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Romances Sáficos: uma lista para celebrar o amor

Em Calibã e A Bruxa: Mulheres, Corpo e Acumulação Primitiva, a historiadora ítalo-americana Silvia Federici deixa claro que, no período histórico de caça às bruxas, qualquer relação entre mulheres que não tivesse o intermédio de um homem era considerada bruxaria. Isso se reflete até hoje na nossa sociedade, desde a demonização da fofoca (porque, se duas mulheres estão conversando, coisa boa não pode sair dali) e o mito de que não existe amizade verdadeira entre mulheres, até o relacionamento entre pessoas do gênero feminino.

Na cultura pop não poderia ser diferente. Quando pensamos que a maior parte dos grandes criadores — diretores de cinema, escritores, roteiristas etc. — ainda são homens brancos em uma indústria quase completamente dominada por eles, histórias contadas por mulheres sobre mulheres ainda são uma exceção à regra. E não é que eles não tentem. Mas, quando homens tentam contar a histórias de mulheres que se amam, é difícil não cair na armadilha da hipersexualização, pelo simples fato de que, ainda no século XXI, eles ainda têm dificuldade em conceber a possibilidade de uma narrativa que não paire sobre o olhar masculino.

Felizmente, cada vez mais esse cenário muda, de forma que criadores mulheres começam a ganhar espaço para assumir a própria narrativa. Isso também se reflete na literatura. Ainda que aos poucos, chegam às nossas estantes, físicas ou virtuais, romances de mulheres que amam mulheres. Não como um gênero específico. Aqui, estamos falando de heroínas que viajam no tempo, constroem uma carreira em Hollywood, entram em contato consigo mesmas, opõem-se a regimes autoritários e tentam levar a vida em uma grande metrópole, tudo isso enquanto vivem um grande amor.

Porque mulheres, além de amar outras mulheres, são capazes de muitas outras coisas, separamos uma lista de romances sáficos para deixar o coração quentinho, tirar o fôlego e dar uma pontinha de esperança de que, em um mundo de homens, relações entre mulheres que não necessariamente atravessam o olhar masculino são possíveis e reais.

É Assim que se Perde a Guerra do Tempo, Amal El-Mohtar e Max Gladstone

Por Thay

romances sáficos

“Palavras podem ferir — mas elas também são pontes. (Como as pontes que são todo o legado dos Genghis.) Embora talvez uma ponte possa também ser uma ferida? Para parafrasear um profeta: cartas são estruturas, não eventos. As suas me dão um lugar onde viver.”

Escrito em parceria por Amal El-Mohtar e Max Gladstone, com tradução no Brasil por Natalia Borges Polesso, É Assim que se Perde a Guerra do Tempo é um livro difícil de classificar. Ao mesmo tempo que é um romance epistolar, é também uma ficção científica e uma fantasia com as duas das protagonistas mais diferentes entre si que você pode imaginar. Vencedor dos prêmios Hugo, Nebula e Locus — alguns dos mais prestigiosos da ficção científica —, o livro narra uma história que atravessa tempo e espaço enquanto acompanhamos as trajetórias das protagonistas, Red e Blue, duas viajantes do tempo de agências rivais que se apaixonam e precisam mudar o passado de maneira a garantir que um futuro onde fiquem juntas seja possível.

O mundo está em ruínas quando uma delas encontra a carta deixada pela outra. Pertencentes a facções rivais com visões completamente diferentes de mundo, é de se surpreender que Red e Blue iniciem, e mantenham, uma conversa. No início, as missivas têm ares de enemies to lovers, com alfinetadas e comentários a respeito de suas respectivas facções, a Agência e o Jardim. Enquanto lutam para garantir que os filamentos de tempo se organizem da maneira como desejam, Red e Blue interferem em cenários específicos: se uma causou algo, a outra impede, sempre agindo como lados diferentes de uma mesma moeda que decidirá qual das facções sairá vitorioso da guerra do tempo.

