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Quem tem medo do feminismo negro?

Nunca na história da vida de Maria Eduarda Saldanha Rosa senti tanto orgulho em ser preta e falar sobre ser preta como no final de 2017 e, agora, em 2018. Eu finalmente pude me olhar no espelho e sentir que falar sobre tudo com o recorte de feminismo negro era a minha tour, mais do que por direito.

Nunca soube que era preta, mas sempre soube que era diferente. Eu sabia que meus colegas tinham o tom de pele mais uniforme, e as palmas das mãos deles e a sola dos pés não tinham uma cor ligeiramente mais clara que o resto do corpo. Eu sabia que minha mãe passava muito mais tempo arrumando o meu cabelo do que a mãe das minhas amiguinhas. Eu sabia que o sol me abraçava de maneira diferente.

Se descobrir negra é engraçado. Claro que só é engraçado depois que você passa por isso e consegue rir de todas aquelas situações. No meu caso foi como a Hazel se apaixona pelo Gus em A Culpa é das Estrelas: “lentamente e então de uma vez”. Em um segundo eu apenas juntava os pedaços das minhas experiências ao longo da vida em um grande pote escrito “talvez” e no segundo seguinte eu era o próprio vídeo da Jaque do BBB em 2011 falando “Aqui ó… Sou preta! Quer afrontar? Vamo afrontar!” E a minha descoberta se deu, em grande parte, graças ao contato que tive com mulheres poderosas na internet. Os textos (e a amizade!) da Stephanie Ribeiro foram a porta de entrada para conhecer outras negras incríveis como Gabriela Moura (como eu admiro essa mulher e o trabalho dela na publicidade) e Djamila Ribeiro, que é a verdadeira estrela desse texto.

“[…] a construção da mulher negra como inerentemente forte era desumana. Somos fortes porque o Estado é omisso, porque precisamos enfrentar uma realidade violenta. Internalizar a guerreira, na verdade, pode ser mais uma forma de morrer. Reconhecer fragilidades, dores e saber pedir ajuda são formas de restituir as humanidades negadas. Nem subalternizada nem guerreira natural: humana.” — Djamila Ribeiro, no texto-introdução “A Máscara do Silêncio”

Depois de acompanhá-la um tempão, foi no Encontro de Livreiros da Companhia das Letras de 2018 que fiquei sabendo que ela finalmente lançaria um livro. E o nome não poderia ser mais certeiro: Quem Tem Medo do Feminismo Negro?

Não é fácil falar sobre o feminismo negro no Brasil, nunca foi e nem será por bastante tempo. Como o título mesmo sugere, as pessoas ainda têm — E MUITO! — medo desse assunto, e por muitas vezes elas se escondem atrás do que gosto de chamar de “o mito do lugar de fala”, que é quando você escolhe não falar sobre um assunto com o qual se sente profundamente desconfortável simplesmente sob a alegação de que não é o seu lugar de fala. Educação não conhece lugar de fala, e certas coisas têm que ser discutidas não importa por quem.

Lembro de ter visto um vídeo muito antigo da Jout Jout onde ela convidou a Nátaly Neri — na época também foi quando a conheci — para falar sobre feminismo negro. Nesse vídeo, Nátaly fala uma coisa que me marcou muito: se você está num ambiente onde há uma demonstração de racismo, mas não tem nenhum preto para falar, é seu dever falar alguma coisa. E se há algum preto para falar, é seu dever se mostrar um aliado.

Não dá pra ignorar que ainda vivemos numa época onde a branca que se impõe é exaltada e a negra que se impõe é a nervosinha, mas se você está se perguntando se essa leitura é para você, menina branca: sim, ela é especialmente pra você. Eu leio para bater palmas, talvez você leia para aprender. E tudo bem, porque Djamila é a professora que todo mundo pediu. Em contrapartida, se as pessoas se sentem desconfortáveis ao lerem sobre feminismo negro, elas gostam muito de ouvir outras pessoas falando de si mesmas, e o principal diferencial dessa leitura é que você não percebe assim logo de cara estar lendo artigos tão eloquentes sobre o feminismo negro até que você chega na conclusão final de cada texto.

E digo texto porque esse livro é, especialmente, uma seleção de textos já publicados pela Djamila — em sua maioria na sua coluna do Carta Capital — e que constrói uma narrativa que passa por diversos pontos: humor, ostracismo, o unicórnio chamado “racismo reverso”, feminismo acadêmico, carnaval… e por aí vai.

A escrita de Djamila é especial porque ela é, na falta de palavra melhor, “educativa” ao mesmo tempo que é extremamente pessoal, gerando empatia por tocar em pontos com os quais quase toda pessoa se identifica. Um exemplo maravilhoso é o texto sobre o goleiro Barbosa, goleiro brasileiro na época da derrota em casa na Copa do Mundo de 1950 — quem não se sente pessoalmente vitimizado pelo Uruguai até hoje? E você se lembra que Barbosa era negro? A Djamila te lembra, e a história segue daí.

Felizmente, mesmo que você se considere o maior fã da Djamila que esse mundo já viu, os textos foram tão bem selecionados que talvez você tenha passado batido por vários deles na internet (eu sei que passei), e gosto muito de saber que eles estão agora eternizados num livro. E tudo isso começa com um texto inédito maravilhoso de introdução. Nele, Djamila está o mais pessoal que eu já li. Se ser negra e escrever é fazer com que a pessoa entre na sua camada mais pessoal e se sinta tão ligada empaticamente que não consegue mais desviar os olhos ou ignorar o sentimento, a Djamila faz isso como ninguém.

Não ter medo de falar sobre feminismo negro é difícil, e a luta é diária e muito complexa, mas essa batalha vale a pena escolher.

Quer afrontar? Vamos afrontar.

O exemplar foi cedido para resenha por meio de parceria com a Editora Companhia das Letras.


** A arte em destaque é de autoria da editora Thayrine.

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