhecimento significa dentro desse contexto. A transição para sua terceira década de vida revela-se, então, um lamento: a cada ano que passa, Peggy fica (ou assim lhe parece) mais distante de realizar determinadas ambições.

São inquietações que se fazem presentes mesmo no âmbito profissional, onde suas raízes parecem crescer com mais firmeza e Peggy caminha com mais desenvoltura (destaca-se o momento em que Pete afirma que ela será uma profissional disputada aos trinta). Mas é no âmbito pessoal, muito mais do que no profissional, que a relação entre tempo versus sonhos se exibe com maior clareza. Peggy é uma mulher moderna, mas sê-lo tampouco significa que as linhas entre novo e antigo não possam se tornar difusas. Lamentar sobre o que não aconteceu, entretanto, é o que também a permite observar a própria trajetória por uma ótica menos pessimista: independente de como enxerga a si mesma, o diálogo com Don oferece uma perspectiva diferente e a convida a olhar para aquilo que havia conquistado com maior gentileza. “Eu me preocupo com muitas coisas, mas você não é uma delas”, ele diz, e os dois dançam ao som de “My Way”, música de Frank Sinatra; de todas, aquela que talvez tenha falado mais precisamente à trajetória de Peggy.

E Don não está errado. Se é verdade que Peggy possui uma trajetória repleta de percalços, é também verdade que essas dificuldades nunca a impediram de alcançar seus objetivos: em tempo, ela se torna um grande nome em uma grande agência, mas mais do que isso, também consegue encontrar satisfação em sua vida pessoal, em uma relação que se desenvolve ao longo dos anos e de forma muito natural. Diferente dos seus antigos relacionamentos, Stan (Jay R. Ferguson) é alguém que cresce a olhos vistos, e cresce também com Peggy: da antipatia à amizade e desta ao romance.

Peggy não precisava estar apaixonada por Stan (ou por qualquer outra pessoa) para que sua trajetória fizesse sentido. Mas ao lhe dar a chance de ser a protagonista de seu próprio romance, Mad Men a mantém como um ponto fora da curva, alguém a quem regras nunca poderiam — e nem deveriam — se aplicar. Não é tampouco um desfecho óbvio: de fato, Peggy talvez seja a única em um extenso elenco de personagens a quem sucesso profissional e pessoal não são mutuamente excludentes. O sucesso profissional seria um desfecho óbvio para sua trajetória, embora não menos satisfatório por isso, mas é com brilho nos olhos que a vemos se dirigir ao seu melhor amigo, finalmente descobrindo algo mais em uma relação com alguém que já a amava por quem ela realmente era: a primeira e única Peggy Olson.