A narrativa se desenvolve de forma não linear, então tudo o que sabemos de É Assim que se Perde a Guerra do Tempo vem por meio dos relatos escritos de Red para Blue, e vice-versa. A falta de sentido lógico, se dá para dizer assim, é o que transforma o livro de Amal El-Mohtar e Max Gladstone em algo tão específico. Como Red e Blue estão imersas em uma guerra temporal, indo e voltando por filamentos de tempo e universos, é perfeitamente aceitável que a narrativa passe essa sensação de caos, em que tudo pode mudar de um momento para o outro — inclusive os sentimentos de agentes de lados opostos da guerra. A escrita da dupla Amal El-Mohtar e Max Gladstone faz transbordar pelas páginas os sentimentos e sensações de Blue, sempre tão racional, e Red, um tanto caótica se comparada com sua nêmesis. A guerra da qual as duas são peças importantes deixa de receber atenção de ambas quando se transforma na oportunidade de que precisam para se encontrarem por breves momentos, sem nunca ter certeza de como esses encontros se darão. O que as move, a partir do momento em que se dão conta do que sentem uma pela outra, é a esperança de que sempre se encontrarão, mesmo com as diferentes linhas temporais e os filamentos que cruzam suas vidas e as leva em direções opostas. — Comprar!

One Last Stop, Casey McQuiston

Por Paloma

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“But, you know, that feeling? When you wake up in the morning and you have somebody to think about? Somewhere for hope to go? It’s good. Even when it’s bad, it’s good.”

“Mas sabe aquele sentimento? Quando você acorda de manhã e tem alguém em quem pensar? Algum lugar para depositar a esperança? É bom. Mesmo quando é ruim, é bom.” (tradução nossa)

One Last Stop, obra mais recente de Casey McQuiston, responsável também pela pérola preciosa que é Vermelho, Branco e Sangue Azul, acompanha o romance de August e Jane. August é uma jovem bissexual de 23 anos de idade com sérios problemas de relacionamento que se muda para Nova York para estudar na Universidade do Brooklyn. Lá, em uma viagem de metrô rumo a seu primeiro dia de aula, ela conhece Jane Su, uma jovem lésbica sino-americana, punk, linda, sedutora e muito MUITO muito carismática. A atração entre as duas é imediata, mas não demora muito para que August descubra o defeito da aparentemente perfeita “Garota do Metrô”: ela não devia estar ali. Ou melhor, não deveria estar agora. Por algum motivo (que só descobrimos depois da metade do livro e eu não vou contar aqui), Jane foi sugada por uma fenda no tempo, transportada de 1976 para 2020, e agora está presa à linha Q do metrô de Nova York. Nada disso é spoiler, está tudo na sinopse.

Ao mesmo tempo em que seguimos o romance entre as duas e as investigações para descobrir quem Jane é, como foi parar ali e como pode ser mandada de volta, acompanhamos também o crescimento de August como pessoa. Depois de uma vida de isolamento e desconfiança, é ali em Nova York, dividindo apartamento com novos amigos, trabalhando na tradicional Billy’s Pancakes House of Pancakes, que ela aprende o que é pertencer a um lugar, pertencer a um grupo, se conectar. Não bastasse isso, Myla, Niko e Wes, os colegas de apartamento, são personagens maravilhosos, encantadores, com histórias próprias e muita diversidade. Wes, um rapaz judeu e gay, deserdado pela família depois de abandonar a faculdade de arquitetura; Myla, uma moça negra e filha adotiva de uma mãe chinesa; Wes, portoriquenho e trans, namorado de Myla e uma espécie de médium e guru. E esses não são nem os únicos personagens secundários maravilhosos a que temos acesso.

Leve, adorável, quentinha. Não existe outro jeito de definir essa obra. Como seu antecessor, é um livro que simplesmente não dá vontade de parar de ler. Nos faz querer entrar em suas páginas e fazer amizade com aquelas pessoas, viver naquela cidade, comer aquelas comidas. Melhor de tudo: é descomplicado. A leitura ideal para um belo sábado de sol e calor, para um domingo frio com uma xícara de chá embaixo das cobertas, para a sala de espera do dentista, para o transporte público. Difícil é parar de ler. Cuidado para não perder a sua parada. One Last Stop ainda não está disponível em português, mas seu lançamento pela editora Seguinte está previsto para janeiro de 2022 com o título Última Parada. — Comprar! (em inglês)

Os Sete Maridos de Evelyn Hugo, Taylor Jenkins Reid

Por Audryn

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“Eu estava sendo preparada para ser duas coisas opostas, uma figura complicada, que era difícil de dissecar, mas fácil de gostar. Era para ser ingênua e erótica ao mesmo tempo. Como se eu fosse complexa demais para me preocupar com as ideias pouco complexas que as pessoas faziam de mim.

Era tudo papo-furado, óbvio. Mas uma coisa bem fácil de fingir. Às vezes acho que a diferença entre uma atriz e uma estrela é que a estrela se sente à vontade sendo aquilo que o mundo deseja. E eu me sentia confortável sendo inocente e também sugestiva.”

Evelyn Hugo teria sido uma das maiores atrizes da era de ouro de Hollywood, caso tivesse existido. Por anos longe dos holofotes, ela resolve revelar tudo o que a grande mídia nunca soube sobre sua vida à revista Vivant, como capa da edição. No entanto, a atriz afirma que só dará a entrevista se a repórter responsável for Monique Grant, uma jornalista até então pouco conhecida, mas que Evelyn faz questão que seja ela. Mais tarde, a artista revela que não pretende ser capa de revista, mas sim que deseja que Monique escreva sua biografia. Ainda promete explicar porque escolheu justamente Monique, embora saiba que isso signifique ser odiada pela repórter para sempre.

Se o título promete a história por trás dos sete casamentos no romance de Taylor Jenkins Reid, ele não mente. No entanto, fica claro logo nos primeiros capítulos que a história de Evelyn vai muito além de quantos casamentos ela teve e de quantos homens passaram por sua vida.

O fato é que, por trás de todo o glamour e toda a atuação em Hollywood — dentro e fora das telas — existe uma história de amor que nada tem a ver com os maridos do título. E se a autoconfiança de Evelyn a levou longe em sua carreira e a tornou uma das maiores atrizes da sua época, na esfera pessoal ela também era atingida pelos preconceitos e barreiras sociais, o que refletia na forma como via o mundo e a ela mesma. Os Sete Maridos de Evelyn Hugo é sobre, antes de lidar com os estigmas do mundo lá fora, desconstruí-los dentro de si. Mais do que isso: é sobre se permitir ser feliz. E que, apesar dos erros do passado, nunca é tarde demais para se perdoar e se deixar viver um amor. — Comprar!

Soho Loft Series, Melissa Brayden

Por Paloma

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“There is nothing boring about happily ever after.”

“Não tem nada de chato em felizes para sempre.” (tradução nossa)

Composta por três volumes — Kiss the  Girl, Just Three Words e Ready or Not —, a série Soho Loft, de Melissa Brayden conta as histórias de Brooklyn Campbell, Samantha Ennis, Hunter Blair e Mallory Spencer, quatro amigas que se conheceram na faculdade e fundaram sua própria agência de publicidade, a Soho Savvy.  O nome da série faz referência à sede da empresa: um Loft no Soho, Nova York, que fica no mesmo prédio em que todas as protagonistas, em um momento ou outro, moram.  As tramas dos três livros são inter-relacionadas e sucessivas, mas cada um dos volumes tem uma (ou duas) das quatro amigas como protagonista(s) e enfoca suas questões e problemas específicos.

O primeiro livro da série, Kiss the Girl, é focado em Brooklyn e seu romance nascente com Jessica Lennox, executiva poderosa e a cabeça por trás de uma grande agência de publicidade — concorrente da Soho Savvy.  Esse é só um exemplo de como os clichês românticos que a gente ama são muito bem explorados ao longo dos livros. Essa é basicamente a essência da série: romances leves, palatáveis, focado em amor romântico, amizade e a vida descomplicada de um grupo de jovens adultas de classe média/média-alta na cidade de Nova York.

A magia da Soho Loft Series é justamente que nem toda história envolvendo romances entre mulheres precisa ser trágica e cheia de sofrimento, ou envolver violência LGBTfóbica e saídas do armário. Às vezes a gente só quer uma boa e velha história de amor (ou três) que dê cócegas na barriga, faça suspirar, tenha sua dose de drama sentimental e em que o final feliz venha como um pressuposto. Infelizmente, a série não foi traduzida para o português até o momento. — Comprar Kiss the Girl, Just Three WordsReady or Not!


* A introdução do texto é de autoria da colaboradora Audryn Karolyne.
** A arte em destaque é de autoria da editora Ana Luíza. Para ver mais, clique aqui!